Presidente Trump: Diplomacia e democracia na América
por James Petras
Decorrido o primeiro mês da administração do presidente
Trump estamos em melhores condições para avaliar as
políticas e a direcção do novo presidente. Um exame da
política externa e interna, particularmente de uma perspectiva
histórica e comparativa, proporcionará antevisões sobre se
a América está a avançar para uma catástrofe como
afirmam os mass media ou rumo a maior realismo e racionalidade.
Assim, examinaremos se Trump prefere a
diplomacia em relação à guerra.
Avaliaremos os esforços do presidente para reduzir a dívida
externa dos EUA e os seus fardos comerciais com a Europa e a Ásia.
Prosseguiremos com a discussão das suas políticas de
imigração e proteccionistas com o México. Finalmente,
abordaremos as perspectivas para a democracia nos Estados Unidos.
Política externa
As reuniões do presidente Trump efectuadas com os líderes do
Japão, Reino Unido e Canadá em grande medida foram um
êxito. A reunião Abe-Trump levou a laços
diplomáticos mais estreitos e a uma promessa de que o Japão
aumentaria seu investimento na indústria automobilística nos EUA.
Trump pode ter melhorado as relações ao reduzir os
desequilíbrios comerciais. Trump e Abe adoptaram uma
posição moderada sobre o teste de míssil da Coreia do
Norte no Mar do Japão, rejeitando uma nova acumulação
militar como exigido pelos media liberais-neocon.
A reunião EUA-Reino Unido, no período pós Brexit, prometeu
aumentar o comércio.
Trump propôs melhorar relações com a China, apoiando
claramente a política de "China única" e processos para
renegociar e reequilibrar relações comerciais.
Os EUA apoiaram a votação unânime do Conselho de
Segurança da ONU de condenação do lançamento do
míssil da Coreia do Norte. Trump não considerou que
constituísse uma ameaça militar ou aumentar o nível de
sanções adicionais.
A política de Trump de reconciliação com a Rússia a
fim de melhorar a guerra contra o terrorismo islâmico foi frustrada. A
caçadora de bruxas Elizabeth Warren da esquerda liberal, militares
neoconservadores e membros do Partido Democrata declararam a Rússia como
a ameaça primária à segurança nacional dos EUA!
O raivoso e incessante ataque dos mass media forçou a demissão do
Conselheiro de Segurança Nacional de Trump, o general na reserva Michael
Flynn, com base numa lei do século XVIII (o
Logan Act
)
que proibiu cidadãos privados de discutirem política com
líderes estrangeiros. Esta lei nunca fora aplicada. Se fosse imposta,
centenas de milhares de cidadãos americanos, especialmente pessoas
importantes entre os 51 presidentes das Principais Organizações
Judias Americanas, bem como editores de assuntos externos de todos os grandes e
pequenos media dos EUA, além de académicos especializados em
política externa, estariam na cadeia junto com traficantes de droga
condenados. Sem jamais se embaraçar com o absurdo ou com a
banalização da tragédia, esta recente "Tempestade num
copo de água" provocou apelos apaixonados por parte dos media e de
operacionais do Partido Democrata em favor de uma nova
Investigação estilo 11 de Setembro
quanto a conversas do general Flynn com os russos.
O revés de Trump quanto ao seu Conselheiro de Segurança Nacional
Flynn pôs em perigo as perspectivas de melhoria nos assuntos
externos, tornando-as menos belicosas.
Isto eleva o risco de uma confrontação nuclear e de
repressão interna. Estes perigos, incluindo um expurgo interno
anti-russo, estilo McCarthy, de políticos "realistas",
são da responsabilidade exclusiva dos ultra-militaristas do Partido
Democrata em aliança com os neoconservadores. Nada disto corrige os
graves problemas socio-económicos internos.
Reequilibrar o gasto externo e o comércio
O compromisso público de Trump acerca do reequilíbrio das
relações dos EUA com a NATO, nomeadamente pela
redução da fatia do financiamento estado-unidense, já
começou. Actualmente apenas cinco membros da NATO cumprem a
contribuição requerida. A insistência de Trump sobre a
Alemanha, Itália, Espanha, Canadá, França e 18 outros
membro para que cumpram seus compromissos acrescentaria mais de US$100 mil
milhões ao orçamento da NATO
reduzindo desequilíbrios externos dos EUA.
Claro está que seria muito melhor para todos se a NATO fosse
desmantelada e as várias nações redistribuíssem
estas muitas centenas de milhares de milhões de dólares para
gastos sociais e desenvolvimento económico interno.
Trump anunciou um grande esforço para reduzir desequilíbrios
comerciais dos EUA na Ásia. Ao contrário das
afirmações, feitas frequentemente por "peritos" em
comércio externo dos mass media, a China não é a
único, ou mesmo o maior, entre os "transgressores" que
exploram o comércio desequilibrado com os EUA.
O actual excedente comercial da China é de 5% do seu PIB, ao passo que o
da Coreia do Sul é de 8%, o de Formosa é de 15% e o de Singapura
é de 19%. O objectivo de Trump é reduzir os desequilíbrios
comerciais dos EUA para US$20 mil milhões com cada país ou 3% do
PIB. A quota de US$100 mil milhões de Trump posiciona-se em contraste
acentuado com o desequilíbrio comercial dos "Cinco
asiáticos" (Japão, China, Coreia do Sul, Formosa e
Singapura) de US$700 mil milhões em 2015, segundo o FMI.
Em suma, Trump está a mover-se para reduzir desequilíbrios
externos em 85% a fim de aumentar a produção interna e criar
empregos para indústrias com base nos EUA.
Trump e a América Latina
A política latino-americana de Trump está centrada primariamente
no México e num grau muito menor no resto do continente.
O maior movimento da Casa Branca foi por a pique a Parceria Comercial
Trans-Pacífico de Obama, a qual favorecia corporações
multinacionais que exploram a força de trabalho do Chile, Peru e
México, bem como atraía os regimes neoliberais na Argentina e no
Uruguai. Trump herda do presidente Obama numerosas bases militares na
Colômbia, Guantanamo, Cuba e Argentina. O Pentágono tem continuado
a "guerra fria" de Obama com a Venezuela acusando falsamente o
vice-presidente venezuelano de tráfico de droga.
Trump prometeu alterar a política comercial e de imigração
dos EUA com o México. Apesar da oposição generalizada da
política de imigração de Trump, ele está muito
aquém de Obama na expulsão maciça de imigrantes do
México e da América Central. O campeão da
deportação da América foi o presidente Barack Obama, o
qual em oito anos expulsou 2,2 milhões de imigrantes e membros das suas
famílias, ou aproximadamente 275 mil por mês. No seu primeiro
mês no gabinete, o presidente Trump deportou apenas um por cento da
média mensal de Obama.
O presidente Trump promete renegociar a NAFTA [Acordo de Livre Comércio
da América do Norte], impondo uma tarifa sobre importações
estimulando corporações multinacionais dos EUA a retornarem e
investirem na América.
Há numerosas vantagens ocultas para o México se responder
às políticas de Trump com as suas próprias medidas
económicas de "proteccionismo recíproco". Sob o NAFTA,
dois milhões de agricultores mexicanos foram à bancarrota e
milhares de milhões de dólares foram gastos a importar arroz,
milho (subsidiados) e outros produtos dos EUA. Uma política de
"Mexico First" poderia abrir a porta a um ressuscitar da agricultura
mexicana para consumo interno e exportação. Isto diminuiria a
migração para fora de trabalhadores agrícolas mexicanos. O
México poderia renacionalizar sua indústria petrolífera e
investir em refinarias internas ganhando milhares de milhões de
dólares e reduzindo importações de refinados de
petróleo dos EUA. Com uma política obrigatória de
substituição de importações, a manufactura local
poderia aumentar o mercado interno e o emprego. Aumentaria empregos na economia
formal e reduziria o número de jovens desempregados recrutados pelos
carteis da droga e outras gangs criminosas. Ao nacionalizar os bancos e
controlar os fluxos de capitais, o México poderia bloquear a
saída anual de cerca de US$50 mil milhões de fundos
ilícitos. Políticas nacionais-populares, via reciprocidade,
fortaleceriam a eleição de novos líderes que poderiam
começar a expurgar a corrupta liderança policial, militar e
política.
Em suma, se bem que as políticas de Trump possam causar algumas perdas a
curto prazo, elas podem levar a vantagens substanciais a médio e longo
prazo para o povo mexicano e a nação.
Democracia
A eleição do presidente Trump provocou uma virulenta campanha
autoritária que ameaça nossas liberdades democráticas.
A propaganda altamente coordenada e infindável de todos os media
principais e dos dois partidos políticos falsificou e distorceu
informações e encorajou representantes eleitos a condenar alguns
nomeados de Trump para a política externa, obrigando a demissões
e inversões de política. A demissão forçada do
Conselheiro de Segurança Nacional Michael Flynn esclarece a agenda
pró guerra do Partido Democrata contra a Rússia com armamento
nuclear. Senadores liberais que outrora fizeram grandes discursos contra a
"Wall Street" e os "Um por cento", agora pedem que Trump se
recuse a trabalhar com o presidente Putin da Rússia contra a
ameaça real do ISIS ao mesmo tempo que apoiam os neo-nazis na
Ucrânia. Figuras liberais pressionam abertamente pelo envio de mais
navios de guerra dos EUA para a Ásia para provocar a China, enquanto se
opõem à política de Trump de renegociar favoravelmente
acordos comerciais com Pequim.
Há muitos perigos e vantagens ocultos nesta guerra
político-partidária.
Trump revelou as mentiras e distorções sistemáticas dos
mass media, confirmando a desconfiança da maioria dos americanos para
com as notícias dos media corporativos. A opinião negativa dos
media, especialmente entre americanos no centro economicamente devastado do
país (aqueles descritos por Hillary Clinton como os
"deploráveis"
) é claramente acompanhada pelo profundo desprezo dos media por esta
enorme porção do eleitorado. Na verdade, a constante tagarelice
dos media acerca de como os maus "russos" hackearam as
eleições presidenciais dos EUA dando a vitória a Donald
Trump é, mais provavelmente, um "apito silencioso"
[1]
para mascarar sua relutância em denunciar abertamente o "brancos
pobres" incluindo trabalhadores e rurais americanos que
votaram esmagadoramente por Trump. Esta classe e elementos regionais explicam
em grande medida a constante histeria acerca da vitória de Trump.
Há fúria generalizada entre as elites, intelectuais e burocratas
sobre o facto de que a grande
cesta de deploráveis
de Clinton rejeitou o sistema e rejeitou seus porta-vozes penteadinhos e
manicurados dos media.
Pela primeira vez há um debate político sobre liberdade de
expressão aos mais altos níveis do governo. O mesmo debate
estende-se ao novo desafio do presidente em relação ao enorme e
não controlado aparelho das polícias estatais (FBI, NSA, CIA,
Homeland Security, etc), o qual se expandiu maciçamente sob o governo de
Barack Obama.
As políticas comerciais e de alianças de Trump despertaram o
Congresso dos EUA para debates sobre questões substantivas ao
invés de quezílias procedimentais internas. Mesmo as
políticas retóricas de Trump provocaram
manifestações de massa, algumas das quais são de boa
fé, ao passo que outras são financiadas pelos apoiantes
bilionários do Partido Democrata e da sua agenda expansionista
neoliberal, como o "Papai do céu das revoluções
coloridas", George Soros. É uma questão grave se isto pode
proporcionar uma abertura para genuínos movimentos de base
democrático-socialistas organizarem e aproveitarem o fosso entre a elite.
As falsas acusações de comunicação
"traiçoeira" com o embaixador russo feitas ao Conselheiro de
Segurança Nacional de Trump, Michael Flynn, enquanto ainda civil, e o
recurso ao Logan Act contra civis a discutirem política externa com
governos estrangeiros, abre a possibilidade de investigar legisladores, como
Charles Schumer e várias centenas de outros, por discutirem
posições de política estratégica com
responsáveis israelenses...
Ganhe ou perca, a administração Trump abriu um debate sobre as
possibilidades de paz com uma super-potência nuclear, um reexame do
enorme défice comercial e a necessidade de defender a democracia contra
ameaças autoritárias da assim chamada
"comunidade de inteligência"
contra um presidente eleito.
Trump e a luta de classe
A agenda sócio-económica de Trump já pôs em
movimento poderosas correntes subterrâneas de conflito de classe. A
classe média e política tem-se centrado sobre conflitos relativos
a imigração, questões de género e
relações com a Rússia, NATO e Israel bem como
política intra-partidária. Estes conflitos obscurecem
antagonismos de classe mais profundos, os quais resultam de propostas
económicas radicais de Trump.
A proposta do presidente Trump de reduzir o poder das agências federais
regulatórias e de investigação, simplificar e reduzir
impostos, restringir gastos com a NATO, renegociar ou sucatear acordos
multilaterais e cortar orçamentos para investigação,
saúde e educação ameaçam seriamente o emprego de
milhões de trabalhadores e responsáveis do sector público
por todo o país. Muitas das centenas de milhares dos que protestam em
comícios de mulheres e manifestações pela
imigração e educação são funcionários
públicos e membros das suas famílias que estão sob
ameaça económica. Aquilo que superficialmente parece serem
protestos sobre questões culturais específicas, de identidade ou
de direitos humanos, são manifestações de uma luta mais
profunda e mais extensa entre empregados do sector público e a agenda de
privatizar
o estado, a qual retira seu apoio de classe de pessoas de pequenos
negócios atraídas por impostos mais baixos e menos sobrecargas
regulatórias, bem como responsáveis de escolas privadas com
financiamento governamental
("charter school")
e administradores de hospitais.
As medidas proteccionistas de Trump, incluindo subsídios à
exportação, contrapõem as indústrias
manufactureiras internas aos importadores multi-bilionários de bens de
consumo baratos.
As propostas de Trump para a desregulamentação do
petróleo, gás, madeira, mais exportações
agro-minerais e grandes investimentos em infraestrutura são apoiadas
não só pelos patrões como
também
pelos trabalhadores destes sectores. Isto provocou um conflito agudo com
ambientalistas, trabalhadores e produtores com base na comunidade, povos
indígenas e seus apoiantes.
O esforço inicial de Trump para mobilizar forças de classe
internas opostas à contínua drenagem orçamental para a
guerra além-mar e em apoio da construção do império
com base em relações de mercado foi derrotado pelos
esforços combinados do complexo militar-industrial, do aparelho de
inteligência e dos seus apoiantes numa coligação
neoconservadora-militarista com a elite política e seus apoiantes de
massa.
A evolução da luta de classe aprofundou-se e ameaça
dilacerar a ordem constitucional em duas direcções: O conflito
pode levar a uma crise institucional e forçar a saída de um
presidente eleito e a instalação de um regime híbrido, o
qual preservará os programas mais reaccionários de ambos os lados
do conflito de classe. Importadores, investidores e trabalhadores em
indústrias extractivas, apoiantes da educação e cuidados
de saúde privatizados, belicistas e membros do politizado aparelho de
segurança podem tomar o controle total do estado.
Por outro lado, se a luta de classe puder mobilizar os trabalhadores do sector
público, os do sector comercial, os desempregados, os democratas
anti-guerra e empresários de TI progressistas e empregadores dependentes
de imigrantes qualificados, bem como cientistas e ambientalistas num movimento
maciço disposto a apoiar um salário digno e a unificar-se em
torno de interesses de classe comuns, torna-se possível uma profunda
mudança sistémica. No médio prazo, a
unificação destes movimentos de classe pode levar a um regime
híbrido progressista.
19/Fevereiro/2017
[1] Apito silencioso
(dog whistle):
tipo de apito que emite som ultrasónico só captável por
alguns animais, como cães e gatos. Foi inventado por Francis Galton em
1876.
O original encontra-se em
www.globalresearch.ca/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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