O Pico petrolífero e o governo alemão
Estudo militar adverte quanto a uma crise petrolífera potencialmente
drástica
Um estudo de um
think tank
militar alemão analisou como o "Pico petrolífero" pode
mudar a economia global. A minuta do documento interno divulgada na
Internet mostra pela primeira vez quão cuidadosamente o governo
alemão tem considerado uma potencial crise energética.
A expressão "Pico petrolífero" é utilizada pelos
peritos em energia para designar o ponto no tempo em que as reservas globais de
petróleo ultrapassam o seu zénite e a produção
começa gradualmente a declinar. Isto resultaria numa crise permanente da
oferta e o receio da mesma pode desencadear turbulência nos
mercados de commodities e de acções.
A questão é tão politicamente explosiva que se torna
notável quando uma instituição como a Bundeswehr, as
forças armadas alemãs, simplesmente utiliza a expressão
"Pico petrolífero". Mas um estudo militar actualmente a
circular na blogosfera alemã vai mais além.
O estudo é um produto do departamento de Análise Futura do
Bundeswehr Transformation Center, um think tank cuja tarefa é fixar uma
direcção para as forças armadas alemãs. A equipe de
autores, dirigida pelo tenente-coronel Thomas Will, usa por vezes uma linguagem
dramática para descrever as consequências de um esgotamento
irreversível de matérias-primas. O estudo adverte de
mudanças no equilíbrio global de poder, da formação
de novos relacionamentos baseados na interdependência, de um
declínio na importância dos países industriais do ocidente,
do "colapso total dos mercados" e de crises políticas e
económicas sérias.
O estudo, cuja autenticidade foi confirmada ao SPIEGEL ONLINE por fontes em
círculos governamentais, não era destinado a
publicação. O documento diz-se estar numa etapa de minuta e
consistir unicamente de opiniões científicas, as quais ainda
não foram editadas pelo Ministério da Defesa e outros corpos
governamentais.
O autor principal, Will, recusou-se a comentar acerca do estudo. Permanece em
dúvida se a Bundeswehr ou o governo alemão teriam consentido em
publicar o documento na sua forma actual. Mas o estudo mostra quão
intensamente o governo alemão está empenhado na questão do
Pico petrolífero.
Actividades paralelas no Reino Unido
A fuga do documento tem paralelos com informações recentes do
Reino Unido. Só na semana passada o jornal
Guardian
relatou que o British Department of Energy and Climate Change (DECC)
está a manter secretos documentos que mostram como o governo
britânico está muito mais preocupado acerca da crise de oferta do
que ele quer admitir.
Segundo o
Guardian,
o DECC, o Banco da Inglaterra e o Ministério britânico da Defesa
estão a trabalhar lado a lado com representantes da indústria
para desenvolver um plano de crise destinado a tratar da possível
escassez no abastecimento de energia. Investigações efectuadas
por peritos em energia, apresentadas em workshops britânicos, foram
vistas pelo SPIEGEL ONLINE. Uma porta-voz do DECC procurou reduzir a
importância do processo, dizendo ao
Guardian
que as investigações eram "rotina" e não tinham
implicações políticas.
O estudo das forças armadas alemãs pode não ter
consequências políticas imediatas, mas mostra que o governo
alemão teme que a escassez possa acontecer rapidamente.
Segundo o relatório alemão, havia "alguma probabilidade de
que o Pico petrolífero ocorresse em torno do ano 2010 e que o impacto
sobre a segurança seja expectável ser sentido 15 a 30 anos
depois". A previsão da Budeswehr é consistente com a de
cientistas bem conhecidos que assumem que ter a produção global
de petróleo já ultrapassado o seu pico ou que o faça ainda
este ano.
Fracassos do mercado e reacções em cadeia internacionais
Os impactos políticos e económicos do Pico petrolífero
sobre a Alemanha foram agora estudados pela primeira vez em profundidade. O
perito em petróleo bruto Steffen Bukold avaliou e resumiu as descobertas
do estudo da Bundeswehr. Aqui está uma visão geral dos pontos
centrais:
-
O petróleo determinará o poder:
O Bundeswehr Transformation Center escreve que o petróleo
tornar-se-á um factor decisivo na determinação de uma nova
paisagem das relações internacionais: "A importância
relativa dos países produtores de petróleo no sistema
internacional está em crescimento. Estes países estão a
utilizar as vantagens daí resultantes para expandir o âmbito das
suas políticas interna e externa e estabelecerem-se como um novo ou
renascente poder regional, ou em alguns casos mesmo como um poder global".
-
Aumento da importância dos exportadores de petróleo:
Para os exportadores de petróleo, mais competição por
recursos significará um aumento no número de países a
competirem por favores junto aos países produtores. Para estes
últimos isto abre uma janela de oportunidade a qual pode ser utilizada
para implementar objectivos políticos, económicos ou
ideológicos. Como esta janela de tempo só estará aberta
por um período limitado, "isto podia resultar numa
afirmação mais agressiva de interesses nacionais por parte dos
países produtores de petróleo".
-
Política ao invés do mercado:
O Bundeswehr Transformation Center espera que uma crise da oferta faça
recuar a liberalização do mercado da energia. "A
proporção de petróleo comerciada a nível global, o
mercado do petróleo acessível livremente, diminuirá quando
mais petróleo for comerciado através de contratos
bi-nacionais", declara o estudo. No longo prazo, avança o estudo, o
mercado global de petróleo só será capaz de seguir as leis
do mercado livre num sentido restrito. "Acordos bilaterais, oferta
condicionada e parceiros privilegiados, tal como visto antes das crises do
petróleo da década de setenta, verificar-se-ão outra vez.
-
Fracassos do mercado:
Os autores pintam um quadro negro das consequências resultantes da
escassez de petróleo. Como o transporte de bens depende do
petróleo bruto, o comércio internacional poderia ser sujeito a
altas colossais. "A escassez na oferta de bens vitais poderia
ocorrer" em consequência, como por exemplo na oferta
alimentar". O petróleo é utilizado directa ou indirectamente
na produção de 95% de todos os bens industriais. Os choques de
preço poderiam portanto ver-se em quase qualquer indústria em ao
longo de todas as etapas da cadeia de oferta industrial. "No médio
prazo o sistema económico global e todas as economias nacionais
orientadas pelo mercado entrariam em colapso".
-
Retorno à economia planeada:
Uma vez que virtualmente todos os sectores repousam fortemente sobre o
petróleo, o Pico petrolífero podiam conduzir a um "fracasso
parcial ou completo dos mercados", diz o estudo. "Uma alternativa
concebível seria um racionamento governamental e a
destinação de bens importantes ou o estabelecimento de programas
de produção e outras medidas coercivas de curto prazo para em
tempos de crise substituir mecanismos baseados no mercado".
-
Reacção global em cadeia:
"Uma reestruturação dos abastecimentos de petróleo
não será igualmente possível em todas as regiões
antes do início do Pico petrolífero", diz o estudo.
"É provável que um grande número de estado não
estará em posição de fazer a tempo os necessários
investimentos", ou com "suficiente magnitude". Se houvesse
crashes económicos em algumas regiões do mundo, a Alemanha podia
ser afectada. A Alemanha não escaparia às crises de outros
países, porque ela está fortemente integrada na economia global.
-
Crise política de legitimidade:
O estudo da Bundeswehr também levanta temores quanto à
sobrevivência da própria democracia. Partes da
população poderia compreender a reviravolta desencadeada pelo
Pico petrolífero "como uma crise sistémica geral". Isto
criaria "espaço para alternativas ideológicas e extremistas
às formas existentes de governo". A fragmentação da
populaçã afectada seria provável e podia "em casos
extremos levar a conflito aberto".
Os cenários esboçados pelo Bundeswehr Transformation Center
são drásticos. Ainda mais explosivas, politicamente, são
as recomendações ao governo que os peritos em energia
avançaram sobre estes cenários. Eles argumentam que "estados
dependentes de importações de petróleo" serão
forçados a "mostrar mais pragmatismo em relação a
estados produtores de petróleo na sua política externa". As
prioridades políticas terão de ser de alguma forma subordinadas,
afirmam eles, à preocupação predominante de assegurar
abastecimentos de energia.
Por exemplo: A Alemanha teria de ser mais flexível em
relação aos objectivos da política externa da
Rússia. Ela também teria de mostrar mais restrições
na sua política externa em relação a Israel, para evitar
alienar países árabes produtores de petróleo. O apoio
incondicional a Israel e ao seu direito de existir actualmente é uma
pedra fundamental da política externa alemã.
O relacionamento com a Rússia, em particular, é de
importância fundamental para o acesso alemão ao petróleo e
ao gás, diz o estudo. "Para a Alemanha, isto envolve um acto de
equilibragem entre relações estáveis e privilegiadas com a
Rússia e as sensibilidades dos vizinhos (da Alemanha) a Leste". Por
outras palavras, a Alemanha, se quiser garantir a sua própria
segurança energética, deveria ser acomodatícia em
relação aos objectivos da política externa de Moscovo,
mesmo se isto significar provocar riscos nas suas relações com a
Polónia e outros estados do Leste europeu.
O Pico petrolífero também teria profundas consequências
para a posição de Berlim em relação ao Médio
Oriente, de acordo com o estudo. "Um reajustamento da política do
Médio Oriente da Alemanha ... em favor de relações mais
intensas com países produtores tais como o Irão e a Arábia
Saudita, os quais têm as maiores reservas de petróleo convencional
na região, pode implicar uma tensão na relações
alemãs-israelenses, dependendo da intensidade da mudança
política", escrevem os autores.
Quando contactado pelo SPIEGEL ONLINE, o Ministério da Defesa não
quiz comentar o estudo.
[*]
Stefan_Schultz@spiegel.de
Nota: Uma tradução para o inglês dos principais pontos do relatório alemão
encontra-se em
http://www.theoildrum.com/node/6912#more
.
O texto integral do relatório, com 99 páginas, está em
http://peak-oil.com/download/...
O original encontra-se em
http://www.spiegel.de/international/germany/0,1518,715138,00.html#ref=nlint
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|