Governos preocupados com o Pico Petrolífero,
mas não o suficiente para dizerem a verdade
O despertar oficial para o Pico Petrolífero (2)
por Chris Nelder
Na
primeira parte desta série
, revi relatórios de Março que apoiavam a visão do Pico
Petrolífero e advertiam que a produção mundial de
petróleo pode entrar em declínio terminal em 2015 ou
antes.
As fontes incluíam a UK Industry Task Force on Peak Oil and Energy
Security e responsáveis dentro do governo britânico;
investigadores do College of Engineering and Petroleum da Universidade do
Kuwait; investigadores da Universidade de Oxford e da ConocoPhillips, a
terceira maior companhia de petróleo nos EUA.
Em 25 de Março, o Departamento da Energia tornou-se oficialmente
preocupado, com um relatório no jornal francês
Le Monde
intitulado "Washington considera um declínio da
produção mundial de petróleo a partir de 2011".
O autor atenazou Glen Sweetnam, director da divisão de Economia
Internacional e Gás com Efeito de Estufa da Agência Internacional
de Energia (AIE), para obter pormenores acerca de uma
apresentação que ele deu numa mesa redonda semi-pública no
Departamento da Energia com economistas do petróleo em Abril de 2009.
Como ele teve conhecimento disso eu não sei, mas admiro a sua
persistência.
A peça notável foi este gráfico:
A dedução era óbvia:
A AIE não tinha qualquer ideia de como a produção poderia
aumentar após 2012.
Na ausência destes "projectos não identificados", eles
esperavam que a oferta global de petróleo declinasse cerca de 2% ao ano
de 87 milhões de barris por dia (mb/d) em 2011 para 80 mb/d em
2015 enquanto a procura eleva-se a 90 mb/d.
Dentro de cinco anos, portanto, haverá um fosso de 10 mb/d entre a
oferta e a procura aproximadamente a produção da
Arábia Saudita (actualmente de 10,8 mb/d).
(Devo observar que embora o gráfico de Sweetnam apresente o
Annual Energy Outlook 2009
da AIE como fonte, não encontrei tal gráfico, nem mesmo os dados
que poderia produzi-lo, no meu exemplar daquela publicação.
Não sou capaz de explicar esta discrepância).
Oficialmente a agência continua a fazer depender quaisquer
preocupações acerca da oferta futura da insuficiência de
investimento. Na entrevista de Sweetnam ao
Le Monde,
ele apresentava isto deste modo: "existe uma possibilidade de que
possamos experimentar um declínio da produção mundial de
combustíveis líquidos entre 2011 e 2015 se não houver
investimento".
É uma fraca posição para tomar depois do estouro do
preço do petróleo de 2008. As economias desenvolvidas do mundo
simplesmente não podem tolerar os altos preços que estimularia
aquele investimento (ver "'Peak Oil Demand,' Yes... But Not the Nice
Kind") e estou certo de que a AIE sabe disso.
Alguém poderia pensar que os media americanos ter-se-iam precipitado
sobre esta notícia, pois assinalava uma grande reviravolta na
posição oficial dos EUA sobre o Pico Petrolífero. Ainda em
2008, cenário base da AIE para a oferta de petróleo era de que
ascendesse ao longo de 2030 e não declinasse senão em 2090!
Mas cinco anos depois, quando investiguei no Google, não havia
nem uma
notícia de qualquer grande publicação interna. Apenas
blogs e os sítios habituais sobre Pico Petrolífero haviam dado
atenção.
No meu julgamento ponderado, o blackout dos media americanos é
deliberado.
E por falar em blackouts dos media...
O blackout dos media no maior fórum de energia do mundo
Em 30-31 de Março verificou-se a cimeira bienal do International Energy
Forum (IEF), em Cancun. Os participantes do maior fórum de energia do
mundo incluíam ministros de 64 países, membros da AIE e da OPEP e
outras personalidades.
Em paralelo, Cancun abrigou também o International Energy Business
Forum, participado por cerca de 36 companhias incluindo executivos de topo da
China Nacional Petroleum Corp (CNPC), ExxonMobil e Royal Dutch Shell.
Em suma, as conferências gémeas foram Algo Muito Importante.
Mas quando pesquisei no Google New por notícias contendo exactamente a
frase "International Energy Forum" e publicadas durante a
conferência, foi só na sétima página de resultados
que descobriu algumas notícias nas publicações principais
dos EUA e aquelas notícias estavam centradas exclusivamente em
questões específicas como preços do petróleo e do
gás. Eles não disseram nem uma palavra acerca do Pico
Petrolífero.
Um jornalista da organização Platts, de media especializados em
petróleo e gás, explicou no seu blog o que aconteceu. Todos os
media foram impedidos de entrar na sala de conferência da IEF e exilados
para uma sala de imprensa onde as apresentações eram mostradas em
monitores sem som. Quando repórteres pediram pelo som, os monitores
foram desligados. Todas as sessões foram então declaradas
privadas e os repórteres que tinham vindo de todos os cantos do globo
para cobrir a conferência foram simplesmente excluídos.
Segundo o jornalista Matthew Wild, as apresentações
incluíam uma da PFC Energy intitulada "Removendo incerteza:
Questões de investimento no sector do petróleo"
("Unpacking Uncertainty: Investment Issues in the Petroleum Sector").
O documento revê três previsões da oferta de
petróleo: "A da AIE, a qual mostra que esta atinge 109 mb/d em
2030, a da OPEP, a qual espera atingir 111 mb/dia e a da própria PFC, a
qual espera que a oferta atinja o pico em torno de 2020-2015 nos 95 mb/di,
declinando então para 90 mb/d em 2030.
Embora veja o declínio dos campos maduros de petróleo a
prosseguir a uma taxa mais baixa do que a AIE, a PFC Energy ainda acredita que
será "bastante rápida para produzir um quadro mundial da
energia que difere amplamente de anteriores avaliações da energia
a longo prazo" e avança para explicar:
Isto não é um mundo de "pico petrolífero" onde o
potencial global de hidrocarbonetos é exaurido, mas ao invés um
pico da produção, onde a capacidade da indústria do
petróleo para continuar a aumentar ou mesmo manter a
produção de petróleo convencional (e possivelmente
gás) é constrangida. A exploração de
petróleo não convencional proporcionará liquidez
adicional, mas com toda a probabilidade só a custos cada vez mais
elevados e dependerá de investimentos significativos para desenvolver
tecnologias apropriadas a fim de converter os recursos de hoje nas reservas de
amanhã.
A temporização exacta tanto do planalto (plateau) como do
princípio do declínio irreversível será
influenciada pelos factores que determinam mudanças a longo prazo na
oferta e na procura. No entanto, o desafio está a aproximar-se e este
mundo emergente de produção convencional limitada exigirá
grandes ajustamentos da parte tanto dos consumidores como dos produtores.
A fraseologia da primeira declaração é curiosa.
Observadores sérios sabem que "pico petrolífero"
nunca
significou a exaustão do potencial de hidrocarbonetos e
sempre
significou o pico da taxas de fluxo da produção. Cobri uma
apresentação de Michael Rodgers da PFC Energy na última
conferência do Pico Petrolífero no ano passado, de modo que devo
acreditar que a PFC Energy sabe caracterizar o Pico Petrolífero de modo
melhor daquele que o fez e simplesmente optou por fazer assim para apaziguar a
audiência do IEF.
Seja como for, agora sabemos que os principais ministros da Energia do mundo
vieram uma apresentação séria sobre o Pico
Petrolífero e ouviram a advertência acerca da sua seriedade,
embora um tanto adoçada.
A maior parte dos relatos sobre a conferência considerou que são
necessários melhores dados e transparência sobre as reservas
uma campainha que especialistas do Pico Petrolífero como Colin
Campbell tem estado a tocar há mais de uma década. Sem isto, o
mundo fica no escuro quanto à verdadeira oferta futura de
petróleo.
Para reforçar este ponto, Nobuo Tanaka, alto responsável da AIE,
durante a conferência disse ao
Financial Times
que esta convidara a China a aderir porque a procura global de petróleo
havia comutado para o Oriente. "A nossa relevância está em
causa", preocupou-se, pois a opacidade dos dados sobre a procura chinesa
de petróleo ameaça cegar a agência quanto ao verdadeiro
estado dos mercados mundiais do petróleo".
Outro tema chave foi uma evidente preocupação generalizada acerca
da volatilidade dos preços do petróleo. No fim da
conferência esperava-se que a AIE, a OPEP e o IEF anunciassem um
"plano de acção conjunta" para controlar a volatilidade
e assegurar que os preços permanecessem suficientemente estáveis
para encorajar nova produção.
Enquanto decorria o IEF, o presidente da Intercontinental Exchange (ICE) disse
à Reuters que culpar os especuladores pela altas de preços era
uma "muleta" utilizada a fim de evitar olhar para as realidades da
oferta e procura de petróleo. Como expliquei em Julho de 2009, os
traders
voltaram-se para o ICE para contornar os limites de posição mais
estritos do NYMEX. A Commodity Futures Trading Commission (CFTC) propos agora
novas regulamentações para limitar a influência de
especuladores nos mercados de energia, as quais estão abertas ao
comentário público até 26 de Abril
Você (ainda) não consegue manipular a verdade
De qualquer ponto de vista, Março foi um mês decisivo para a
verdade acerca do Pico Petrolífero.
As estimativas sobre a temporização do Pico estreitaram-se
dramaticamente e agora centram-se no período de tempo entre 2012 e 2015.
A amplitude de estimativas sobre a taxa do pico de produção
permanece um tanto mais vasta e envolvidas em ressalvas, mas elas estão
rapidamente a desenhar-se mais próximas dos 90 mb/d. E em média
global, as taxas de declínio anual pós-pico estão a
estabelecer-se em torno dos 2%.
Por outras palavras, a indústria e os governos parecem estar a
aproximar-se
do que tenho afirmado desde o princípio: 2012, a 90 mb/d ou
menos, declinando então a cerca de 2,5% ao ano.
Sabemos agora que a indústria do petróleo e do gás, bem
como os governos do mundo, estão não só conscientes da
ameaça do Pico Petrolífero... como também profundamente
preocupadas com ela.
Suficientemente preocupados para se juntarem atrás de portas fechadas,
longe da imprensa.
Suficientemente preocupados para formularem planos a fim de controlar a
volatilidade do preço.
Suficientemente preocupados para agitarem a favor de dados mais transparentes.
Suficientemente preocupados para começarem a planear um futuro de
declínio
implacável da energia.
Mas não suficientemente preocupados para contar a verdade ao povo
americano... ainda não.
16/Abril/2010
O original encontra-se em
http://www.energyandcapital.com/articles/governments-peak-oil-part-2/1122
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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