Cresce o risco sistémico para o sistema financeiro, pois este exige
crescimento num mundo com oferta limitada de petróleo
Cresce o risco sistémico para o sistema financeiro, pois este exige
crescimento num mundo com oferta limitada de petróleo
Em Julho deste ano o Lloyds de Londres emitiu um livro branco sobre os riscos
do Pico Petrolífero
(peak oil),
notando que nos dirigimos rumo a uma crise (crunch) da oferta global.
[1]
Em Setembro de 2010, foi publicado na Energy Policy um documento chamado
"Global oil depletion: A review of the evidence".
[2]
O documento conclui: "Um pico da produção de
petróleo convencional antes de 2030 parece provável e há
um risco significativo de um pico na produção de petróleo
antes de 2020". Por outras palavras, a produção de
petróleo convencional do mundo pode começar a declinar em
não muitos anos.
Parece-me que se estamos de facto a alcançar limites quanto ao
abastecimento de petróleo, isto deveria ser assunto de
considerável preocupação. Temos um sistema financeiro que
exige crescimento económico, por razões que serão
discutidas posteriormente neste documento. Ao mesmo tempo, quando nos
aproximamos dos limites em relação à
produção petrolífera, a capacidade da economia mundial
para crescer torna-se constrangida, porque a fim de ocorrer crescimento
económico será necessário fazer cada vez mais, com cada
vez menos petróleo.
O conflito destas duas forças a necessidade de crescimento
económico num mundo que já não poder proporcionar
crescimento da oferta de petróleo encaminha o sistema financeiro
a um risco sistémico de colapso. Além disso, há
evidência significativa de que os problemas financeiros de 2008 foram
sinais anunciadores deste risco sistémico afectando o sistema
financeiro. Se a oferta de petróleo devesse realmente começar a
declinar no futuro, podemos esperar que os problemas financeiros de 2008
retornem e agravem-se.
A conexão do petróleo com a economia
O petróleo é utilizado para um enorme número de
finalidades combustível para transportes, para aquecimento, para
extrair minerais de todos os tipos, lubrificantes e matéria-prima para
asfalto para pavimento de estradas, plásticos, vestuário
sintético, remédios, fertilizantes, pesticidas e herbicidas, para
mencionar uns poucos. Um declínio da oferta de petróleo, ou mesmo
do nível de abastecimento, deveria ser uma preocupação
séria com a elevação da população mundial.
Em anos recentes, tem havido muitas tentativas de encontrar substitutos para o
petróleo, mas com êxito muito limitado. O etanol do milho tem sido
provavelmente considerado o de maior êxito, mas em 2009 a sua
utilização nos EUA representava apenas 660 mil barris por dia
[3]
, a ser comparado com um consumo total de produtos petrolífero de 18,8
milhões de barris por dia
[4]
, ou 3,5% do total. Elevar esta percentagem está a demonstrar-se
difícil por várias razões: as garantias dos fabricantes
permitem apenas a utilização de 10% de etanol na gasolina; o
etanol tende a ser mais caro do que gasolina sem subsídios; e há
relativamente poucas estações a oferecer gasolina E-85.
Outros dos chamados substitutos do petróleo são apenas
substitutos parciais e ainda estão muito longe de serem
soluções em plena escala. O biocombustível das algas
está a ser investigado, mas ainda é muito caro e ainda não
escalável. Carros eléctricos estão a ser desenvolvidos,
mas eles ainda estão a muitos anos de estarem prontos para substituir a
nossa enorme frota de carros com motores de combustão interna.
Deveria ser notado que o problema com a oferta de petróleo é
realmente de natureza económica. Há uma enorme quantidade de
petróleo teoricamente disponível nas areias oleosas do
Canadá, por exemplo, e no xisto petrolífero no Oeste dos EUA e
talvez no Médio Oriente. Mas a fim de este petróleo estar
disponível já, enormes investimentos precisariam ter sido feito
desde a pelo menos 10 anos atrás. Além disso, a fim de justificar
este investimento, o custo dos produtos petrolíferos acabados precisaria
ser muito alto alto em relação à energia exigida
para extrair o petróleo e alto em relação aos
salários do povo. Em algum ponto, limites são atingidos na
quantia que o povo pode dispender para pagar pelo petróleo e podemos
já estar a aproximar-nos daqueles limites.
[5]
Timing
Muitos observadores gostariam que acreditássemos que os limites do
petróleo e de outros recursos ainda estão muito distantes, mas
isto realmente não é verdade. A produção mundial de
petróleo bruto já parou de ascender. A produção de
petróleo tem estado basicamente constante
(flat)
desde 2005 até 2010,
[6]
o que significa que cada vez mais carros e camiões devem competir pela
mesmo oferta de combustível.
Impactos
Se bem que a oferta de petróleo bruto ainda não tenha
começado a declinar, ela tem estado basicamente constante desde 2005 e
esta falta de crescimento está a colocar uma tremenda pressão
sobre o sistema financeiro do mundo, uma vez que devemos agora fazer cada vez
mais com basicamente a mesma oferta de petróleo. Os preços do
petróleo têm-se elevado e isto é uma fonte de problemas
financeiros, porque preços mais altos de petróleo têm um
impacto destruidor sobre a balança de pagamentos e podem também
causar uma redução em lucros de empresas.
Mas preços mais altos do petróleo podem também levar
à recessão e a incumprimentos de dívidas. Preços
mais altos do petróleo não dão aos cidadãos comuns
mais salário para gastar, de modo que eles têm de cortar em alguma
outra coisa. Uma possibilidade é um corte em gastos
discricionários, os quais tendem a levar à recessão. Se o
corte for na compra de novas casas, pode-se esperar que o preço das
novas casas baixe. James Hamilton escreveu um documento chamado "Causes
and Consequences of the Oil Shock of 2007-2008 mostrando que o aumento
nos preços do petróleo nos anos anteriores a 2008 foi suficiente
para provocar a grande recessão experimentámos recentemente.
[9]
Se os preços do petróleo aumentarem, podem também causar
incumprimentos de dívidas. Isto ocorre porque os salários do povo
não se elevam igualmente, de modo que eles precisam cortar em algo e
alguns incumprirão dívidas. Os negócios podem
também ficar mais em risco de incumprimentos de dívidas, se o seu
fluxo de caixa estiver em declínio. Os valores mais baixos das casas
podem igualmente desempenhar um papel no aumento dos incumprimentos.
Apesar de não se poder provar que os problemas acima mencionados foram
as únicas causas da crise financeira de 2008, há certamente uma
forte semelhança entre os problemas esperados e os tipos de problemas
que vimos recentemente.
Deveria ser observado, também, que uma aparência de excesso de
oferta de petróleo não deveria ser surpreendente. Quando
preços mais altos dão lugar a recessão, isto causa um
corte na procura. A redução na disponibilidade de crédito
tende também a reduzir a procura. De modo que o petróleo
disponível pode ser mais caro do que o que indivíduos e empresas
podem permitir-se. Se o petróleo disponível fosse mais barato, o
excesso de oferta desapareceria.
A necessidade de crescimento do sistema económico
O nosso actual sistema económico inclui um enorme montante de
dívida. O dinheiro passa a existir por empréstimos. A
dívida é utilizada para financiar muitas expansões de
negócios. Os governos recorrem fortemente à dívida.
A economia dos EUA tem estado a crescer durante muitos anos, apenas com breves
interrupções, de modo que quase toda a nossa experiência
com a tomada de dinheiro emprestado, e o seu reembolso com juros, foi durante
períodos de crescimento económico.
Tomar emprestado do futuro é relativamente fácil quando a
economia está em crescimento, porque quando chegar o momento de
reembolsar a dívida a condição económica do devedor
provavelmente será tão boa como era quando o empréstimo
foi tomado, e pode mesmo ser melhor. Portanto os incumprimentos são
relativamente incomuns e o crescimento na economia entre o momento em que
empréstimo foi tomado e o período em que é reembolsado
proporciona alguma contribuição em relação aos
pagamentos de juros.
Mas e se começarmos a encontrar uma espécie muito diferente de
mundo, um mundo com um declínio nas ofertas de petróleo? Se
recursos petrolíferos constrangem o crescimento económico,
pode-se esperar que os incumprimentos de dívidas aumentem e a totalidade
do sistema de dívida subjacente ao nosso sistema financeiro está
em risco. As companhias de seguros correm também demasiado risco, porque
muitos dos seus activos são títulos. No passado, estes
títulos teriam de ser reembolsados com juros, mas num mundo com pouco
crescimento económico, e talvez declínio económico, o
risco de incumprimento torna-se muito mais alto.
Mesmo se descobríssemos um meio de contornar os nossos problemas
digamos que uma nova tecnologia, a qual permitiria mais extracção
de petróleo a menor custo, ou um substituto melhor para o
petróleo ainda é provável que as
instituições financeiras incluindo companhias de seguros
deparem-se nos próximos anos com risco sistémico
substancial relacionado com incumprimentos de dívida.
Notas
1 Lloyds of London, Sustainable Energy Security: Strategic risks and
opportunities for business, Chatham House, London.
http://www.chathamhouse.org.uk/files/16720_0610_froggatt_lahn.pdf
2 S Sorrel, J Spiers, R Bentley, A Brandt, and R Miller, Global Oil Depletion:
A review of the evidence, Energy Policy, Vol 38, Issue 9, 5209-5295.
3 US Energy Information Administration, refiners inputs of ethanol,
http://www.eia.gov/dnav/pet/pet_pnp_inpt_dc_nus_mbblpd_a.htm
4 US Energy Information Administration, product supplied,
http://www.eia.gov/dnav/pet/pet_cons_psup_dc_nus_mbblpd_a.htm
5 David Murphy, "Further Evidence of the Influence of Energy on the US
Economy", The Oil Drum, April16, 2009.
http://netenergy.theoildrum.com/node/5304
6 US Energy Information Administration, International Petroleum Monthly, Crude
and Condensate from Table 1.1d. http://www.eia.doe.gov/ipm/supply.html
7 US Energy Information Administration, International Petroleum Monthly, Crude
and Condensate from Tables 1.1d and 4.1d. http://www.eia.doe.gov/ipm/supply.html
8 US Energy Information Administration, Cushing , OK WTI spot price FOB.
http://www.eia.gov/dnav/pet/hist/LeafHandler.ashx?n=pet&s=rwtc&f=a
9 James Hamilton, Causes and Consequences of the Oil Shock of 2007-2008,
Brookings Papers on Economic Activity, 2009.
http://www.brookings.edu/economics/bpea/~/media/Files/Programs/ES/BPEA/2...
[*]
Actuário, FCAS, MAAA
O original encontra-se em
http://www.theoildrum.com/node/6958
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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