A ofensiva do Outono: EUA, França e Brasil
por James Petras
O Outono de 2017 testemunhará o mais brutal assalto aos padrões
de vida da classe trabalhadora e média desde o fim da II Guerra Mundial.
Três presidentes e seus aliados nos congressos irão
"rever" legislações trabalhistas, leis e regulamentos
fiscais progressistas sobre o rendimento e efectivamente acabarão com as
economias mistas em França, nos EUA e no Brasil.
Durante o Verão, a opinião pública foi desviada pelas
ameaças dos EUA de lançar novas guerras além-mar; pela
retórica da França acerca de um pacto Berlim-Paris pós
Brexit, o qual refará a União Europeia; e pela
corrupção e escândalos criminais de Michel Temer,
presidente do Brasil.
Estas controvérsias superficiais serão esmagadas por conflitos de
classe fundamentais, os quais prometem alterar relações
estruturais presentes e futuras dentro do capitalismo ocidental.
Ofensiva de Outono de Trump: Lucros, guerras e epidemias
O presidente Trump propõe enriquecer capitalistas e intensificar
desigualdades de classes através da sua transformação
radical do sistema fiscal. Impostos corporativos serão cortados pela
metade, impostos corporativos além-mar serão abolidos e
trabalhadores assalariados pagarão mais por menos benefícios
sociais.
Trump pode contar com o apoio da liderança republicana, dos
negócios e da elite da banca assim como de sectores do Partido Democrata
nos seus planos para implementar uma maciça dádiva fiscal para os
bilionários.
O gabinete de Trump, liderado pelo trio da Goldman Sachs e sua troika de
generais garantirá que o orçamento incluirá cortes de
fundos para a educação e saúde a fim de aumentar o gasto
militar, expandir guerras e cortar impostos para os ricos.
Mesmo ameaças mais agressivas contra a Coreia do Norte, Rússia,
Irão, Venezuela e China, maiores gastos com a guerra e com os
níveis de tropas no Afeganistão e a militarização
aberta do policiamento, controle de imigração e
inteligência interna resultarão e cortes drásticos nos
programas federais para os pobres e as classes trabalhadoras. O acesso
declinante na qualidade de cuidados de saúde para trabalhadores e a
deterioração nas condições de segurança no
lugar de trabalho alimentarão a epidemia de vício nos
opióides que levam centenas de milhares de mortes prematuras de
trabalhadores por overdoses, lesões e cuidados inadequados e
incompetentes.
Presidente Emmanuel Macron: A ofensiva capitalista em França
Em França, os trabalhadores e a classe média enfrentam o mais
abrangente ataque aos seus direitos de emprego e de legislação
social progressista da história moderna.
O presidente Emmanuel Macron declarou o seu objectivo de transferir
completamente o poder sócio-económico dos trabalhadores franceses
para o capital através da remoção de todas as leis e
protecções ao trabalho. Empregados terão de negociar com
os seus patrões, uma fábrica e um escritório de cada vez,
minando dessa forma o poder da negociação colectiva de uma classe
trabalhadora unida. O patronato será livre para contratar e despedir
trabalhadores sem virtualmente quaisquer restrições ou
consequências. Contratos "lixo" temporários e a curto
prazo proliferarão, destruindo a estabilidade do trabalhador a longo
prazo. Macron eliminará os empregos de mais de 100 mil empregados da
função pública enquanto corta impostos corporativos em
mais de 50 mil milhões de euros.
Em contraste com cortes fiscais maciços para a burguesia, Macron
propõe aumentar impostos sobre pensionistas franceses, afectando
milhões de reformados. Uma vez em vigor, a agenda legislativa de Macron
concentrará o poder, os lucros e a riqueza do capital enquanto aumenta
desigualdades e a polarização de classe. Respondendo aos
interesses económicos dos banqueiros, Macron promete reduzir o
défice para 3% do PIB através de cortes maciços na
saúde e educação.
Sob o pretexto de "reduzir o desemprego", Macron promoverá o
emprego em tempo parcial e temporário para a juventude francesa e
trabalhadores imigrantes, removendo de todos os trabalhadores franceses os seus
ganhos arduamente combatidos quanto à segurança de emprego e
direitos laborais. Macron justifica o seu assalto ao trabalho classificando os
trabalhadores como "preguiçosos".
Brasil: A grande liquidação
Michel Temer, o presidente não eleito do Brasil, planeia privatizar 57
empresas públicas as jóias da coroa da economia
brasileira. Isto equivalerá à maior captura capitalista de
activos em dois séculos!
Estão incluídos na liquidação: campos
petrolíferos, linhas de transporte de energia, rodovias, aeroportos,
assim como a cunhagem da moeda e a lotaria. A Eletrobrás, o maior
produtor de electricidade da América Latina, está
disponível para qualquer um. Além disso, Temer planeia aumentar
taxas de juro cobradas pelo banco de desenvolvimento de propriedade estatal,
BNDES, para aumentar a fatia dos banqueiros privados na concessão de
empréstimos e nos lucros.
Esta captura nua de empresas estatais lucrativas por investidores internos e
estrangeiros levará à perda de centenas de milhares de empregos e
à redução de salários e pagamentos de
pensões. Temer começou a cortar o passivo em pensões do
estado através do aumentou da idade de aposentação em
vários anos. Salários e benefícios sociais foram
congelados no futuro previsível. Decretos presidenciais, os quais ditam
os termos de contratos de trabalho, ameaçam a negociação
colectiva.
A ofensiva capitalista: Resultados e perspectivas
Estes presidentes declararam sua intenção de lançar a
"guerra de classe a partir de cima" em plena escala cujas
consequências estão para ser vistas. Os presidentes, os quais
dominam por decreto, estão a pisar terreno frágil. Cada um deles
está a enfrentar grandes desafios políticos, económicos e
sociais.
Todos os três presidentes perderam apoio público desde a tomada de
posse, especialmente entre seus eleitores de classe média baixa e da
classe trabalhadora.
A aprovação de Macron caiu de 65% para 40%; a de Trump de 49%
para 35% e a de Temer (que não foi eleito) mal retém 5% (e em
queda) de aprovação pública.
Brasil: Enfrentando o abismo
Apesar das incertezas sobre a estabilidade do regime e o futuro, investidores
estrangeiros e a imprensa financeira apoia Temer.
O isolamento de Temer em relação ao público votante do
Brasil enfraqueceu o seu poder no Congresso e entre a elite bancária
interna e entre as corporações petrolíferas e de energia.
Contudo, se o apelo de sindicatos a greves militantes generalizadas de
trabalhadores manufactureiros, empregados públicos e do movimento de
trabalhadores sem terra (MST) for eficaz e paralisar a economia, Temer pode ser
forçado a renunciar antes de o seu programa ser implementado. Enquanto
isso, o presidente Temer enfrenta numerosas investigações
judiciais por corrupção.
Estrategicamente, Temer pode contar com apoio internacional, especialmente do
Departamento de Estado dos EUA, do Tesouro, do Pentágono e da
União Europeia. Os regimes neoliberais na Argentina, Uruguai, Chile,
Paraguai, Peru, Colômbia e México exprimiram forte apoio a Temer,
especialmente porque eles também receberam subornos dos mesmos oligarcas
corporativos brasileiros! Sob Temer, a economia brasileira declinou em mais 5%
desde a sua tomada de posse num golpe de estado legislativo. Seu défice
orçamental excede os 9% e o desemprego duplicou para mais de 11%.
Apesar do apoio da elite estrangeira e interna, a presidência Temer
não sobreviverá. Sob a pressão de massa e
eleições a aproximarem-se, o Congresso do Brasil pode decidir
permitir os tribunais de processarem Temer e bloquear a sua proposta de
liquidação de activos públicos.
Agências de classificação de crédito estão em
vias de degradar a economia do Brasil para o status de "lixo",
reduzindo novos investimentos. Com novas eleições no horizonte em
2018, é claro que Temer nem mesmo se candidatará à
presidência e suas propostas de privatizar a principais empresas do
Brasil podem não ter êxito. A recessão económica
reduziu drasticamente receitas fiscais e a possibilidade de receber qualquer
impulso significativo com a privatização é dúbia.
Mesmo a medida regressiva inicial de Temer o corte de pensões
públicas atolou-se em lutas burocráticas. Entretanto, a
oposição à ofensiva capitalista de Temer tem ainda de
encontrar uma pancada decisiva e organizada.
A oposição no Congresso, liderada pelo partido de centro-esquerda
PT, é uma minoria com muitos dos seus líderes a enfrentarem seus
próprios julgamentos por corrupção. O PT é incapaz
de bloquear, muito menos de expulsar, Temer. A oposição de
direita no Congresso está dividida entre aqueles que apoiam Temer
com base no clientelismo e aqueles que querem substituir Temer e ao
mesmo tempo prosseguir com a sua agenda anti-trabalho. Os sindicatos, liderados
pela CUT, têm efectuado protestos esporádicos e feito gestos
retóricos, ao passo que o MST (os trabalhadores sem terra) e movimentos
ecológicos e de sem abrigo associados, aos quais falta apoio militante
de massa urbana, seriam incapazes de derrubar Temer.
O ex-presidente Lula da Silva recuperou algum grau de apoio em massa de
eleitores mas enfrenta acusações de corrupção, as
quais podem proibi-lo de exercer cargos políticos a menos que
haja uma grande mobilização de massa.
Em suma, a ofensiva pró capitalista da direita no Brasil é
abrangente oferecendo activos públicos e lucros privados
mas fraca em apoio institucional e de fundamentos económicos.
Um grande impulso da esquerda poderia minar a base política para a
equipe económica de Temer, entretanto não está claro qual
partido ou líderes o substituiriam.
França: Bonaparte no palácio, trabalhadores nas ruas
Quando o presidente Emmanuel Macron foi eleito presidente da Quinta
República ele trouxe consigo uma base eleitoral de massa bem como o
apoio das principais organizações de negócios e da banca
francesa. Contudo, nas vésperas do lançamento da sua ofensiva
capitalista a base de massa evaporou-se. A desaprovação eleitoral
está a ascender rapidamente. A ala militante dos sindicatos (CGT)
prepara-se para lançar uma greve geral. Sua agenda fiscal regressiva
alienou vastos sectores da pequena burguesia, especialmente empregados do
sector público.
A concentração do poder executivo de Macron (seu complexo
bonapartista) voltou seus aliados de direita contra ele.
O resultado da ofensiva de Macron é incerto.
Em primeiro lugar, Macron desfruta de maioria no Congresso francês. A
economia está em crescimento e investidores estão exuberantes.
Grupos de pequenos negócios com consciência fiscal estão
felizes. O trabalho está dividido com os colaboracionistas de classe da
CFDT e FO a recusarem-se a aderir à oposição sindical.
A União Europeia está unida, até certo ponto, no seu apoio
a Macron. Igualmente importante, Macron está determinado a esmagar
protestos de rua e greves esporádicas parciais com apelos
demagógicos através dos mass media corporativos, com
coerção e repressão sem rodeios por parte do estado.
Os partidos de oposição política, liderados pelos
socialistas de esquerda e pelos nacionalistas, estão divididos. O
Partido Socialista mal existe. Pensionistas e estudantes opõem-se a
Macron, mas não foram às ruas. Poucos entre a classe profissional
e a academia liberal mantém quaisquer ilusões acerca do
"novo presidente centrista" mas não estão desejosos de
confrontar activamente o novo Bonaparte.
Macron moldou uma formidável aliança entre o aparelho de estado e
a classe dominante dos negócios para esmagar a oposição
dos trabalhadores. Mas a oposição popular está a crescer e
está furiosa quanto à agenda e insultos. "Eles
(trabalhadores franceses) já tiveram quanto baste..." Para derrotar
Macron, devem unir a oposição e construir uma estratégia
de guerra de classe prolongada.
Macron não cederá diante de greves transitórias. Se a
ofensiva capitalista de Macron tiver êxito, haverá enormes
implicações para a classe trabalhadora francesa, especialmente os
direitos de trabalhadores e empregados assalariados para organizar e lutar. Uma
vitória em favor de Macron minará profundamente a estrutura e a
militância de organizações populares, agora e no futuro.
Além disso, uma derrota dos trabalhadores franceses repercutirá
através da UE e além dela. Inversamente, uma vitória do
trabalho poderia disparar lutas de massa por toda a Europa.
Os Estados Unidos
Uma oposição poderosa poderia confrontar a ofensiva capitalista
do presidente Trump, mas não será liderada pelos sindicatos
altamente burocratizados que representam menos de 8% da força de
trabalho do sector privado. Os inimigos de Trump entre a elite dos Partidos
Democrata e Republicano etiquetaram os apoiantes de Trump da "classe
trabalhadora" como "adeptos da supremacia branca e neo-nazis".
As preocupações dos trabalhadores americanos foram banalizadas e
marginalizadas pela política divisionista da "identidade",
tão descaradamente utilizada por ambos os partidos. A ofensiva
capitalista de Trump a favor de cortes fiscais regressivos pró
corporativos e do estripamento do bem estar social (saúde,
educação, habitação, ambiente e segurança do
trabalhador) não conseguiu provocar oposição social
sustentada e unificada. Nos EUA, as elites pró negócios dominam e
ditam as agendas tanto do regime Trump em vigor como das "forças de
oposição da elite".
A "oposição anti-Trump oficial", a qual
auto-denomina-se como uma "resistência", promove interesses
"identitários" ligados à representação da
elite política. Ela trabalha arduamente para minar qualquer
possibilidade de unidade da classe trabalhadora com base em interesses
sócio-económicos comuns ao centrar-se em questões
marginais e divisivas. Em meio à pobreza em massa, declínio da
expectativa de vida e de uma epidemia de suicídios e mortes por overdose
de drogas, as forças de "resistência" da
oposição de elite concentram-se em conspirações
estrangeiras fabricada ("Russia-gate") e em questões de estilo
de vida (transgéneros nas Forças Especiais dos EUA) para o
derrube do regime Trump. Elas não têm intenção de
forjar quaisquer alianças de classe que possam ameaçar a agenda
capitalista regressiva de Trump.
A luta nos EUA neste Outono não será entre trabalho e capital.
Ela porá em destaque a contradição entre o que resta da
agenda proteccionista dos negócios de Trump e as políticas
neoliberais de livre comércio dos democratas. A ofensiva capitalista
contra o trabalho nos EUA já foi determinada por defeito. Os sindicatos
oficiais estado-unidenses são actores marginais e inconsequentes,
incapazes e não desejosos de politizar, educar e mobilizar os
trabalhadores.
A ofensiva capitalista de Trump apela a investidores e promove o mercado de
acções. A maior parte da sua equipe económica está
ligada a banqueiros da Wall Street contra os assim chamados nacionalistas
económicos. A retórica descuidada e chauvinista de Trump para o
populacho é abertamente desprezada pelos plutocratas dentro do seu
próprio gabinete, os quais se queixam de terem sido criticados por
"fascistas e anti-semitas" (referindo-se à base eleitoral
deplorável e irada de Trump).
Os Estados Unidos são o único país no mundo industrial a
lançarem uma ofensiva maciça e sustentada sem uma
oposição anti-capitalista. A classe trabalhadora americana
é abertamente "deplorada" pelos principais elementos da
oposição de elite e descaradamente manipulada pelo seu falso
"campeão", Trump.
As consequências estão pré-determinadas. A ofensiva
capitalista não pode perder; ambos os lados capitalistas
"vencem". Sob o presidente-homem de negócios Trump, as
corporações multinacionais garantirão impostos mais baixos
e degradarão padrões de vida da classe trabalhadora e
benefícios sociais. Acordos bi-partidários assegurarão que
os bancos sejam completamente desregulamentados. A oposição de
elite anti-Trump assegurará que os "seus" capitalistas
obtêm acordos comerciais neoliberais favoráveis, garantindo o seu
acesso ao trabalho imigrante barato e a uma força de trabalho não
sindicalizada a que é negada segurança no lugar de trabalho e
regulamentações ambientais.
Enquanto a França e o Brasil enfrentam guerra de classe real, os
"sem classe" dos EUA rumam desengonçadamente para a guerra
nuclear. Macron confronta sindicatos militantes, Temer enfrenta a fúria
de vastas alianças sociais e Donald Trump marcha atrás dos
"seus generais" para a conflagração nuclear. Ele invade
propriedades diplomáticas russas, aponta armas nucleares a Moscovo e
Pequim, efectua maciços exercícios ofensivos, estaciona
mísseis THAAD na fronteira da Coreia do Norte e escala forças
operacionais de terra e ar numa guerra perdida de 16 anos no Afeganistão.
Trabalhadores na Europa e América Latina optam por combater capitalistas
em defesa dos seus interesses de classe, aos passo que trabalhadores dos
EUA tornaram-se espectadores
passivos diante da possibilidade que avança de guerra nuclear, quando
não estão num estupor induzido por receitas de opióides.
Derrotando a ofensiva capitalista em França e no Brasil pode
avançar a causa da justiça social e assegurar benefícios
concretos para os trabalhadores e as massas populares; mas a ofensiva
capitalista e militar de Trump enviará nuvens de cinzas nucleares
por todo o mundo.
14/Setembro/2017
O mais recente livro de James Petras:
The End of the Republic and the Delusion of Empire
O original encontra-se em
axisoflogic.com/artman/publish/Article_77404.shtml
© Copyright 2017 by AxisofLogic.com
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|