Fantasmas do passado visitam arrependidos da esquerda

por James Petras [*]

Obra de Maurice Denis, 1870-1943. Clique para ampliar.
PRIMEIRO ACTO, Cena 1
Os cemitérios do mundo estão cheios de fantasmas reunidos e a discutirem; fantasmas envolvidos em lençóis vermelhos, fantasmas em negro e vermelho; alguns com feridas abertas, outros sem pernas, alguns decapitados e cegos. Alguns vieram de lugares esquecidos, outros saíram de baixo de lápides monumentais. Alguns falam alto e claro, outros praguejam sem fôlego – mas todos eles estão cheios de uma irada indignação.

Desde o mais próximo até o mais distante, todos declaram:

Todos:
Vingança!
Daqueles que traíram a nossa confiança, o nosso combate, o nosso sacrifício,
mesmo quando ousam enaltecer ou falar
em nosso nome e da nossa morte.

Lançamos uma maldição a todos os da vossa espécie,
Visita-los-emos
e ouvirão nossas vozes
ampliadas por milhões
e em muitas linguagens
será transportada
a nossa mensagem:

Traidores, não pisem nossas sepulturas

Para que não percam vossos tesouros

E ainda mais
a vossa aliança ímpia com todos aqueles
cujo poder tiraniza o nosso povo
E escarnece do nosso sacrifício.

Assim falava a assembleia dos fantasmas do passado
Dirigindo-se aos senhores do presente,
antigos camaradas
que tomaram os bastões
dos seus antigos inimigos.

Eles viajaram muito e por toda a parte
para a América Central e do Sul,
para o Médio Oriente,
Ásia, Europa e
América do Norte.

Nem cor nem género
são esquecidos,
ou perdoados.

Todos aqueles que desertam
da sua classe devem ser visitados…

ACTO 1, Cena 2
(Meio dia em Manágua no Palácio Presidencial, os fantasmas do passado fitam o Presidente ex-guerrilheiro).

Fantasma:
Sabeis o que vos custou tornar-se Presidente?

Presidente: O que é isso para vós,
que estais mortos,
no passado,
esquecido?

Os tempos mudaram.

O tempo move-se em frente…

Fantasma: Basta de clichés –
a campanha eleitoral acabou.

Quero uma responsabilização.

Lembrar-vos-ei todos os dias
de todas as maneiras.

Presidente: Não mantenho livros de registo
…Talvez os milhões
dos banqueiros, empresários
toda essa gente retrógrada
tem de ser 'progressista'
para financiar-me.

Fantasma: (risada prolongada e alta, seguida por um olhar frio e severo)
Já é tudo conhecido, os vossos novos aliados:

o Arcebispo, que abençoou os mercenários,
os banqueiros, que lhes compraram as armas,
os que assassinaram nossas professoras,
os empresários, que fecharam as fábricas
e levaram o dinheiro para a Florida.

Estou a falar dos vossos antigos camaradas,
que combateram e morreram,
cujo sangue e coragem
libertaram o país da tirania:
cinquenta mil dos melhores e mais dignos,
sob a terra,
a alimentar os vermes…

Presidente: Nós tentámos o caminho revolucionário.

Não funcionou.

Os tempos mudaram,
temos de tentar
um novo caminho.

Tivemos êxito,
a prova é que hoje sou Presidente!

Fantasma: Vós, no palácio do tirano,
com vossos comandantes milionários e parceiros no crime
amantes incestuosos,
todos criminosos e trapaceiros!

Quem se encolhe e rasteja
Diante do imperador
nós ousamos desafiar.

Presidente: (a gritar) Ousais repetir
as mentiras ultrajantes, aqueles obscenas estórias de amor proibido
a mim, o Presidente eleito?

Sois um miserável fantasma! (Retira um revolver da gaveta e dispara em torno, no ar vazio)

Fantasma: Não nos importamos com os vossos gestos vazios,
Com a vossa fingida indignação.

Enfrentai a realidade:
Não podeis matar o passado,
ele vive nas ruas e nas barracas,
os heróis que tropegam sobre próteses,
os combatentes que vendem bugigangas na rua,
os mais arrojados a fugirem para outras terras,
e outros ainda
a iniciarem-se no tráfico de drogas e no contrabando,
a guardar as mansões dos antigos inimigos –
latifundiários, banqueiros, a escória do velho.

Presidente: Fantasma, guerrilha, camarada ou inimigo.

Deveis saber
que esta catástrofe não foi escolhida por mim.

Foi o Império
que nos deixou assim.

Fantasma: Nada de discurso duplo, Señor Presidente.

Pois enquanto falais aqui do imperador criminoso,
lá fora ajoelhai-vos diante dele:
Austeridade para os pobres e incentivos para os ricos.

Vós abris a porta e com uma profunda vénia, com a vossa testa a tocar o chão,
Dizeis, 'Benvindos saqueadores, pilhem à vossa vontade”…
e deixai-me corromper os que o aceitam
e reprimir os pobres'.

Presidente: (levanta-se e caminha em direcção à porta) Não tenho má consciência.

Nunca lamento o combate e o esquecimento:
Fiz novos amigos e abandonei os velhos.

Por isso sou agora El Presidente!

Fantasma: Deixar-vos-ei por hoje.

Mas voltarei todos os dias. Quando falardes,
Ligarei vossa língua.

Quando passeardes,
Estorvarei vosso caminho.

Quando abraçardes o Arcebispo,
Erguerei um feto sangrento à vossa vista,
Produto da vossa odiosa legislação.

Vós dominareis a partir do palácio,
mas as ruas permanecerão nosso domínio.

ACTO 1, Cena 3
(Gabinetes do Senado de um Estado Sul Americano)

Um fantasma paira sobre um senador a conversar com um general

Senador:
O melhor é esquecer o passado,
ambos acreditámos sinceramente
Nas nossas causas,
nossas guerrilhas combateram e perderam,
mas agora somos aliados na democracia.

General: Estou ansioso pela vossa colaboração
em nome de Deus, da Família e da Nação.

Podeis começar por golpear nosso inimigo comum –
aqueles que estimulariam o rancor do passado,
trazendo à luz contos de morte na tortura.
Passado distante…
e mais vale esquecido.

Senador: Falei certa vez e tornarei a falar.
esquecer o passado,
a vingança não fala à justiça
e sim ao caso,
famílias vingativas não percebem
que não podemos levantar os mortos.

Fantasma: Nós nos levantámos,
Senador da Perversão.

Meu antigo Comandante que me enviou ao combate
numa missão sem esperança,
capturado,
passei dias e noites nas torturas,
para salvar vossa pele…

Senador: (agressivamente farisaico) Era correcto enviá-lo então ao combate

e para mim hoje é correcto estar com o vosso antigo torturador –
um general essencial à nossa defesa.

General: (perplexo com o aparente monólogo do senador)

Senador, tenho de ir.

Continuaremos a conversar
em outra ocasião.

(Ruminando consigo próprio: "Deve ser um hábito devido à sua longa permanência na solitária"
Ri enquanto caminha para fora).

Fantasma: Estais bem de vida agora, Senador.
Foi uma longa e árdua escalada.
Sobre os cadáveres de tantos camaradas,
de tantos suicidas nossos, exilados, mentalmente perturbados.

A tragédia são aqueles militantes que construíram os movimentos,
Alguns dos quais recebem migalhas
da vossa munificência como senador.

A maior parte, contudo, preocupa-se com a refeição de amanhã,
luta com uma pensão de subsistência,
enquanto vossos novos colegas ricos bebem champanhe
ao invés do mate,
a celebrar o poder mais do que a solidariedade.

Senador: Não preciso das vossas lições.

Cumpri o meu tempo.

(Começa a andar para a frente e para trás, seis passos em cada direcção, a dimensão da sua antiga cela de prisão)

Dez anos na prisão,
nove na solitária,
seis no subterrâneo,
sem luz.

Nunca falei.

Fantasma. É verdade. Mas agora estais a recuperar o tempo perdido.

Vossas frequentes conferências de imprensa
A favor de bases imperiais,
dos investimentos e da contaminação
torna uma farsa o nome do vosso partido – Libertação Nacional.

Seria melhor chamá-lo "Difamação Nacional".

Viveis fora do nosso passado.

Urinais sobre nossas sepulturas e chamais a isto 'água sagrada'.

Sagrado hipócrita.

Senador: Honramos a vossa memória a cada ano.

Celebramos nossas raízes,
comemoramos nosso movimento,
nossos militantes caídos.

Fantasma: Sim, recordo o dia e o momento:
entre render-se para ser arruinado
pelo cônsul militar imperial,
e fazer farras com os banqueiros.

Vergonha!

Olha para ti próprio!

Arrogante

No Senado.

Ajoelhai-vos diante dos poderosos
Ides às gargantas dos pobres.

Olhai no espelho!

Um traidor
É um traidor
Com e sem uma maquilhagem.


Acto 1, Cena 4

Fantasma:
Onde conseguisteis o desenho para este Muro?
Em Varsóvia?

A vossa memória do gueto
Permite-vos recriar uma outra…

Como curador,
promotor
da Indústria da Memória do Holocausto.

Vossos testemunhos
Servem de fundamento
A um gueto vivo.

Aprisionais um milhão de palestinos.

Extraís mil milhões dos irmãos
Próximos e distantes.

Joshua: (olha para cima) Sou um sobrevivente…

Fantasma: De pouco valor… vossa Tia Lina morreu num campo,
enquanto vós, um bebé nascido em
Istambul,
invocais sua memória
e sois generosamente recompensados.

Joshua: …quem educa o mundo
sobre o maior crime da história,
contra um povo que sofreu de modo único…

Fantasma: Sim, todos eles
são povos sofredores.

Os Oligarcas Russos, os esquadrões da morte israelenses,
e os sujos advogados exploradores
dos infortúnios passados do nosso povo…

Joshua: Partilhamos um passado comum.

Dois mil anos de anti-semitismo
pelos assassinos Gentios
que assolam nossos sonhos
e ainda o fariam,
se tivessem uma oportunidade.

Fantasma: Os milhões correm para os vossos potes de ouro
da riqueza dos irmãos,
daqueles que são os mais ricos entre os ricos,
um poder entre os poderosos
na terra dos Gentios.

Não falais a um tolo
Conhecemos a vossa espécie e os da vossa laia:

Trapaceiros e embusteiros, nós vos chamávamos de 'kapos'
No gueto de Varsóvia.

Joshua: Cheirais a anti-semita,
a falar não em hebreu
e sim numa linguagem estrangeira…

Fantasma: Yiddish.

Bundist Socialist
e combatente –
é o que sou.

Repetimos em nossas tumbas,
O conhecimento dos vossos crimes:

Tudo o que sofremos dos nossos inimigos
Praticais nesta terra roubada.

Após Deir Yassin,
veio Sabra e Shatila e Jenin
tornámo-nos uma brigada fantasma

Após o Muro, o Líbano e aquela prisão sem tecto,
Gaza.

Reunimo-nos numa grande assembleia
E votámos por renergar-vos,
Nossos descendentes –
Desprezamos vossas crenças,
afirmações de charlatães
serem uma Raça Superior
Gerada pela desgraça ariana.

Joshua: Judeu que se odeia a si próprio!!

Que não respeita nada do que nos é sagrado
Nossa Memória, nosso Tesouro
Nosso holocausto!

Clamais de batalhas do passado
Foram perdidas!
Portanto não ousai desafiar
Nosso Estado militar
O qual nunca
Perdeu batalhas
Para nossos intimidados inimigos.

Fantasma: Do coração partilhamos
Com a resistência
À vossa opressão
Ao vosso muro.

Resistência fracamente armada
Frente à vossa máquina militar
Evoca memórias penosas
dos nossos combates de rua nos dias de Varsóvia.

Partilhamos a coragem
Da Intifada
(tal como com o nosso próprio levantamento)
que nega o vosso
etnocídio,
homicídio
e afirma
sua humanidade.

Joshua: Não sois um Judeu real
E o anti-semitismo é o vosso desporto.

Fantasma: Canalha e porco,
Não invoqueis nosso nome em vão.

Virá o tempo
em que pela mesquinhez caireis.

Retornados clamarão seus lares, sua terra, suas oliveiras.

Estareis prontos a partilhar e
Cultivar a terra?

Ganhar vosso sustento com o suor da vossa testa?

Ou passeareis de volta para a terra dos gentios
E alegareis ser um 'refugiado'
da Terra Prometida?

Acto 1, cena 5
(Um festim de multimilionários, presidentes-executivos, altos responsáveis do Partido num jantar mandarim de 30 pratos)

Fantasma:
Tal como um banquete dos ricos e poderosos.

Muito diferente dos velhos dias
nas cafeterias das comunas e das fábricas
com sopa, arroz e um osso de galinha.

Hu Dung Chi: (Presidente e Secretário Geral do Partido, Comandante em Chefe do Exército do Povo e pai de vários magnatas)

Bastante alinhado com a Filosofia Marxista-Leninista-Dungista:

'O que é bom para a riqueza é bom para a China'!

Fantasma: Deixai-me recordar-vos
os ricos não estavam na Longa Marcha para o Yenan
nos anos trinta – eles colaboraram
com os japoneses e o Kuo Mi Tang.

Nos anos cinquenta eles não combateram ou morreram
nos campos gelados da Coreia do Norte.

Eles não construíram barragens, estradas, indústrias, hospitais e escolas
De que os vossos cobiçosos colegas (ainda se tratam uns aos outros por 'camarada'?)

Se apossaram –
desculpe-me – privatizaram –
e exploram com parceiros imperiais.

Hu Dung: (Muito calmo e indiferente)

Se fosseis realmente um MARXISTA-LENINISTA saberíeis
que igualdade e justiça social era uma etapa primitiva da construção do socialismo
o que MARX chamava 'acumulação primitiva'.

Hoje estamos no período avançado
Dos seis princípios 'C':

Concentração, Centralização, Consumo conspícuo,
Corrupção e Concuspicência.

O estado maduro conduzirá à Igualdade, Fraternidade e Liberdade.

Fantasma: Há 700 milhões de camponeses que libertaram e defenderam a nação
Que agora vivem sem pensões, clínicas públicas e escolas.

Os mais velhos estão indigentes.

Os pais não podem pagam taxas escolares aos seus filhos.

Milhões morrem às portas de clínicas privadas ou vendem
seu último porco para consultar um médico
ou sua última galinha para ver uma enfermeira.

Vosso estado maduro
É pior do que esterco
Cheira ao mesmo
Mas não proporciona qualquer futuro
Para os milhões de pobres.

Os ricos prosperam
Os camponeses
Estão indigentes.

O Partido celebra
O crescimento da economia
Só o povo sofre.

Hu Dung: Difundís mentiras anti-estatais –
Se não fosseis um espírito
Passarieis tempo na prisão
E eu não teria de ouvir
Vossas fabricações fantasmáticas.

Fantasma: Na nossa assembleia de mil milhões de fantasmas
Que outrora combateram e perderam pernas e olhos –
Mesmo nossos bebés terminaram suas vidas
Ultimados nas facas dos japoneses
Considero vossa riqueza obscena.

Vossa pilhagem
Da nossa riqueza é traição.

Vossas justificações sem razão.

Por agora nós fantasmas erguemo-nos como vossa oposição
Porque os combatentes de hoje estão na prisão.

Hu Dung: Não tenho tempo para discutir com inimigos invisíveis.

Por que não procurais Mao,
Ho ou algum outro fantasma
Com quem partilhais vossos ideais e sonhos fora de moda?

Para mim há resmas de contratos a serem assinados,
Vários agitadores a remeter
Para a prisão. Para mim
A realidade material é a única 'verdade'.

Fantasma: Como é fácil esquecer a centena de milhão
De operários e camponeses desapropriados
Para macaquear os novos multimilionários
Do Oriente e do Ocidente:
Vosso filho inclusive
com vossa limousine com chauffeur,
vosso império de torres de escritório,
fábricas e bancos,
para manter vossas concubinas
em mansões palaciais
e pagar educação estrangeira à vossa progenitura.

Não há melhor prova de que a vossa família,
forma uma nova classe de milionários
de exploradores
de exportadores
e de rentistas.

Põe um espelho diante do vosso clan,
vossa família
e todos aqueles que aceitam
e seguem vosso comando.

Traidores todos!

Os pobres sussurram quando recordam
a perda de dignidade e da terra
em breve chegará o dia do vosso julgamento.

Hu Dung: Os aromas das trinta finas iguarias
chamam-me.

O brilho da fortuna do multimilionário,
o pote de ouro
é a luz a seguir.

Ouso olhar para trás
só para gritar ao Exército
para cobrir meu traseiro
e massacrar a massa
que ousa perturbar
o banquete dos multimilionários.

Fantasma: Acompanhar-vos-ei à mesa
para recordar-vos de quem
não está ali
e provocar-vos indigestão.

Hu Dung: Recordai-vos que eu era chamado um 'seguidor dos capitalistas'
Nos dias da infâmia de Mao!

Estou protegido na História
por uma montanha de contos
acerca dos horrores do passado.

Não os leio
Mas encomendo-os aos nossos escribas.

Eles protegem da indigestão
e da disfunção eréctil.

Fantasma: Vosso exército de escrevinhadores,
que redige vossos discursos
em caractéres chineses
e louvam vossas reformas
em letras inglesas,
não podem abolir
a memória
das centenas de milhões
de operários e camponeses
cujas fábricas e terras foram vendidas por uma bagatela
a especuladores e investidores
os quais pagam aos vossos quadros
para bater os militantes,
amedrontar seus simpatizantes
e isolar o resto.

Hu Dung: (a presidir o banquete)

Um brinde ao melhor e mais brilhante:

Longa vida ao Socialismo!

Longa vida ao Capitalismo!

Longa vida à Paz e Amizade entre
as Classes Dominantes do Mundo!

Fantasma: Tantos sacrifícios produzem tais gasosas expressões.

Este é o molho quente, os signos de dólar que inspiram vossos discursos.

Este é o vosso traseiro que fala quando a vossa boca sabe o melhor.

Hu Dung: (Aborrecido pela intervenção do Fantasma)

Ide-vos para uma fábrica!

Isto não é lugar para velhos militantes.

Militantes fora! (Grita)

(Os multimilionários levantam suas cabeças em estado de choque:

"Demasiada bebida",

"Terá ele perdido a consciência?",

"Será uma brincadeira para divertir os presidentes-executivos?",

Oligarca: (A levantar o copo para brindar o partido)

Aos militantes:

Magnatas e multimilionários!

A vanguarda da Nova China!

Os líderes da nossa Super Potência!



SEGUNDO ACTO, Cena 1 (Negação)
(Uma reunião de todos os antigos revolucionários que ocupam posições de poder na Nova Ordem Mundial)

Hu Dung:
Reunimo-nos porque
todos nós temos sofrido
visitas dos fantasmas do passado
que se queixam e lamentam
'que temos esquecido as massas
e criado novas classes de predadores e exploradores'.

Embora as suas ameaças sejam imateriais
ainda assim eles falam
e deveríamos procurar
uma resposta colectiva – não, não –
um repúdio completo
das calúnias sanguinárias que fabricam.

Senador: Vamos admitir que fizemos erros
No passado.

Fracassámos no entendimento
da mágica do mercado.

Assim seguimos alguns descaminhos
e agora que voltam
para assombrar-nos.

Vamos dizer
que admitimos os erros do nosso passado,
a afirmamos que agora
descobrimos
nosso caminho para a prosperidade.

Joshua: O Caminho Escolhido

Hu Dung: Não estou de acordo.
Estávamos certos no passado
e estamos certos hoje.

A razão encontra-se
nos tempos mudados
nas diferentes etapas
na lógica dialéctica.

Estamos sempre no topo
e a base está sobre a base
como sempre será.

Presidente: Se a dialéctica não é
o vosso caldeirão de peixe,
ainda há a cocaína
e uma orgia
a cada dia
para manter os fantasmas afastados


SEGUNDO ACTO, Cena 2

Hu Dung:
Não devemos desprezar
os velhos líderes
e militantes
que nos seus dias
foram degraus
para o nosso futuro glorioso.

Presidente: Sim, vamos construir-lhes monumentos
e mausoléus.

Honrar o seu passado
a fim de os transcender
nos dias de hoje.

Joshua: Vamos honrar nossos mártires
e cobrar um bilhete de entrada
para uma visita
aos nossos Museus de Recordações.

Senadores: Vamos mesmo cantar A Internacional
enquanto arrecadamos os lucros
da global integração.

(Cantam junto um único verso da Internacional – e param por falta de memória. Alguns, enquanto continuam, cantam 'levantem-se as bolsas de valores do mundo' ao invés do 'levantem-se os famélicos da terra')


SEGUNDO ACTO, Cena 3

Senador:
Creio que tememos demasiado os fantasmas do passado,
as vozes dos mortos.

Afinal de contas somos todos homens honrados
e nossas obras viverão
muito depois de os fantasmas terem sido esquecidos.

Deveríamos celebrar o mercado livre
e eleições livres.

Abram o champanhe!
Tragam o caviar!
Os carneiros no espeto…

Hu Dung: Democracia e Prosperidade com caracteres chineses!

Não se assustem,

A Ásia é a Superpotência Emergente.

Joshua: Vamos celebrar e aclamar,
mas mantenham-me limpo
de porco e camarão
para manter meu corpo limpo
e minha consciência livre.

Presidente: Vamos tocar música
e convidar nossas musas.

Bilhetes de entrada só para milionários e banqueiros.

Hu Dung: Só multimilionários para nós,
somos agora uma Potência Mundial,
a extrair riqueza
e a matar mineiros.

Mas quem se importa?

É tudo parte da História
E da nossa maturidade crescente.

(Hu Dung começa a dancar com a Primeira Dama Multibilionária)

(O Presidente acompanha uma amante do ex-Ditador).

(O Senador anda pelo chão à procura da filha do General)

(Joshua acena por uma 'oferta multimilionária' da Diáspora).

Joshua: Temos de contar nossa estória.

Nossa História refutará
as mentiras fantasmáticas
que nos cobrem com sangue
e coágulos.

Somos fundadores de um Estado
de refugiados, colonizadores, invasores
e mega-vigaristas
que têm grandes fortunas fundadas.

Todos nós nos abrigamos,
Mesmo nossos irmãos,
os oligarcas russos –
abrigamos também os seus tesouros!

Hu Dung: Começámos pobres
e combatemos e lutamos
pelo que obtivemos.

Assim, por que não deveríamos desfrutar
da nossa fortuna e… tirar prazer também?

Senador: Os fantasmas são ciumentos porque sobrevivemos
ao passo que por má sorte eles pereceram.

Esquivámo-nos às balas
e bombas
ao passo que eles jazem mortos e não ouvem nossos apelos
à colaboração e reconciliação.

Agora falam eles
daqueles que querem
o que obtivemos
sem a nossa luta
e sacrifício.

Deixai os manuais mostrarem
que nós,
os sobreviventes e vitoriosos,
somos generosos
para com nossos antigos adversários,
mesmo os multimilionários,
enquanto desdenhamos daqueles
que tagarelam sobre
uma luta de classes do passado
há muito desaparecido.



TERCEIRO ACTO, Cena 1
(Um Grande Conselho de Fantasmas das sepulturas assinaladas e não assinaladas de combatentes revolucionários)

Fantasmas da América Central:
(Com grande indignação)

Não há nada
Que partilhemos em comum
Com nossos antigos camaradas.

Nem a memória nem o sofrimento os comove.

Estão perdidos para apelos
à consciência.

Só a acção
de uma nova geração
os moverá
e os removerá.

Fantasmas da China: Eles cantam e prostituem-se
sobre nossas sepulturas.

Mesmo quando os repreendemos
por suas mentiras,
por suas almas degeneradas,
neles não vemos qualquer remorso.

Advertimos – para que não esqueçam
que uma Revolução Cultural
não exclui outra.

Assim olhamos e esperamos
que os desapossados
retomem sua terra
dos seus predadores.

Olhamos para os operários,
que suportam a arquitectura
deste mundo emergente,
para esticarem seus braços
e deitarem tudo isto abaixo.

Marcham os multimilionários
com seus chapéus de bobo
pela ruas
das prostitutas comuns,
abaixo das vielas
das injecções de droga.

Alcançaremos as mais altas torres
onde os veneradores da Califórnia Dourada
concebem as Fábricas Fedorentas do Mundo.

E pô-las a voar
escadas abaixo ou janela afora –
é o meio mais rápido.

Fantasma do Gueto de Varsóvia: Receio que pouco reste
dos rebeldes do Gueto
excepto a empresa comercial.

Assim, olhamos para nossos irmãos semíticos
enclausurados em muros
e a sofrer como nós
punição colectiva e esbulho
que partilhamos com nosso espírito combatente.

Descubro um futuro
reincarnado
como um palestino.

Fantasma Sul Africano: O máximo que podemos fazer
para sermos verdadeiros para com a nossa memória:
Limpar o entulho
da história,
dissociar os mortos
dos vivos degenerados.

Juntar
os poucos remanescentes,
leais à causa da Libertação
à nova geração.

Libertar o passado dos vendedores ambulantes,
Presidentes, Senadores e
a burguesia negra
que falsamente clama ser
a justa herdeira das nossas lutas.

Todos os fantasmas: O que tem de ser feito?

Perguntámos à Nova Geração nas barricadas
em luta: Eles contaram-nos
as respostas estão a vir,
as vozes estão a levantar-se
das selvas da Colômbia
aos bairros pobres de Caracas,
dos milhões nas fábricas e aldeias da China,
às minas e às barracas da África do Sul.

Ouvimos o estalar das suas armas
nas mãos dos combatentes
nas ruas do Iraque, do Líbano e da Palestina.

A atearem fogo às enormes nádegas
dos multimilionários,
possuidores do Império!


O original encontra-se em http://www.axisoflogic.com/artman/publish/article_23815.shtml
Tradução de JF.


Este peça encontra-se em http://resistir.info/ .
29/Jan/07