Por que os governos não falam do pico do petróleo?
Ou por que eles enterram as cabeças na areia?
Do ponto de vista da energia o comboio está prestes a descarrilar. Mas
parece que, a nível mundial, os políticos não fazem a
menor ideia da escala do problema
Os governos e os organismos
multilaterais foram incapazes de reconhecer a iminência e a escala da
redução global do petróleo, e a maior parte deles
mantém-se totalmente despreparada para as suas consequências.
[1]
Quem quer que esteja consciente do pico do petróleo não pode
deixar de se interrogar (pelo menos por momentos) porque é que os
governos mundiais parecem estar a ignorar a questão. O silêncio
oficial é difícil de entender à luz do facto de que a IEA
[International Energy Agency N.T.] tomou assumidamente
posição por um provável pico por volta de 2030, enquanto
que Fatih Birol (o economista chefe da agência) sugere que é mais
provável um 'plateau' a partir de 2020, ou até mesmo antes
uma afirmação recentemente publicada na influente revista
The Economist.
[2]
Como assinala o Conselho de Investigação da Energia do Reino
Unido, "O crescente debate popular sobre o 'pico do petróleo' tem
tido uma influência relativamente pequena no discurso político
convencional. Por exemplo, o governo do Reino Unido raramente menciona a
questão em publicações oficiais e
'não sente
a necessidade de estabelecer planos de contingência especificamente para
a eventualidade de os abastecimentos de petróleo atingirem o pico entre
o presente e 2020'."
[3]
O relatório assinala que "o Reino Unido é um dos muitos
países que não atribuem uma atenção séria a
este risco".
[4]
Mas será que os governos estão realmente a ignorar o pico do
petróleo? Não têm consciência dele? Ou têm
consciência e estão a dar passos para tratar disso apesar
de se manterem silenciosos em público? Será que, o seu
silêncio é em si mesmo uma opção política?
Esta nota de investigação é uma tentativa de delinear a
gama de razões para o silêncio dos governos sobre o pico do
petróleo. Podemos observar essas razões ao longo de uma
sequência contínua, desde a ignorância ("não
sabemos"), passando pela descrença, até ao silêncio
conspiratório ("sabemos muito bem, e temos planos, mas não
os revelamos a ninguém"). Este artigo analisa algumas das ideias
mais comuns no que se refere à falta de atenção dos
governos em relação a esta questão, na esperança de
estimular comentários dos leitores sobre qual será o
cenário mais plausível à luz dos indícios
disponíveis.
É preciso assinalar que não são só os governos que
ignoram o pico do petróleo. Conforme fizeram notar Charlie Hall e John
Day, os problemas em relação à população e
aos recursos "quase desapareceram, pelo menos até há muito
pouco tempo, da maior parte da discussão pública, das
análises dos jornais e dos currículos universitários. O
nosso sentimento geral é que actualmente pouca gente se preocupa com
estas questões
Até mesmo os ecologistas deixaram de se
preocupar sobretudo com os recursos para se concentrarem, certamente com toda a
razão, nas diversas ameaças à biosfera e à
biodiversidade. Raramente se referem à equação dos
números relativos a recursos básicos/seres humanos que era o
ponto central dos antigos ecologistas".
[5]
Assim, os governos não estão sozinhos quando evitam a
questão das restrições de recursos em geral, e do pico do
petróleo em particular. Mas, dado que na década passada apareceu
um discurso bem estruturado sobre o pico do petróleo, porque é
que eles continuam a não a falar sobre isso?
EXPLORANDO A GAMA DE POSSIBILIDADES
Os governos pura e simplesmente não "têm conhecimento"
Os políticos e os burocratas são gente atarefada, que podem ter
poucas oportunidades de explorar as questões em profundidade, e
principalmente nos sistemas parlamentares a maior parte das vezes os ministros
não são especialistas das suas pastas. Por isso podem não
estar conscientes quanto à possibilidade do pico do petróleo,
porque não passaram o tempo necessário a ler as discussões
ou a olhar para os dados por detrás das afirmações de que
a produção do petróleo está prestes a atingir (ou
já atingiu) o seu pico. Esta visão da situação
parece ser comum entre os que continuam os seus esforços para mobilizar
os funcionários locais, e que também têm que se dedicar a
uma série de problemas: convencer esses funcionários da
importância do pico do petróleo parece ser necessário e
eficaz. A nível nacional, poderíamos pensar que os burocratas e
os dirigentes estão conscientes da situação, mas ainda
há quem considere que o problema é a ignorância. Conforme
sugere o escritor 'Heading Out', que escreve no website Oil Drum, o
Departamento de Energia dos EUA parece ter pouca preocupação
quanto às restrições do abastecimento, e "o
secretário [da Energia] parece lamentavelmente inconsciente da
fragilidade subjacente da situação do abastecimento de
energia".
[6]
Richard Heinberg e Julian Darley gravaram uma excelente palestra para os
políticos, que parece destinada a uma audiência muito longe do
problema ou do seu âmbito.
[7]
Eles estão profundamente comprometidos com a economia neoclássica
Mas a informação, só por si, nem sempre é
suficiente para o convencimento. Os políticos e os burocratas, entre
outros, podem estar comprometidos com uma forma de pensamento que assegura a
sua ignorância do pico do petróleo. Uma formação (ou
fé) excessiva na economia neoclássica, por exemplo, pode fazer
com que uma pessoa leve a sério a conhecida sugestão de Robert
Solow de que "na verdade, o mundo consegue avançar com os recursos
naturais". Este ponto de vista representa o que parece ser uma fé
praticamente inquebrantável na tecnologia e na capacidade do mecanismo
do mercado para fornecer substitutos para os serviços da energia dos
combustíveis fósseis, que estão em declínio.
Segundo parece, muitos funcionários acreditam, como o IEA há
muito defende, que mais investimentos levarão a uma maior
produção de petróleo, e que portanto não há
"limite físico quanto à disponibilidade de
petróleo" a curto prazo.
[8]
Claro que, com um investimento suficiente, o pico do petróleo pode ser
adiado até um certo ponto, durante algum tempo mas
mantém-se a incerteza quanto à disponibilidade desse investimento
(dada a crise económica) ou quanto ao seu aparecimento (dada a
volatilidade de preços e factores superficiais).
Eles estão afastados do reconhecimento devido a preconceitos cognitivos
A fé no mercado pode ser alimentada por mecanismos naturais de fuga ou
negação que nos impossibilitam de reconhecer quaisquer
possíveis roturas na nossa prosperidade. Nate Hagens argumentou
"que, apesar dos factos, demonstramos determinados preconceitos cognitivos
que nos impedem de agir sobre assuntos complexos ou assustadores para
além das realidades do nosso dia a dia".
[9]
Esta categoria inclui a noção de "dissonância
cognitiva" e outros factores psicológicos que nos poupam a
preocupação de enfrentar factos ou "verdades"
difíceis, incluindo o da nossa própria mortalidade. A dificuldade
desviante de acreditar, ou de perceber, como consequente uma imagem como o Pico
de Hubbert, é bem ilustrada por episódios passados com
propagandistas do pico de petróleo que relatam como frequente uma
reacção "vidrada" aos seus esforços para
apresentar a questão em salas de aulas, em assembleias municipais, a
ambientalistas, ou no bar local (aqui com muito cuidado).
Claro que é compreensível que a maioria das pessoas sintam que
vivem uma boa vida, e gostam que esta imagem seja reforçada por
promessas de um futuro abundante. Albert Bartlett (1994) observou a
complacência generalizada quanto ao futuro e escreve:
Haverá sempre optimistas tecnológicos populares e convincentes
que acreditam que os aumentos da população são bons, e que
acreditam que o espírito humano tem uma capacidade ilimitada para
encontrar soluções tecnológicas para todos os problemas do
excesso de população, da destruição do ambiente, e
da escassez de recursos. Esses optimistas tecnológicos normalmente
não são cientistas em biologia ou em física. Os
políticos e os homens de negócios tendem a ser ávidos
discípulos dos optimistas tecnológicos.
[10]
Portanto, aceitemos que o pessoal do governo possa, tal como todos nós,
não gostar de ouvir más notícias e tenda a desviar a
atenção para as boas notícias. (Os leitores de Oil Drum
são sem dúvida uma excepção).
Eles foram mal orientados pela EIA e pela IEA
Há quem afirme que este desinteresse, baseado no mercado, quanto ao pico
do petróleo, em parte é culpa dos organismos governamentais de
energia e de recursos, que tendem a ser dominados pelos economistas. A
Administração de Informações de Energia [EIA] e a
IEA dos EUA são dois desses organismos que têm sido acusados
largamente de produzirem cenários optimistas inadequados quanto à
produção. Segundo Dave Hughes, "Uma das razões por
que os políticos, os apresentadores dos noticiários da
televisão e os colunistas dos jornais estão tão tranquilos
quanto ao nosso futuro energético é que as pessoas de quem
recebem as informações também são igualmente
obstinadas
[A EIA e a IEA] descrevem invariavelmente uma visão do
futuro que dificilmente se distingue da do passado".
[11]
Conforme assinala Global Witness, "Os governos e a indústria de
todo o globo acabaram por confiar em que
[a IEA] fornece uma base
consistente sobre a qual podem formular a sua política e traçar
os seus planos de negócios".
[12]
A publicação bandeira da IEA, o World Energy Outlook (WEO),
é amplamente acusada de fornecer afirmações excessivamente
optimistas no que se refere às tendências da
produção futura.
Mas, para sermos justos, o WEO também vem indicando há uma
série de anos que está iminente um pico na produção
convencional e, conforme já se referiu, Fatih Birol foi citado como
sugerindo que provavelmente ele chegará em 2020. O WEO da IEA
também tem alertado sistematicamente para que o abastecimento futuro
está dependente de um investimento adequado, e os seus avisos a este
respeito têm-se tornado mais incisivos nos últimos anos. Com
efeito, o WEO de 2009 calcula que o investimento na produção de
energia baixou cerca de 20% nalguns sectores: "As companhias
petrolíferas estão a perfurar menos poços de
petróleo e de gás, e a reduzir a utilização de
refinarias, oleodutos e centrais energéticas
A crise financeira
lançou uma sombra sobre a possibilidade de mobilizar todo o investimento
em energia necessário para satisfazer as necessidades energéticas
crescentes".
[13]
No entanto, o
Guardian
noticia que pessoas de dentro da IEA afirmam que a agência tem vindo a
exagerar sistematicamente as projecções de abastecimento futuro,
principalmente por pressão dos EUA.
[14]
A culpa é dos meios de comunicação
Sem dúvida que os meios de comunicação também
desempenham um papel importante, não só na educação
dos próprios políticos, mas também na
informação ao público de questões importantes,
ajudando assim a estabelecer as condições do debate
político. Mas os meios de comunicação não agarraram
na notícia do pico do petróleo de modo significativo (embora a
movimentação recente do
Guardian
inglês os possa ter posto na vanguarda). O Project Censored considerou o
pico do petróleo entre as suas "Top 25 Notícias Censuradas
de 2006".
[15]
Num exemplo flagrante, o
New York Times
parece ter ignorado completamente a publicação do WEO 2009,
assim como as revelações da semana anterior relativas às
denúncias sobre a IEA publicadas no
Guardian
. Em vez disso, o
Times
publicou uma notícia de um blog para relatar o cenário optimista
do CERA [Cambridge Energy Research Associates N.T.], intitulado
"Não Há Pico do Petróleo Antes de 2030, Diz um
Estudo".
[16]
Se, por um lado, há um conhecimento limitado das notícias sobre o
pico do petróleo nos principais jornais e canais de televisão,
também tem havido pouca persistência, de modo que, segundo parece,
espectadores e leitores distraídos podem acabar por "esquecer"
aquelas notícias até que elas surgem numa festa qualquer
("Ah, sim, ouvi falar nisso. Horrível, não é?").
A ausência de uma atenção continuada dos meios de
comunicação deixa o público muito mal informado,
permitindo assim "mais espaço do que é desejável para
que os políticos se esquivem, adiem ou façam marcha-atrás
nas políticas necessárias para singrar entre os perigos que
enfrentamos".
[17]
No entanto, o chamado "efeito CNN", ou seja a afirmação
de que as apresentações dos meios de comunicação
levam à exigência do público que, por sua vez, leva
à acção do governo, é quando muito inconclusivo. A
investigação indica que os meios de comunicação
são muito mais manobrados pelas preocupações dos governos
(e dos leitores) do que o contrário. Assim, os meios de
comunicação bem podem estar à espera de sinais que nunca
aparecerão. Por outro lado, os anunciantes também podem estar a
ser cautelosos quanto a tomar parte no aparecimento desta notícia,
contribuindo com mais uma razão para evitar a questão a favor de
negócios como é usual.
Têm conhecimento, mas não podem falar disso
Se partimos do princípio de que os organismos governamentais prestaram
real atenção às publicações da IEA, e
nalguns casos aos seus conselheiros, temos que abordar a outra extremidade do
espectro: Esta é uma visão dos políticos que os considera
como extremamente conscientes do pico do petróleo, mas simplesmente
não estão dispostos (ou não podem) discutir a
questão. Numa visão contrastante com a de 'Heading Out', foi
citado David Fridley, um antigo colega do secretário de Estado Chu, como
tendo dito que o secretário "sabe tudo sobre o pico do
petróleo, mas não pode falar disso. Se o governo anunciasse que o
pico do petróleo estava a ameaçar a nossa economia, a Wall Street
entrava em colapso. Ele não pode dizer nada sobre isso".
[19]
Sadad al-Husseini (antigo vice-presidente da Saudi Aramco) sugere que os
"que não andam a exprimir preocupações
[publicamente]
fazem-no com boas intenções: sentem que de
certa forma isto é uma realidade que o público em geral
não consegue aceitar
[que] é melhor ficar na
ignorância destas realidades do que conhecê-la
e que
há-de ser resolvida de uma maneira ou de outra. Mas o que é certo
é que, se não houver uma compreensão do público
para estas questões, nunca haverá apoio público para as
soluções
Por isso é importante que se fale mesmo
sobre os factos
"
[20]
Este ponto de vista sugere, pois, que os governos sabem mas mantêm-se
calados sobre o pico do petróleo porque o seu conhecimento é
considerado uma ameaça à estabilidade (económica,
emocional, social, política). São prudentes, certamente
mas o seu silêncio também se atravessa no caminho dos
esforços para preparar as pessoas e as economias para a
transição que se avizinha, e por isso aumenta a probabilidade de
que essa transição será feita como uma
reacção às circunstâncias que podiam ter sido
previstas e planeadas (ou mesmo evitadas).
Colin Campbell insistiu em que isto não é consequência de
nenhuma "grande conspiração": por exemplo, o
facto de
as companhias e os governos não anunciarem genericamente que "o Mar
do Norte acabou", é mais uma questão de "gestão
prática do dia a dia".
[21]
Mas isso não significa que os dirigentes não sejam conhecedores
das mudanças que se aproximam:
Campbell: "Penso que nos bastidores eles já começaram a
planear e a preparar-se perceptivelmente. Vejam as companhias
petrolíferas, por exemplo, estão a vender e a disponibilizar
cadeias comerciais secundárias, refinarias secundárias e por
aí afora, porque sabem muito bem que o abastecimento vai levar a uma
capacidade de refinação excedentária. Penso que ao
olharmos à nossa roda, o negócio da aviação
está a mudar radicalmente porque é muito dependente do
petróleo barato. Vemos mensagens ocultas que revelam a leitura correcta
de tudo isto, mas é uma coisa de que as pessoas realmente não
querem falar".
[22]
Estão a fazer tudo para evitar a questão
O crescente coro de notícias, websites e notícias dos meios de
comunicação relativas ao pico do petróleo forçou os
governos a resistir activamente à discussão da questão.
Por exemplo, as recentes tentativas do Partido Verde da Austrália para
reunir grupos de trabalho foram derrotadas no Senado nacional e na legislatura
estatal, embora nesta última por uma estreita margem.
[23]
Jeremy Leggett, que publicou o Relatório do Grupo de Trabalho da
Indústria do Reino Unido ("The Oil Crunch"
[24]
]), diz que, apesar de "uma série de reuniões com gente
muito importante no governo", as tentativas para levar o governo
britânico a responder às preocupações do Grupo de
Trabalho tiveram pouco êxito. Com efeito, o governo parece ter tomado uma
decisão antecipadamente: o Grupo de Trabalho tinha inicialmente
convidado o Departamento do Comércio e da Indústria (DCI) para
dirigir o estudo como uma iniciativa conjunta indústria-governo. O DCI
respondeu, segundo noticiado, "e foram estas exactamente as palavras
utilizadas: 'seria demasiado arriscado fazer isso'. A
justificação era
basicamente, não há qualquer
risco, portanto para quê fazer uma avaliação do risco,
porque se o fizermos podemos assustar os cavalos desnecessariamente".
Por outro lado, o governo adoptou largamente a análise de Wicks que
(segundo Leggett) "não dá importância ao pico do
petróleo". Embora o Grupo de Trabalho se tenha reunido previamente
com os autores, a análise de Wicks não faz referência ao
Grupo de Trabalho e ignora todos os indícios e argumentos feitos pelo
Grupo de Trabalho nessa reunião. "Fiquei sem
respiração", diz Leggett. "É uma enorme
irresponsabilidade, e uma forma de traição aos interesses
nacionais, e penso que as pessoas envolvidas nisto ainda se irão
arrepender".
[25]
E se Leggett não estiver a par de tudo?
Eles estão em cima disso, não se preocupem
E se o silêncio sobre o pico do petróleo não é uma
traição aos interesses nacionais, mas uma opção
política com base nos interesses nacionais? E se, tal como Mike Ruppert,
aceitamos que há "factos conspirativos" e que o silêncio
sobre o pico do petróleo é um deles?
"A maioria das pessoas tem
uma opinião totalmente errada:
Essa opinião errada é a crença de que há uma
necessidade urgente de fazer com que os principais políticos e
dirigentes da vida americana e global se apercebam dos problemas imediatos do
Pico do Petróleo e do Gás Natural. Nada podia estar mais
deslocado. Há anos que os principais políticos mundiais têm
consciência desta crise e andam a fazer planos".
[26]
A afirmação de Ruppert é que os governos estão
informados, e estão a levar a coisa muito a sério: o que quer
dizer que eles não estão (como parece) a ignorar o pico de
petróleo de modo algum. Mas, na ausência de um discurso que revele
essa consciência, e que discuta os movimentos políticos que
estão a ser feitos para a enfrentar, como é que os investigadores
podem abordar a questão? Onde podemos encontrar indícios de que
os governos "andam há anos a fazer planos para esta crise"?
Uma coisa é clara: não podemos olhar para as
declarações dos actores políticos como reflexo do seu
conhecimento ou crenças no que diz respeito ao pico do petróleo
(ou a outras questões). O discurso político é uma
actividade, destinada a comover audiências: não é uma
janela fiável das mentes dos actores políticos. Por isso uma
visão mais realista diz que precisamos de olhar não para o que os
actores dizem, mas para o que fazem, e ver se a interpretação das
suas acções em resposta ao pico do petróleo resiste ao
escrutínio.
AS ACÇÕES FALAM MAIS ALTO DO QUE AS PALAVRAS
Aventuras no Médio Oriente
"A ideia de que a guerra com o Iraque não tem nada a ver com o
petróleo é simplesmente ridícula. Os EUA atacaram o Iraque
(que afinal não tinha armas de destruição maciça e
não andava a ameaçar outras nações), em vez da
Coreia do Norte (que está a desenvolver activamente um programa de armas
nucleares e se gaba das suas intenções de fazer ir pelos ares
toda a gente) porque o Iraque tinha uma coisa cobiçada. Num aspecto, e
só nesse, Bush e Blair andaram a fazer planos para o dia em que a
produção de petróleo atinja o pico, tentando assegurar as
reservas de outras nações". (George Monbiot, Dezembro 2003).
[27]
Já toda a gente reconhece que a primeira Guerra do Golfo foi "por
causa do petróleo", embora ainda haja muita gente que se agarre
à afirmação de que a segunda guerra, e a invasão e
ocupação do Iraque não foram por causa do petróleo.
O Capítulo 4 de
A festa acabou (The Party's Over),
de Richard Heinberg, abre com um
resumo de quatro páginas sobre as fases iniciais da guerra contra o
terrorismo: as ligações com o petróleo da
administração Bush, os planos pré-existentes para invadir
o Iraque, a plena evidência de que Bush & Ca. estavam bem informados
acerca do pico do petróleo (incluindo o facto de que tinham Matthew
Simmons na equipa), a conveniência de um 11/Set para justificar o
prosseguimento de uma política externa agressiva e relacionada com o
petróleo. A opinião de que a Guerra contra o Terrorismo em curso
tem a ver sobretudo com o petróleo é amplamente reconhecida
não só pelos muitos propagandistas do pico do petróleo
(Campbell, Heinberg), mas também por um número cada vez maior de
intelectuais académicos.
[28]
Sem surpresa, os EUA têm-se destacado sobretudo por uma
"consciência encoberta" do pico do petróleo. Em 1999, o
antigo vice-presidente Dick Cheney disse a uma audiência que o mundo iria
precisar do equivalente a cinco Arábias Sauditas para satisfazer a
procura estimada, e que "a taluda" continuava a ser os campos
petrolíferos do Médio Oriente.
[29]
Em Janeiro de 2008, Bush fez notar que não se podia pedir aos sauditas
que extraíssem mais petróleo se eles não tivessem
capacidade para tal, dando a entender que até ele tinha conhecimento dos
limites de produção no Reino do Petróleo.
[30]
(Teria andado a dar ouvidos a Matt Simmons?) Enquanto que a literatura oficial
sobre segurança nos EUA parece totalmente isenta de discussões
sobre o pico do petróleo
[31]
], a estreita correlação entre as preocupações da
política externa americana e as partes do mundo ricas em petróleo
sugere que há um lubrificante conhecido por detrás das recentes
movimentações naquilo a que Zbigniew Brzezinski chamava o
Grande
tabuleiro de xadrez,
e que outros consideram ser um Novo "Grande
Jogo".
Resposta ao colapso económico de 2008
Poucas dúvidas há de que a actual recessão/colapso foi em
parte instigada pelo pico do petróleo e pelos preços altos,
exacerbada por altos níveis de endividamento que deixou muitos
consumidores numa posição difícil para sobreviver num pico
de preços da energia.
[32]
Os que têm vindo a observar a chegada do pico do petróleo
há muito que tinham alertado para as suas consequências
económicas: Kenneth Deffeyes, em
The End of Suburbia
(2004), sugeriu que
o pico se iria traduzir em "sete milhões de milhões de
dólares varridos do mercado de acções;
eliminação de dois milhões de empregos; DESAPARECIMENTO
dos excedentes dos orçamentos estatais e municipais". Leggett deu
ao seu livro de 2005,
The Empty Tank,
um subtítulo de alerta:
A iminente catástrofe financeira global (The Coming Global Financial
Catastrophe).
[33]
No mesmo grau em que os governos têm estado conscientes do pico do
petróleo, também têm estado conscientes do
decréscimo das oportunidades de crescimento económico e da
probabilidade de um choque financeiro. A permissão dada pelos organismos
governamentais aos bancos e investidores para prosseguirem num capitalismo
carnavalesco incluindo a invenção de uma série de
novos instrumentos que dependiam de um crescimento contínuo (a fim de
servir a dívida de que eram feitos) também pode ser
encarada como uma espécie de plano secundário, dado que, se os
dirigentes estavam conscientes da crise iminente, podem ter pensado em criar
condições que a pudessem conter, pelo menos por algum tempo,
embora estivessem plenamente conscientes de que estavam a "destruir a
economia" e a comprometer as gerações futuras.
[34]
Para muita gente, a farra de empréstimos em curso, organizada como um
estímulo keynesiano, parece ser um esquema de prosperidade corporativa
totalmente insustentável que está a pesar sobre os ombros das
gerações vindouras. Se os governos estão conscientes de
que o velho jogo do capitalismo é insustentável nas
condições de uma energia em declínio, então o
futuro do capitalismo pelo menos nas condições actuais
torna-se bastante irrelevante. Nesse caso, talvez a única
coisa a fazer seja procurar ganhar o que quer que seja possível retirar
do sistema antes que surja uma mudança de regras radical. Se essas
vantagens se manterão com quaisquer novas regras que possam aparecer,
é uma questão que se mantém em aberto.
Isto não prenuncia boa coisa para a esperança de que os
dirigentes vão tomar decisões positivas no que se refere ao
futuro da energia: sugere que eles não vêem qualquer futuro (o que
de facto é verdade, naquele tipo de via de ciclo eleitoral de quatro
anos). Na medida em que possa haver um futuro, será de baixo carbono, e
quaisquer passos nessa direcção são certamente
indicações positivas de que os governos estão deveras a
dar passos para resolver a falta de segurança energética. Nos
últimos anos apareceu uma grande quantidade de programas, em parte como
resposta aos preços da energia, mas sobretudo pensados em termos da
redução de emissões. Os incentivos para a
produção de biocombustíveis, incluindo os níveis de
produção impostos pelo governo, podem ajudar a garantir algum
crescimento neste sector, que representa uma pequena contribuição
para o fornecimento de combustível líquido. A energia solar,
eólica e geotérmica contribuirão para o crescimento na
produção da electricidade, e uma série de estados europeus
estão a virar-se para a instalação de uma rede alargada
para transmissão de electricidade de baixo carbono.
[35]
Outros projectos, incluindo instalações solares maciças
no deserto do Sahara, podem contribuir muito para reduzir as
preocupações com o abastecimento de electricidade e ajudar a
ultrapassar uma transição energética. Mas é pouco
provável que sejam de grande utilidade para os problemas de
abastecimento de combustíveis líquidos.
Política "climática"
Podemos encontrar uma terceira resposta política relacionada com o pico
petrolífero nas in(acções) governamentais para
redução do aquecimento global
[NR]
. São diversos os passos para
abordar as emissões de carbono, mas segundo parece há muitos
governos que estão a dar prioridade aos programas de energia de baixo
carbono como alternativa aos combustíveis fósseis. Fatih Birol
afirmou recentemente ao Conselho das Relações Externas americano
a sua certeza de que os países em desenvolvimento estão
interessados em negociações climáticas e na
redução de emissões muito mais por razões de
segurança de energia do que por razões climáticas.
[36]
Diplomaticamente, não insinuou que os principais estados industriais
também podem estar a agir pelas mesmas razões.
Na medida em que os governos estão conscientes do pico do
petróleo, a mudança climática assume de facto uma face
apresentável para as necessárias acções
políticas. Apresentar esses esforços como respostas à
mudança climática encoraja os investimentos para a garantia de
energia, permitindo que sejam legitimados em bases ambientais bem
estabelecidas. Isto evita a dificuldade política de apresentar o pico do
petróleo e de recomendar políticas adequadas (e de explicar
porque é que não o fizeram mais cedo). Embora as
reduções propostas das emissões estejam em linha com os
ritmos de esgotamento, a agenda do aquecimento global é
voluntária, pelo que os homens podem continuar a fingir que controlam o
seu destino (e o do planeta). Quando a escassez dos combustíveis
fósseis começar a doer, a queda do abastecimento (MAU) pode ser
apresentada como uma redução de emissões (BOM?).
Além disso, os mercados do carbono que estão a aparecer
contribuem para uma nova "escassez" (direitos de
poluição) que pode substituir a escassez natural. Também
possibilitam o aumento de lucros, através do comércio de
emissões e do desenvolvimento energético, perante a crescente
escassez material, e estes podem ajudar a equilibrar a quebra de lucros da
indústria de combustíveis fósseis. Claro que os
benefícios recaem na classe dominante e o seu executivo pode ser
recompensado ou pelo menos preservado se seguir as suas ordens.
Esta tese, evidentemente, não está desligada das reflexões
sobre a crise financeira acima referida.
Conclusões
É óbvio que o pico do petróleo apresenta um enorme desafio
em termos de governação, um desafio que parece ter escapado ao
entendimento dos círculos políticos e governamentais. Isso
não significa que os estados e os seus dirigentes não estejam
conscientes do problema, embora possa haver muitas pessoas no governo que o
não estejam. Se os governos estão conscientes, como parece
provável, o seu silêncio pode significar que eles receiam que o
entendimento público da escala do problema possa gerar mais problemas do
que os que resolve. Pode significar que há uma alargada barreira
cognitiva para examinar o problema e as perspectivas, e (em parte como
consequência disso) não sabem exactamente o que fazer.
Contudo, também pode dar-se o caso de que estejam bem conscientes do
problema e na verdade estejam a desenvolver acções para o
solucionar; mas a natureza desagradável da resposta exige que as
verdadeiras razões das decisões sejam escondidas da vista. A
pilhagem do Iraque e do Afeganistão, toda a roubalheira ao
público para enriquecer as classes capitalistas, e a pretensão de
"salvar o planeta" e os ursos polares podem ser
encaradas como necessidades azarentas para as estruturas do poder que procuram
preservar-se em circunstâncias difíceis.
Se os actores políticos parecem estar a agir com pleno conhecimento do
pico petrolífero, o facto de não o discutirem é apenas
relevante na medida em que é um indício de que não o
discutirem faz parte da resposta política. (A ignorância é
uma força, ou uma coisa parecida). Mas, se enterrar a cabeça na
areia torna os desafios do pico petrolífero mais fáceis para os
governos para não falar em todos nós é o que
falta verificar.
Notas
[1]
Simon Taylor, citado em Ashley Seager, "Oil prices hit high but report
warns of supply crunch"
The Guardian
19 Octorber 2009,
http://www.guardian.co.uk
.
[2]
"The Peak Oil Debate: 2020 vision", Economist, December 10, 2009.
http://www.economist.com/businessfinance/displaystory.cfm?story_id=15065719
.
[3]
UKERC, "The Global Oil Depletion Report", 8 October 2009, p.1.
http://www.ukerc.ac.uk/support/tiki-index.php?page=Global+Oil+Depletion
, accessed December 1, 2009. Citing an FOI response, BERR, 2008. "Response
to FoI request, Ref 08/0091." Department of Business, Enterprise and
Regulatory Reform: London.
[4]
UKERC, "Oil Depletion report", p. 164.
[5]
Charles A.S. Hall and John W. day, Jr., "Revisiting the Limits to Growth
after Peak Oil",
American Scientist
97, May-June 2007, 230-237: 230.
[6]
"Dr. Chu, Dr. Aleklett, and the price of Oil", 22 November 2009,
http://www.theoildrum.com/pdf/theoildrum_5893.pdf
[7]
http://www.globalpublicmedia.org/peak_oil_for_policy_makers
[8]
Mr Glyde, do Australian Bureau of Agricultural and Resource Economics'
(ABARE), citado na pág. 23 do Matt Mushalik's Report Card 2008, em
http://www.crudeoilpeak.com/?p=403
.
[9]
Nate Hagens, "Peak Oil: Believe it or not?", publicado em 3 de
Novembro, 2007, em
http://www.theoildrum.com/node/3178
.
[10]
http://www.oilcrisis.com/Bartlett/reflections.htm
.
[11]
J. David Hughes, "The Energy Issue: A More Urgent Problem than Climate
Change?" in Thomas Homer-Dixon, ed., Carbon Shift: How the Twin Crises of
Oil Depletion and Climate Change Will Determine the Future (Random House of
Canada, 2009), 58-95, 60.
[12]
Global Witness, Heads in the Sand: Governments Ignore the Oil Supply Crunch
and Threaten the Climate, p. 36. Online em
http://www.globalwitness.org/media_library_detail.php/854/en/heads_in_th...
[13]
World Energy Outlook 2009, p.5. Todas as referências ao WEO podem ser
encontradas online em
http://worldenergyoutlook.org
.
[14]
Terry Macalister, "Key oil figures were distorted by US pressure, says
whistleblower", 9 November 2009.
http://www.guardian.co.uk/environment/2009/nov/09/peak-oil-international...
[15]
http://www.projectcensored.org/top-stories/articles/18-media-and-governm....
[16]
Jad Mouawad, "No Peak in Oil Before 2030, Study Says", New York
Times, 17 November 2009.
http://greeninc.blogs.nytimes.com/2009/11/17/no-peak-in-oil-before-2030-....
Obrigado ao leitor Phil por assinalar a selectividade do
Times.
[17]
Neil Gavin, "Global Warming and Peak Oil in the British Media: The Limits
of Policy Development", documento apresentado na Conferência sobre
Segurança Energética na Europa, Universidade de Lund,
Suécia, Setembro de 2007.
[18]
Piers Robinson, The CNN Effect: The myth of news, foreign policy and
intervention (Routledge, 2002).
[19]
Alastair Bland, "Cheer Up, It's Going to Get Worse",
http://www.bohemian.com/bohemian/06.17.09/feature-0924.html
[20]
ASPO.TV News, "Acknowledging the Reality of Peak Oil",
http://www.youtube.com/watch?v=cd7QGbNKxoQ
, December 10, 2009
[21]
Citado em Kunstler, 2005, 27.
[22]
Entrevista com Colin Campbell, 23 Set 2009, em
http://www.aspousa.org/index.php/2009/10/reflections-from-colin-campbell....
[23]
http://anz.theoildrum.com/node/5977; http://anz.theoildrum.com/node/5168
.
Graças a TOD used jaybee379 para a última ligação.
Uma análise cuidada da situação australiana continua a ser
efectuada por Matt Mushalik, em
http://www.crudeoilpeak.com/
.
[24]
Ver
http://peakoiltaskforce.net/
[25]
Jeremy Leggett, "Discussing the UK Industry Taskforce on Peak Oil and
Energy Security",
http://www.aspo.tv/discussing-the-uk-industry-taskforce-on-peak-oil-and-...
http://www.aspo.tv/discussing-the-uk-industry-taskforce-on-peak-oil-and-...
[26]
Michael C. Ruppert, "Government, Financial, and Political Awareness of
Peak Oil Prior to 2005: Five Rules for Survival of the Coming Collapse",
Discurso apresentado na New York Petrocollapse Conference, 5 de Outubro, 2005.
Online em
www.fromthewilderness.com/free/ww3/100405_petrocollapse_speech.shtml
, December 12 2009.
[27]
George Monbiot, "The Bottom of the Barrel", The Guardian, 2 December
2003.
http://www.monbiot.com/archives/2003/12/02/the-bottom-of-the-barrel/
[28]
Michael Klare tem sido o mais destacado. Ver o seu último Rising Powers
Shrinking Planet: The New Geopolitics of Energy (Holt, 2009). Campbell fala
abertamente da Crise do Petróleo (Multiscience Publishing, 2005), pp.
188-194.
[29]
Kjell Aleklett, "Dick Cheney, Peak Oil and the Final Count Down",
May 12 2004. Online em
http://www.peakoil.net/Publications/Cheney_PeakOil_FCD.pdf
.
[30]
"President Bush Questions Saudi Ability to Raise Oil Supply",
http://www.theoildrum.com/node/3514
.
[31]
Ver a excelente bibliografia de Rick Monroe da análise de
segurança relacionada com o pico do petróleo, em
http://www.energybulletin.net/node/50208
[32]
Este argumento foi proferido por James Hamilton e Jeff Rubin, entre outros.
Ver
http://www.theoildrum.com/node/4727
; ver também Heads in the Sand, p. 19.
[33]
Jeremy Leggett, The Empty Tank: Oil, Gas, Hot Air, and the Coming Global
Financial Catastrophe (Random House, 2005).
[34]
theautomaticearth.blogspot.com/2008/10/debt-rattle-october-9-2008-debts-no.html
[35]
Alok Jha, "Sun, wind and wave-powered: Europe unites to build renewable
energy 'supergrid'" The Guardian 3 de Janeiro, 2010.
http://www.guardian.co.uk/environment/2010/jan/03/european-unites-renewa...
[36]
http://www.cfr.org/publication/20837/world_energy_outlook_2009_video.html
[NR]
Ver
A impostura global
[*]
Investigador, pós-doutoramento na Universidade de
Waterloo, trabalha num livro sobre as
implicações de segurança do pico do petróleo,
escreve em The Oil Drum sob o nome de "Bioprospector".
O original encontra-se em
http://www.theoildrum.com/node/6100#more
. Tradução de Margarida Ferreira.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
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