Compreender a economia mundial:
Desequilíbrios globais e desigualdades internas
Causas, consequências e políticas económicas
adequadas
por James Petras
As profundas crises agora em curso nos principais países capitalistas,
especialmente os Estados Unidos, provocaram um debate sobre as causas,
consequências e políticas apropriadas para saná-las.
O debate tem revelado uma divisão profunda sobre as causas e curas, com
políticos, colunistas e economistas anglo-franco-americanos (AFA) por um
lado e os seus congéneres asiáticos-alemães (AA) por
outro. Em termos gerais os porta-vozes dos AFA atribuem a culpa das crises a
factores
externos
ou, mais especificamente, apontam o dedo aos excedentes comerciais positivos,
sectores exportadores dinâmicos e altas taxas de investimento nos
sectores produtivos e aos baixos níveis de consumo nos países AA
como a
causa
dos "desequilíbrios" na economia mundial
[1]
.
Em contraste, os países AA rejeitam a argumentação
referente a práticas externas prejudiciais. Enfatizam eles os
"desequilíbrios"
internos
dentro dos países AFA, os quais enfraqueceram a sua
posição internacional, comercial e financeira.
Neste documento vou argumentar que tanto as políticas económicas
internas como as estratégias externas de construção de
império dos países AFA tem sido a força condutora dos
desequilíbrios globais. As diferenças estruturais entre as duas
regiões e as diferenças na estrutura de classe e
configurações económicas em cada bloco excluem qualquer
solução fácil ou imediata. No futuro previsível, ao
contrário, o conflito entre potências exportadoras emergentes
dinâmicas e o bloco ocidental em declínio é provável
que se intensifique, levando a maiores conflitos comerciais e possíveis
confrontações militares.
As acusações dos AFA contra os "desequilíbrios"
comerciais da China
combinam
o comércio com o ocidente e as relações de Pequim com o
resto do mundo. A China tem
comércio equilibrado
e mesmo défices comerciais com países asiáticos,
africanos, do Médio Oriente e latino-americanos. Além disso, os
países AFA têm desequilíbrios comerciais com outras
regiões incluindo o Médio Oriente e a Alemanha. Mesmo se os
países AFA reduzissem importações da China, é mais
provável que outros países asiáticos os
substituíssem, incluindo o Vietname, Coreia do Sul, Formosa, Bangladesh
e Índia. Os défices comerciais resultantes dos AFA permaneceriam
aproximadamente os mesmos.
Os países AFA culpam a divisa "subavaliada" da China e afirmam
que as autoridades de Pequim manipulam a taxa de câmbio a fim de
depreciar o preço das exportações e vencer competidores
(nomeadamente produtores no interior dos AFA). Mas a divisa da China foi
reapreciada firmemente em mais de 20% nos últimos cinco anos e os AFA
ainda incorrem num défice, o que sugere que os seus produtores
internos
ainda não foram capazes de competir com os fabricantes chineses
[2]
. Mais recentemente, escritos dos AFA tem-se queixado acerca das
baixas taxas de juro
aplicadas pelo governo chinês como um "subsídio" aos
seus exportadores. Contudo, as taxas de juro do juro dos AFA estão em
zero por cento ou são mesmo negativas, mas em vão. Além
disso, os AFA proporcionaram mais de 1,5 milhão de milhões
(trillion)
em fundos de
salvamento
e mais de 1,3 mil milhões em despesas de estímulo um
subsídio cinco vezes maior do que o pacote de estímulos da China,
sem melhoria das suas balanças comerciais. O que é
impressionante, dadas as
distribuições sectoriais
dos pacotes de estímulo de salvamento-subsídio de cada regime,
é que a China recuperou-se plenamente e cresce a 8% em 2009, ao passo
que os AFA continuam a chafurdar em território negativo e continuam a
incorrer em défices comerciais. Isto aponta para a centralidade de
factores internos
, nomeadamente os sectores económicos que recebem os subsídios do
estado, como eles o investem e consequentemente como as suas decisões
afectam as balanças comerciais.
Os AFA acusam o baixo custo de trabalho da China, a sua
exploração de trabalhadores, dizendo que isso explica os
desequilíbrios comerciais. Mas uma
percentagem crescente
de exportações da China é baseada em avanços
tecnológicos, não em trabalho barato. Isto acontece porque
competidores com baixo custo de trabalho estão a emergir na Ásia.
Os AFA queixam-se de que a China super enfatiza a sua estratégia de
"exportação" a expensas da produção para
o mercado interno. Mas aproximadamente metade das exportações da
China para os EUA é fabricada por multinacionais de propriedade
estado-unidense que investiram, subcontrataram e co-produziram com parceiros
chineses. Por outras palavras, a política
interna
dos EUA, a desregulamentação de fluxos de capital, facilitou o
movimento de saída dos fabricantes dos EUA resultando num
declínio da produção local, um aumento em
importações e maiores défices comerciais.
Causas internas dos défices comerciais (e da economia mundial
desequilibrada)
A mais óbvia e gritante correlação com o crescimento dos
desequilíbrios comerciais dos AFA é o crescimento e a
dominância do sector financeiro
[3]
. A financiarização das economias AFA e o papel dominante dos
presidentes executivos da Wall Street nas posições
económicas estratégicas do estado é transparente para a
massa do povo e foi mesmo reconhecida pela maior parte dos economistas e
académicos privados. Os défices comerciais aumentaram na
proporção directa do crescimento do poder político e
económico do sector financeiro. Em grande parte, isto foi devido
à transferência de capital da manufactura para os serviços
financeiros, levando ao declínio dos investimentos do sector
manufactureiro em estratégias de inovação e
administração competitiva. Os altos salários, bónus
e retornos rápidos atraíram a maior parte dos pretensos
"melhores e mais brilhantes". As licenciaturas MBA [Master in
Business Administration] multiplicaram-se ao passo que as licenciaturas em
escolas de
engineering
avançadas diminuíram. Programas de treino avançado para
trabalhadores qualificados desapareceram ao passo que o recrutamento de baixa
qualificação para vendas a retalho cresceu.
O problema era que os serviços financeiros não podiam substituir
os rendimentos de além-mar, os quais antigamente se acumulavam para o
país através das vendas de manufacturas. Muito menos nos mercados
financeiros altamente regulados da China, Japão, Índia e o resto
da Ásia, onde a banca estava
subordinada
à expansão da manufactura nomeadamente o financiamento de
indústrias visadas por responsáveis do estado. A dominância
do capital financeiro e dos sectores relacionados do imobiliário e dos
seguros levou a uma estrutura de classe altamente polarizada: nela, banqueiros
de investimento bilionários presidiram no topo e um exército de
trabalhadores de serviços mal pagos (empregados do retalho, pessoal de
limpeza, etc) imigrantes e não sindicalizados a ocuparem a base.
Actualmente, as desigualdades de rendimento nos EUA excederam as de qualquer
outro país capitalista "avançado". As desigualdades em
Manhattan excederam as da Guatemala. A concentração crescente de
riqueza foi acompanhada pelo declínio de salários medianos ao
logo das últimas três décadas. Em consequência, o
poder de compra
dos trabalhadores dos EUA está a declinar, reduzindo portanto a procura
por bens de qualidade produzidos localmente. Resulta na compra de
importações baratas de têxteis, sapatos e outros
acessórios. O resultado foi um declínio na poupança local
e no investimento interno em manufactura levando a um declínio na
competitividade. Além disso, a competição entre
prestamistas financeiros promoveu gastos
do consumidor
e maior endividamento individual num tempo em que as exportações
manufactureiras
estavam a declinar por falta de investimentos.
A maior parte das firmas manufactureiras transformou-se em
corporações financeiras, canalizando fundos de investimento para
sectores que não ganham divisas externas. O pior de tudo: na busca de
lucros mais altos, os industriais manufactureiros transformaram-se em
vendedores comerciais
, encerrando fábricas, subcontratando produção na China e
outros países asiáticos e
importando
produtos finais para dentro dos EUA criando os
desequilíbrios comerciais
. A relocalização em grande escala de multinacionais dos EUA no
exterior exacerbou mais uma vez os desequilíbrios comerciais.
O papel chave do estado na criação de desequilíbrios
internos
que levam ao desequilíbrio global é um resultado da tomada do
estado pelo sector financeiro e da desregulamentação de mercados
financeiros. O resultado foi a promoção a longo prazo de uma
política económica na qual o banco central (o Federal Reserve) e
o Tesouro encorajaram o crescimento dos sectores das finanças,
imobiliário e seguros em relação ao manufactureiro. A
estratégia baseada nas finanças era justificada por um grande
exército de académicos e publicitários que falavam de uma
economia "pós industrial", ou "de serviços"
ou "da informação" como uma "etapa mais
alta", ao invés de uma economia perversamente desequilibrada,
insustentável e injusta.
A supremacia financeira coincidiu com a crescente militarização
da política estrangeira dos EUA. Ao longo dos últimos trinta
anos, a expansão económica dos EUA além-mar foi
gradualmente eclipsada pela crescente dependência da
intervenção militar e pela instalação de bases
militares em centenas de sítios. Como a financiarização
enfraqueceu a capacidade produtiva dos exportadores de manufacturas dos EUA e
os seus esforços para capturar mercados, os decisores políticos
estado-unidenses aumentaram a sua confiança na supremacia do poder
militar. A canalização de milhares de milhões para gastos
militares drenou recursos de esforços para aumentar a competitividade da
indústria civil dos EUA e foi um factor importante no declínio da
sua fatia dos mercados de exportação. O resultado final da
militarização foi uma perda de rendimentos de
exportação e o crescimento de défices comerciais.
Se combinarmos os três grandes desequilíbrios internos na economia
dos AFA, mas especialmente nos EUA, a financiarização da
economia, a militarização da política externa e a
concentração de riqueza no topo, poderemos entender melhor porque
os EUA têm um défice comercial tão gigantesco e em
crescimento.
A estratégia da China orientada para a exportação
A ênfase da China numa estratégia
conduzida pela exportação
e as resultantes crescentes desigualdades de classe é em grande parte
um resultado da composição do estado e da sua estrutura social.
Por outras palavras, factores
internos
são a força condutora da sua busca de excedentes comerciais. O
que é irónico é que alguns dos críticos do AFA, que
correctamente apontam para os "desequilíbrios"
internos
na China,
fazem vista grossa
para problemas semelhantes no Ocidente. Nomeadamente, não fazem
qualquer menção à ausência de um plano nacional de
saúde nos EUA, ao crescimento de desigualdades e ao poder de compra a
declinar maciçamente mesmo quando apontam para estas
deficiências na China. O que os advogados ocidentais de maior bem-estar
social na China não discutem é o
poder, privilégio e lucros
da classe capitalista os quais retardam maior consumo em massa. Muito menos
discutem eles a força motora para elevar as condições de
vida da classe operária e do campesinato, nomeadamente a luta de classe.
Ao invés disso, confiam em apelos tecnocráticos às elites
chinesas para maiores gastos sociais.
O estado chinês evoluiu numa máquina poderosa para a
fabricação de bens e de bilionários. A China hoje tem o
mais alto crescimento, a mais alta taxa de exploração e as
maiores desigualdades de classe da Ásia. Aumentar salários para
estimular o consumo local significa reduzir lucros, anátema para todos
os capitalistas incluindo os chineses. Aumentar gastos públicos na
cobertura de saúde universal, especialmente para os 700 milhões
de camponeses e trabalhadores rurais sem seguro, significa impostos mais altos
sobre os ricos, incluindo as famílias e colegas da elite governante. Em
contraste, produzir para mercados de exportação não exige
aumentar o pode do consumidor interno, exige ao contrário reduzir
salários.
Uma mudança de estratégia conduzida pelo mercado externo para uma
de mercado interno exige não apenas uma "
mudança na política
" como uma
mudança profunda
no
poder de classe
, da actual classe capitalista e dos seus apoiantes do estado para os
trabalhadores e camponeses. Assumir compromissos a longo prazo e em grande
escala de rendimentos públicos para serviços sociais destinados
aos pobres rurais e a salários mais altos para trabalhadores explorados
exige mobilizações populares sustentadas, levantamentos, greves
para garantir aos sindicatos e associações camponesas
independentes
uma mudança de benefícios do estado para o consumo interno.
Os "desequilíbrios" da China são em grande medida
internos
, sociais e políticos. Um desequilíbrio de poder social entre um
estado capitalista todo-poderoso e uma massa de trabalhadores e camponeses
reprimida e indefesa; um desequilíbrio de rendimento entre banca,
imobiliário e elite manufactureira exportadora super-ricos e uma classe
operária com baixos pagamentos e um campesinato de subsistência;
um
desequilíbrio
entre um estado altamente
organizado
ligado por família, ideologia e interesses económicos à
classe capitalista e uma massa de povo trabalhador dispersa, fragmentada e
isolada.
A classe dominante da China seus investimentos externos de mil
milhões de dólares em empresas capitalistas ocidentais
através dos seus fundos de riqueza soberana, os seus investimentos de
mil milhões de dólares em empresas extractivas além-mar
é guiada pela massa de capital acumulado que é
extraída através de níveis intensos de
exploração do trabalho e da eliminação de
pensões, planos de saúde e educação financiados
pelo estado. O papel da China como uma potência imperial emergente
está enraizado no desequilíbrio entre poder global e
decadência do bem-estar social.
O facto de que no ocidente capitalista escritores, decisores políticos e
os seus seguidores no campo académico apontem para os mesmos
desequilíbrios sociais na China da sua classe operária interna
não deveria obscurecer um ponto básico. Os críticos da
Wall Street estão
a defender
a elite financeira AFA contra a
maior produtividade
dos industriais de exportação da China; enquanto os
críticos da classe operária interna estão a criticar os
capitalistas e o estado pelas suas
altas taxas de exploração
e de concentração da riqueza.
A chave para reduzir os desequilíbrios no comércio mundial
é reduzir as
desigualdades
sócio-económicas dentro de cada região. Os EUA exigem uma
mudança profunda de uma economia dominada pelas finanças para uma
economia manufactureira, em que as finanças, a alta tecnologia e a
educação superior sejam dirigidas para a criação de
uma economia produtiva competitiva baseada no trabalho qualificado. A
ligação no topo entre a Wall Street e o Pentágono deve ser
substituída por uma ligação a partir de baixo entre a
classe operária industrial, os trabalhadores mal pagos dos
serviços, os empregados do sector público e os profissionais.
A transformação estrutural da economia dos EUA é
necessária mas não suficiente. Se os esforços dos EUA para
perseguir um império orientado pelo poder militar persistirem, isto
desviará recursos para longe das prioridades económicas internas
e externas. Impérios conduzidos pelo poder militar alienam parceiros
comerciais, têm altos custos e baixos retornos, isolam investidores e
comerciantes de parceiros produtivos e são destrutivos de
instalações civis produtivas internas e além-mar.
Para os EUA, a saída dos desequilíbrios maciços é
empenhar-se em transformações estruturais internas em grande
escala e a longo prazo nomeadamente a desfinanciarização e
a desmilitarização. Mas as forças políticas e
económicas que se beneficiam da configuração actual
estão profundamente entrincheiradas, no controle de ambos os partidos
principais e dominam os mass media e as suas mensagens. Mas, apesar do seu
profundo poder institucional, elas sofrem vários viéses fatais.
Em primeiro lugar, elas criaram desequilíbrios globais
insustentáveis, os quais mais cedo ou mais tarde levarão a um
colapso do dólar e a bolhas financeiras renovadas, mais virulentas e
custosas. Em segundo lugar, o mercado livre, que é a principal escora
ideológica da elite do poder financeiro desregulamentado, está
totalmente desacreditado como se evidencia pelo número de um
único dígito de apoio e confiança na Wall Street. Em
terceiro, a construção do império conduzida pelo poder
militar tem feito o seu curso: após nove anos de guerra no
Afeganistão a vasta maioria do público dos EUA enviou uma
mensagem à elite política de ambos os partidos, a Casa Branca e o
Congresso, de que já é tempo de comutar do financiamento a
aventuras fracassadas além-mar para a resolução do
problema de 20% de subempregados e desempregados americanos (30
milhões), os 100 milhões ou 33% dos americanos sem nenhuma
cobertura de saúde ou com cobertura custosa e inadequada. Nenhuma
quantidade de textos dos media transformando a China em
saco de pancadas
dos nosso próprios "desequilíbrios" auto-induzidos
pode desviar a opinião pública americana das suas
experiências directas com os nossos próprios fracassos
políticos e desigualdades.
15/Outubro/2009
Notas
1- Martin Wolf "Why China must do more to rebalance its economy"
Financial Times,
September 23, 2009, p 11. Ver também
Financial Times
October 3, 4, 2009. p 3 e
Financial Times
September 21, 2009 p 9.
2-
Financial Times,
October 9, 2009 p 1.
3- Gerald Davis Managed by the Markets: How Finance Re-Shaped America (New
York: Oxford University Press 2009).
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