A duplicidade como política de Washington para a América Latina
Marines para a América Central e diplomatas para Cuba
por James Petras
Toda a gente, desde sabichões políticos em Washington até
o Papa em Roma, incluindo a maior parte dos jornalistas nos mass media e na
imprensa alternativa, centrou a atenção nos movimentos dos EUA
rumo à finalização do bloqueio económico de Cuba e
à abertura gradual de relações diplomáticas.
Fala-se muito de uma "grande mudança" na política
estado-unidense em relação à América Latina com
ênfase na diplomacia e na reconciliação. Mesmo autores e
jornais progressistas deixaram de escrever acerca do imperialismo dos EUA.
Contudo, há evidências crescentes de que as
negociações de Washington com Cuba simplesmente fazem parte de
uma política dúplice, de duas vias
(two-track policy).
Há claramente uma grande acumulação [de forças]
dos EUA na América Latina, com dependência crescente em
"plataformas militares" destinadas a lançar
intervenções militares directas em países
estratégicos.
Além disso, decisores políticos dos EUA envolvem-se activamente
na promoção de partidos de oposição, movimentos e
personalidades "clientes" a fim de
desestabilizar governos independentes
e estão decididos a re-impor a dominação estado-unidense.
Neste ensaio começaremos por discutir as
origens
e o
desdobrar
desta política de duas vias, suas
manifestações
actuais e
projecções
no futuro. Concluiremos avaliando as possibilidades de restabelecer a
dominação imperial dos EUA na região.
Origens da política de duas vias
A "política de duas vias" de Washington, baseada na
combinação de "políticas reformistas" em
relação a algumas formações políticas,
enquanto trabalhava para derrubar outros regimes e movimentos pela força
e intervenção militar, foi praticada pela antiga
administração Kennedy a seguir à revolução
cubana. Kennedy anunciou um vasto programa económico de ajuda,
empréstimos e investimentos chamado "Aliança para o
Progresso" para promover o desenvolvimento e a reforma social em
países latino-americanos desejosos de se alinharem com os EUA. Ao mesmo
tempo o regime Kennedy escalou a ajuda militar estado-unidense e
exercícios conjuntos na região. Kennedy patrocinou um grande
contingente de Forças Especiais os "Boinas Verdes"
destinados à guerra de contra-insurgência. A
Aliança para o Progresso
destinava-se a conter a atracção maciça das
mudanças sociais revolucionárias em curso em Cuba com o seu
próprio programa de "reforma social". Se bem que Kennedy
promovesse reformas diluídas na América Latina, ele lançou
a invasão "secreta" de Cuba (Baia dos Porcos) em 1961 e um
bloqueio naval em 1962 (a chamada "crise dos mísseis"). A
política de duas vias acabou por sacrificar reformas sociais e
fortalecer a repressão militar. Em meados da década de 1970, as
"duas vias" tornaram-se uma só a força. Os EUA
invadiram a República Dominicana em 1965. Apoiaram uma série de
golpes militares em toda região, isolando Cuba efectivamente. Em
consequência, a força de trabalho latino-americana experimentou
cerca de um quarto de século de declínio dos padrões de
vida.
Na década de 1980 os ditadores-clientes dos EUA haviam perdido sua
utilidade e Washington mais uma vez adoptou uma estratégia de duas vias.
Numa, a Casa Branca apoiou incondicionalmente a agenda neoliberal dos seus
militares-clientes governantes e patrocinou-os como parceiros júniors na
hegemonia regional de Washington. Na outra via, promoveu mudanças para
uma política eleitoral altamente controlada, a qual foi descrita como
"transição democrática",
a fim de "descomprimir" pressões sociais de massa contra seus
clientes militares. Washington assegurou a introdução de
eleições e promoveu políticos clientes desejosos de
continuar a estrutura sócio-económica neoliberal estabelecida
pelos regimes militares.
Na viragem do novo século, os descontentamentos acumulados em trinta
anos de domínio repressivo, de políticas
sócio-económicas regressivas e de desnacionalização
e privatização do património nacional provocaram uma
explosão de descontentamento social em massa. Isto levou ao derrube e
derrota eleitoral dos regimes clientes neoliberais de Washington.
Na maior parte da América Latina movimentos de massas estavam a exigir
uma ruptura com os programas de "integração" centrados
nos EUA. O anti-imperialismo aberto crescia e intensificava-se. Este
período assistiu à emergência de numerosos governos de
centro-esquerda na Venezuela, Argentina, Equador, Bolívia, Brasil,
Uruguai, Paraguai, Honduras e Nicarágua. Além das mudanças
de regime, forças económicas mundiais fizeram crescer mercados
asiáticos, seus pedidos de matérias-primas latino-americanas e a
ascensão dos preços das
commodities
ajudou a estimular o desenvolvimento de organizações regionais
centradas na América Latina fora do controle de Washington.
Ainda estavam entranhados em Washington os seus 25 anos de política
"via única" de apoio a políticas autoritárias
civis-militares e de imposição neoliberal e era
incapaz
de responder e apresentar uma
alternativa de reforma
ao desafio anti-imperialista e de centro-esquerda à sua
dominação. Washington trabalhou para reverter a nova
configuração de poder. Suas agências para o exterior, a
Agency for International Development (AID), a Drug Enforcement Agency (DEA) e
embaixadas trabalhavam para desestabilizar os novos governos na Bolívia,
Equador, Venezuela, Paraguai e Honduras. A "via única" de
intervenção e desestabilização estado-unidense
fracassou durante a primeira década do novo século (com a
excepção de Honduras e Paraguai).
No fim, Washington acabou politicamente isolada. Seus esquemas de
integração foram rejeitados. Suas fatias de mercado na
América Latina declinaram. Washington não só perdeu sua
maioria automática na Organização dos Estados Americanos
(OEA) como se tornou uma minoria nítida.
A política "via única" de Washington de confiar no
"porrete" e evitar a "cenoura" era baseada em várias
considerações. Os regimes Bush e Obama estavam profundamente
influenciados pelos vinte e cinco anos de
dominação da região
(1975-2000) e a noção de que os levantamento e mudanças
políticas na América Latina na década seguinte eram
efémeros, vulneráveis e facilmente reversíveis.
Além disso, Washington, acostumada durante mais de um século de
dominação económica de mercados, recursos e trabalho,
considerou como garantido que a sua hegemonia era
inalterável
. A Casa Branca falhou em reconhecer a força da
participação crescente da China no mercado latino-americano. O
Departamento de Estado ignorou a capacidade de governos latino-americanos para
integrarem seus mercados e excluírem os EUA.
Responsáveis do Departamento de Estado dos EUA nunca se afastaram da
desacreditada
doutrina neoliberal que haviam promovido com êxito na década de
1990. A Casa Branca fracassou na adopção de uma viragem
"reformista"
para conter o apelo de reformadores radicais como Hugo Chávez, o
presidente venezuelano. Isto foi mais evidente nos países caribenhos e
andinos onde o Presidente Chávez lançou suas duas
"alianças para o progresso": a
"Petro-Caribe"
(programa da Venezuela de fornecimento de combustível barato,
fortemente subsidiado, a países pobres da América Central e do
Caribe e de óleo de calefacção para bairros pobres nos
EUA) e o
"ALBA"
(união político-económica de estados andinos, mais Cuba e
Nicarágua, concebida para promover solidariedade política e
laços económicos regionais). Ambos os programas foram fortemente
financiados por Caracas. Washington fracassou em propor um plano alternativo
com êxito.
Incapaz de vencer diplomaticamente ou na "batalha de ideias",
Washington recorreu ao "grande porrete" e procurou
perturbar
o programa económico regional da Venezuela ao invés de competir
com os generosos e benéficos pacotes de ajuda de Chávez. As
"tácticas destruidoras" dos EUA saíram pela culatra. Em
2009, o regime Obama apoiou um golpe militar em Honduras, removendo o liberal e
reformista Presidente eleito, Zelaya, e instalou uma tirania sangrenta, uma
reversão à década de 1970 quando os EUA apoiaram o golpe
chileno que levou o general Pinochet ao poder. A secretária de Estado
Hilary Clinton, num acto de pura palhaçada política, recusou-se a
chamar de golpe o derrube violento de Zelaya e rapidamente reconheceu a
ditadura. Nenhum outro governo apoiou os EUA na sua política de
Honduras. Houve uma
condenação universal do golpe
, destacando o isolamento de Washington.
Repetidamente, Washington tentou utilizar sua "carta
hegemónica" mas foi vencida sem rodeios em reuniões
regionais. Na Cimeira das Américas em 2010, países
latino-americanos afastaram objecções dos EUA e votaram por
convidar Cuba à sua reunião seguinte, desafiando um veto
estado-unidense de 50 anos. Os EUA foram deixados sós na sua
oposição.
A posição de Washington foi mais uma vez enfraquecida pelo boom
de commodities ao longo de uma década (estimulado pela procura voraz da
China por produtos agro-minerais). O "mega-ciclo" pôs em causa
a antecipação dos Departamentos do Tesouro e do Estado dos EUA de
um
colapso de preços
. Nos ciclos anteriores, "baixas" de preços de commodities
haviam forçado governos de centro-esquerda a correrem ao Fundo
Monetário Internacional (FMI) controlado por Washington à procura
de
empréstimos
altamente condicionados para sanar balanças de pagamentos, nos quais a
Casa Branca costumava impor suas políticas neoliberais e
dominação política. O "mega-ciclo" gerou
receitas e rendimentos ascendentes. Isto deu enorme alavancagem a governos de
centro-esquerda para evitar as "armadilhas da dívida"
("debt traps")
e marginalizar o FMI. Isto virtualmente eliminou a condicionalidade imposta
pelos EUA e permitiu a governos latino-americanos prosseguirem políticas
populistas-nacionalistas. Estas políticas
diminuíram
a pobreza e o desemprego. Washington jogou a "carta da crise" e
perdeu. No entanto, Washington continuou a trabalhar com grupos de
oposição de extrema direita para desestabilizar os governos
progressistas, na esperança de que "chegassem ao desastre",
caso em que os apaniguados de Washington "valsariam" e tomariam o
poder.
A reintrodução da política de "duas vias"
Após uma década e meia de golpes duras, de fracassos repetidos
das suas políticas do "grande porrete", de
rejeição de esquema de integração centrados nos EUA
e de múltiplas derrotas inequívocas de políticos seus
clientes nas urnas eleitorais, Washington finalmente começou a
"repensar" sua política de "via única" e
hesitantemente
explora uma
limitada
abordagem pelas "duas vias".
Contudo, as "duas vias" incluem
polaridades
claramente marcadas pelo passado recente. Enquanto o regime Obama abriu
negociações e avançou para o estabelecimento de
relações com Cuba, ele
escalou
as
ameaças militares
em relação à Venezuela ao absurdamente etiquetar Caracas
como uma
"ameaça à segurança nacional dos EUA".
Washington acordou para o facto de que a sua política belicosa em
relação a Cuba foi
rejeitada universalmente
e deixou os EUA isolados da América Latina. O regime Obama decidiu
afirmar algumas
"credenciais reformistas"
com a
exibição da sua abertura a Cuba
. A
"abertura a Cuba"
realmente faz parte de uma mais vasta
intervenção política mais activa na América Latina
. Washington tomará pleno proveito da vulnerabilidade agravada dos
governos de centro-esquerda quando o mega-ciclo das commodities chega ao fim e
os preços entram em colapso. Washington aplaude o programa de
austeridade orçamental perseguido pelo regime de Dilma Rousseff no
Brasil. Apoia calorosamente o recém eleito regime "Frente
Ampla" de Tabaré Vázquez no Uruguai com suas
políticas de mercado livre e ajustamento estrutural. Apoia publicamente
a recente nomeação pela presidente chilena Bachelet de
democratas-cristãos de centro-direita para postos ministeriais a fim de
obsequiar o
big business.
Estas mudanças dentro da América Latina proporcionam uma
"abertura" para Washington prosseguir uma política de
"duas vias". Por um lado Washington está a
aumentar a pressão política e económica
e a intensificar sua campanha de propaganda contra políticas e regimes
de "intervenção estatal" no
período imediato
. Por outro lado, o Pentágono está a intensificar e escalar sua
presença na América Central e sua vizinhança imediata. O
objectivo é finalmente recuperar alavancagem sobre o comando militar no
resto do continente sul-americano.
O
Miami Herald
(10/05/15) informou que a administração Obama enviou 280
marines
para a América Central sem qualquer missão
específica
ou pretexto. Verificando-se
logo após a Cimeira das Américas no Panamá
(10-11/Abril/2015), esta acção tem grande importância
simbólica
. Se bem que a presença de Cuba na Cimeira possa ter sido louvada como
uma vitória diplomática da reconciliação dentro das
Américas, o despacho de centenas de fuzileiros navais estado-unidenses
para a América Central sugere que outro cenário está em
preparação.
Ironicamente, na reunião da Cimeira, o secretário-geral da
União das Nações Sul Americanas (UNASUL), o antigo
presidente colombiano (1994-98) Ernesto Samper, conclamou os EUA a removerem
todas as suas bases militares da América Latina, incluindo Guantanamo:
"Um bom ponto na nova agenda de relações na América
Latina seria a eliminação das bases militares
estado-unidenses".
A ideia da "abertura" dos EUA a Cuba é precisamente assinalar
seu
maior envolvimento
na América Latina, o qual inclui um retorno a uma mais robusta
intervenção militar
estado-unidense. A intenção estratégica é
restaurar regimes clientes neoliberais, pelos votos ou pelas balas.
Conclusão
A actual adopção de Washington de uma política de duas
vias é uma "versão barata" da política de John
F. Kennedy de combinar a
"Aliança para o Progresso"
com as
"Boinas Verdes".
Contudo, Obama oferece
pouco
quanto a apoio
financeiro
para modernização e reforma a fim de complementar seu desejo de
restaurar a dominância neoliberal.
Após uma década e meia de recuo político, isolamento
diplomático e perda relativa de alavancagem militar, o regime Obama
levou seis anos para reconhecer a profundidade do seu isolamento. No momento em
que a secretária assistente para Assuntos do Hemisfério
Ocidental, Roberta Jacobson, afirmou que estava
"surpreendida e desapontada"
quando todos os países latino-americanos se opuseram à
afirmação de Obama de que a Venezuela representava uma
"ameaça à segurança nacional dos Estados
Unidos", ela mostrou quão ignorante e fora de sintonia se tornou o
Departamento de Estado em relação à capacidade de
Washington para influenciar a América Latina no apoio à sua
agenda de intervenção imperial.
Com o declínio e recuo do centro-esquerda, o regime Obama tem estado
ansioso por explorar a estratégia das duas vias. Na medida em que as
conversações de paz na Colômbia entre as FARC e o
Presidente Santos avancem, é provável que Washington reajuste sua
presença militar na Colômbia para enfatizar sua campanha de
desestabilização contra a Venezuela. O Departamento de Estado
aumentará aberturas diplomáticas à Bolívia. A
National Endowment for Democracy
intensificará sua intervenção nas eleições
argentinas deste ano.
Circunstâncias variadas e cambiantes ditam tácticas
flexíveis
. A pairar sobre as mudanças tácticas de Washington está
uma perspectiva estratégica odiosa destinada a aumentar a
alavancagem militar
. Quando as negociações de paz entre o governo colombiano e as
guerrilhas das FARC avançam rumo a um acordo, diminui o
pretexto
para manter sete bases militares estado-unidenses e vários milhares de
militares dos EUA, assim como suas tropas de Forças Especiais. Contudo,
o presidente Santos da Colômbia não deu indicação de
que um
"acordo de paz"
estaria condicionado à retirada de tropas estado-unidenses ou ao
encerramento das suas bases. Por outras palavras, o US Southern Command reteria
uma plataforma militar vital e uma infraestrutura capaz de lançar
ataques contra a Venezuela, Equador, América Central e o Caribe. Com
bases militares por toda a região, na Colômbia, em Cuba
(Guantanamo), Honduras (Soto Cano em Palmerola), Curaçao, Aruba e Peru,
Washington pode rapidamente mobilizar forças de
intervenção. Laços militares com as forças armadas
do Uruguai, Paraguai e Chile asseguram contínuos exercícios
conjuntos e estreita coordenação das chamadas políticas de
"segurança" no
"Cone Sul"
da América Latina. Esta estratégia está concebida
especificamente para preparar a repressão
interna
contra
movimentos populares
, sempre e em todo momento em que a luta de classe se intensifique na
América Latina. A política de duas vias, hoje em vigor, é
executada através de estratégias
político-diplomáticas
e militares.
No período
imediato
, na maior parte da região, Washington busca uma política de
intervenção e pressão
política, diplomática e económica. A Casa Branca
está a contar com o "giro para direita" de antigos governos de
centro-esquerda a fim de facilitar o retorno ao poder de regimes clientes
descaradamente neoliberais em futuras eleições. Isto é
especialmente verdadeiro em relação ao Brasil e à
Argentina.
A "via político-diplomática" é evidente nos
movimentos de Washington para restabelecer relações com a
Bolívia e fortalecer aliados alhures a fim de alavancar políticas
favoráveis no Equador, Nicarágua e Cuba. Washington propõe
oferecer acordos diplomáticos e comerciais em troca de um
"amaciamento" da crítica anti-imperialista e do
enfraquecimento dos programas da "era Chávez" de
integração regional.
A
"abordagem em duas vias",
tal como aplicada à Venezuela, tem uma
componente militar
mais aberta do que alhures. Washington continuará a subsidiar violentos
cruzamentos paramilitares da fronteira com a Colômbia. Continuará
a encorajar a sabotagem terrorista interna da rede eléctrica e do
sistema de distribuição alimentar. O objectivo estratégico
é desgastar a
base eleitoral
do governo Maduro, como preparação para as
eleições legislativas no fim de 2015. Quando se trata da
Venezuela, Washington está a seguir uma estratégia em
"quatro passos":
(1) Intervenção violenta indirecta para desgastar o apoio
eleitoral do governo
(2) Financiamento em grande escala da campanha eleitoral da
oposição parlamentar para assegurar uma maioria no Congresso
(3) Uma campanha maciça nos media em favor de um voto do Congresso para
um referendo impedindo
(impeaching)
o Presidente
(4) Uma campanha em grande escala financeira, política e nos media para
assegurar uma maioria de votos para o
impeachment
por referendo.
Na possibilidade de uma votação por margem estreita, o
Pentágono prepararia uma intervenção militar rápida
com seus colaboradores internos procurando um derrube de Maduro
"estilo Honduras".
A
fraqueza
estratégica e táctica da política de duas vias é a
ausência de qualquer ajuda
económica
prolongada e abrangente, com programas de comércio e investimento que
atraíssem e mantivessem eleitores da classe média. Washington
está a contar mais com os
efeitos negativos
da crise para restaurar seus clientes neoliberais. O problema com esta
abordagem é que as forças pró EUA só podem prometer
um retorno a programas de austeridade ortodoxos, com reversão de
programas sociais e de bem-estar público, fazendo ao mesmo tempo
concessões económicas em grande escala aos maiores investidores e
banqueiros estrangeiros. A implementação de tais programas
regressivos iriam atear e intensificar conflitos de classe, de comunidades e
étnicos.
A estratégia de
"transição eleitoral"
dos EUA é um
expediente temporário
, à luz das políticas económicas altamente impopulares que
certamente implementariam. A ausência completa de qualquer ajuda
sócio-económica substancial dos EUA para amortecer os efeitos
adversos sobre famílias trabalhadoras significa que as vitórias
eleitorais dos clientes dos EUA não perdurarão. Eis porque e
quando a
acumulação militar estratégica
entra em cena. O êxito da via única, a busca de tácticas
político-diplomáticas, inevitavelmente polarizará a
sociedade latino-americana e aumentará as perspectivas para a luta de
classe. Washington espera ter seus aliados-clientes político-militares
prontos para responder com repressão violenta. A
intervenção directa e o aumento da repressão interna
entrarão em cena para assegurar a dominância estado-unidense.
A
"estratégia de duas vias",
mais uma vez, evoluirá para uma
"estratégia de via única"
destinada a devolver a América Latina à [condição
de] região satélite, pronta para a pilhagem por multinacionais
extractivas e especuladores financeiros.
Como temos visto ao longo da última década e meia,
"políticas de duas vias" levam a levantamentos sociais. E na
próxima ocasião os resultados podem ir muito além de
regimes progressistas de
centro-esquerda
, rumo a governos verdadeiramente sociais-revolucionários!
Epílogo
Os construtores do império estado-unidense demonstraram claramente por
todo o mundo a sua incapacidade para intervir e produzir estados clientes
estáveis, prósperos e produtivos (Iraque e Líbia
são casos exemplares). Não há razão para acreditar,
mesmo que a "política das duas vias" leve a vitórias
eleitorais temporárias, que os esforços de Washington para
restaurar a sua dominância terão êxito na América
Latina, ainda menos porque à sua estratégia falta qualquer
mecanismo para a ajuda
económica
e
reformas sociais
que mantivesse uma elite pró EUA no poder. Exemplo: como poderiam os
EUA compensar de algum modo o pacote de ajuda da China ao Brasil de US$50 mil
milhões senão através da violência e da
repressão?
É importante analisar como a ascensão da China, Rússia, de
fortes mercados regionais e de novos centros financeiros enfraqueceram
gravemente os esforços de regimes clientes para realinharem com os EUA.
Golpes militares e mercados livres já não são mais
fórmulas garantidas de êxito na América Latina. Seus
fracassos passados são demasiado recentes para serem esquecidos.
Finalmente, a
"financiarização"
da economia estado-unidense, que até o Fundo Monetário
Internacional descreve como impacto negativo de
"demasiada finança" (Financial Times,
13/Maio/15, p. 4), significa que os EUA não podem conceder recursos
capitais para desenvolver a
actividade produtiva
na América Latina. O estado imperial só pode servir de violento
cobrador de dívidas
para os seus bancos no contexto do
desemprego em grande escala
. O imperialismo financeiro e extractivo é um cocktail
político-económico para detonar a revolução social
num
continente inteiro
, muito para além da capacidade dos fuzileiros navais estado-unidenses o
impedirem ou suprimirem.
28/Maio/2015
O original encontra-se em
petras.lahaine.org/?p=2035
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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