Confissões de um ex-crente no Pico Petrolífero
por F. William Engdahl
[*]
A boa notícia é que cenários de pânico acerca de o
mundo ficar desprovido de petróleo dentro de algum tempo estão
errados
[NR]
. A má notícia é que o preço do petróleo
vai continuar a aumentar. O Pico Petrolífero não é o
nosso problema. A política é. As grandes companhias
petrolíferas querem manter preços altos. Dick Cheney e seus
amigos estão desejosos disso.
Como uma nota pessoal, investiguei questões do petróleo desde do
primeiro choque petrolífero na década de 1970. Em 2003 fiquei
intrigado com algo chamado teoria do Pico Petrolífero. Ela parecia
explicar a de outra forma inexplicável decisão de Washington de
arriscar tudo num movimento militar contra o Iraque.
Advogados do Pico Petrolífero, liderados pelo antigo geólogo da
BP Colin Campbell, e pelo banqueiro do Texas Matt Simmons, argumentaram que o
mundo enfrentava uma nova crise, um fim do petróleo barato, ou Pico
Absoluto do Petróleo, talvez em 2012, talvez em 2007. O petróleo
estava supostamente nas suas últimas gotas. Eles apontaram os nossos
preços crescentes da gasolina e do óleo, para os declínios
na produção do Mar do Norte e do Alasca e de outros campos como
prova de que estavam certos.
Segundo Campbell, o facto de não terem sido descobertos novos campos da
dimensão do Mar do Norte desde que a produção
começou ali no fim da década de 1960 era a prova. Ele
confirmadamente fez diligências para convencer a Agência
Internacional de Energia e o governo sueco. Isto, entretanto, não se
demonstrou correcto.
Intelectuais fósseis?
A escola do Pico Petrolífero baseia a sua teoria nos manuais de geologia
convencional do Ocidente, a maior parte de geólogos americanos ou
britânicos, os quais afirmam que o petróleo é um
'combustível fóssil', um resíduo biológico ou
detritos tanto de restos de dinossauros fossilizados ou talvez algas, portanto
um produto de oferta finita. A origem biológica é central para a
teoria do Pico Petrolífero, utilizada para explicar porque o
petróleo é encontrado apenas em certas partes do mundo onde foi
geologicamente retido milhões de anos atrás. Isto significaria
que, digamos, restos de dinossauros mortos foram comprimido e ao longo de mais
de dezenas de milhões de anos foram fossilizados e retidos em
reservatórios subterrâneos talvez a 4-6.000 pés [1,2-1,8
km] abaixo da superfície da Terra. Em casos raros, assim diz a teoria,
enormes quantidades de matéria biológica deveriam ter ficado
presas em formações rochosas em águas rasas do oceano no
Golfo do México ou Mar do Norte ou Golfo da Guiné. A tarefa da
geologia deveria ser apenas calcular onde jazem estes bolsões, chamados
reservatórios, nas camadas da terra dentro de certas bacias sedimentares.
Uma teoria inteiramente alternativa da formação do
petróleo tem existido desde o princípio da década de 1950
na Rússia, mas é quase desconhecida no Ocidente. Ela afirma que
a teoria convencional das origens do petróleo adoptada na América
é um absurdo não científico que é
improvável. Eles destacam o facto de que geólogos ocidentais
previram repetidamente o fim do petróleo ao longo do século
passado, só para encontrar mais, muito mais.
Esta explicação alternativa das origens do petróleo e do
gás não existiu apenas na teoria. A emergência da
Rússia e da antiga URSS como o maior produtor do mundo de
petróleo e gás natural foi baseada na aplicação da
teoria à prática. Isto tem consequências
geopolíticas de estarrecedora magnitude.
Necessidade: mãe da invenção
Na década de 1950 a União Soviética enfrentou o isolamento
da "Cortina de Ferro" imposto pelo ocidente. A Guerra Fria estava no
auge. A Rússia tinha pouco petróleo para alimentar a sua
economia. Descobrir suficiente petróleo internamente era uma prioridade
de segurança nacional de primeira importância.
Cientistas no Instituto de Física da Terra da Academia Russa de
Ciências e do Instituto de Ciências Geológicas da Academia
Ucraniana de Ciências começaram uma investigação
fundamental no fim da década de 1940: de onde vem o petróleo?
Em 1956, o Prof. Vladimir Porfiryev anunciou as suas conclusões:
"O petróleo bruto e o gás natural de petróleo
não têm conexão intrínseca com matéria
biológica originada próximo à superfície da terra.
Eles são materiais primordiais os quais têm sido expelido de
grandes profundidades. Os geólogos soviéticos viraram a ortodoxa
geologia ocidental de pernas para o ar. Eles denominaram a sua teoria da
origem do petróleo de teoria "abiótica"
não biológica para distingui-la da teoria ocidental das
origens biológicas.
Se eles estão correctos, a oferta de petróleo na terra seria
limitada apenas pela quantidade de hidrocarbonetos orgânicos presentes na
terra no tempo da sua formação. A disponibilidade de
petróleo dependeria apenas de tecnologia para perfurar poços
ultra-profundos e explorar regiões internas da terra. Eles
também perceberam que antigos campos de petróleo podiam ser
ressuscitados a fim de continuar a produzir, os chamados campos
auto-renovadores. Argumentaram que o petróleo é formado
profundamente na terra, formado em condições de temperatura e
pressão muito elevadas, como aquelas requeridas para a
formação de diamantes. "O petróleo é um
material primordial de origem profunda que é transportado a alta
pressão através de processos eruptivos "frios" dentro
da crosta da terra", declarou Porfiyev. Sua equipe afastou a ideia de que
petróleo é resíduo biológico de plantas e restos de
animais fosseis, considerando-a como uma brincadeira destinada a perpetuar o
mito da oferta limitada.
A desafiar a geologia convencional
Esta abordagem científica dos russos e ucranianos, radicalmente
diferente, permitiu à URSS desenvolver enormes descobertas de gás
e petróleo em regiões anteriores consideradas inadequadas para a
presença de petróleo, de acordo com as teorias de
exploração geológica ocidentais. A nova teoria do
petróleo foi utilizada no princípio da década de 1990, bem
após a dissolução da URSS, para perfurar em busca de
petróleo e gás numa região que durante mais de 45 anos
acreditava-se ser geologicamente estéril a Bacia Dnieper-Donets,
na região entre a Rússia e a Ucrânia.
A seguir à sua teoria abiótica ou não-fóssil das
origens profundas do petróleo, os geofísicos e químicos
russos e ucranianos começaram uma análise pormenorizada da
história tectónica e estrutura geológica do subsolo
cristalino da Bacia do Dnieper-Donets. Após uma análise
tectónica e estrutural da área, eles efectuaram
investigações geofísicas e geoquímicas.
Um total de 61 furos foi efectuado, dos quais 37 eram comercialmente
produtivos, uma taxa de êxito extremamente impressionante quase da ordem
do 60 por cento. A dimensão do campo descoberto compara-se com a da
Vertente Norte do Alasca. Em contraste, as perfurações
americanas eram consideradas um êxito com uma taxa de sucesso de 10 por
cento. Nove em cada dez furos são tipicamente "buracos secos".
Aquela experiência da geofísica russa em descobrir petróleo
e gás foi duramente encoberta no habitual véu soviético de
segurança do Estado durante a era da Guerra Fria, e permaneceu
amplamente desconhecida para os geofísicos ocidentais, que continuaram a
ensinar as origens fósseis do petróleo e, portanto, os severo
limites físicos do mesmo. Lentamente, bem após o início
da guerra do Iraque em 2003, no Pentágono começaram a entender
algumas estratégias e que os geofísicos russos podem ser algo de
profunda importância estratégica.
Se a Rússia tem o know-how cientifico e a geologia ocidental não,
a Rússia possui uma carta trunfo estratégica de extrema
importância geopolítica. Não foi surpreendente que
Washington passasse a erguer uma "parede de aço" uma
rede de bases militares e escudos balísticos anti-mísseis em
torno da Rússia, a cortar o seu pipeline e portos de
ligação com a Europa ocidental, a China e o resto da
Eurásia. O pior pesadelo de Halford Mackinder uma
convergência cooperativa de interesses mútuos de grandes estados
da Eurásia, nascida da necessidade de petróleo para alimentar o
crescimento económico estava a emergir. Ironicamente, foi a
desavergonhada captura americana das vastas riquezas petrolíferas do
Iraque e, potencialmente, do Irão, que catalizaram uma
cooperação mais estreita entre tradicional adversários
euroasiáticos, a China e a Rússia, e uma crescente
percepção na Europa ocidental de que as suas opções
estavam a reduzir-se.
O rei pico
A teoria do Pico Petrolífera tem base num documento de 1956 elaborado
pelo falecido Marion King Hubbert, um geólogo do Texas a trabalhar para
a Shell Oil. Ele argumentou que os poços de petróleo produziam
de acordo com um curva em sino, e que uma atingido o "pico" o
declínio era inevitável. Previu que a produção
petrolífera dos Estados Unidos atingiria o pico em 1970. Como homem
modesto, denominou a curva de produção que inventara como Curva
de Hubbert e o pico como Pico de Hubbert. Quando a produção
americana de petróleo começou a declinar em torno de 1970 Hubbert
ganhou uma certa fama.
O único problema era que o pico foi atingido não devido ao
esgotamento do recurso nos campos americanos. Foi atingido porque a Shell,
Mobil, Texaco e os outros parceiros da Saudi Aramco estavam a inundar o mercado
americano com importações baratíssimas do Médio
Oriente, sem tarifas, a preços tão baixos que muitos produtores
da Califórnia e do Texas não puderam competir e foram
forçados a fechar os seus poços.
O êxito no Vietnam
Enquanto as multinacionais americanas do petróleo estavam ocupadas a
controlar os grandes campos facilmente acessíveis da Arábia
Saudita, Kuwait, Irão e outras áreas de petróleo barato e
abundante durante a década de 1960, os russos estavam ocupados a testar
a sua teoria alternativa. Eles começaram a furar numa região
supostamente estéril da Sibéria. Ali desenvolveram 11 grandes
campos petrolíferos e um campo Gigante com base nas suas profundas
estimativas "abióticas". Furaram num maciço rochoso
cristalino e obtiveram ouro negro numa escala comparável ao da Vertente
Norte do Alasca.
Foram então para o Vietnam, na década de 1980, e ofereceram-se
para financiar custos de perfuração a fim de mostrar que a sua
nova teoria geológica funcionava. A companhia russa Petrosov perfurou o
campo offshore do Tigre Branco numa rocha basáltica a uns 17 mil
pés [5,18 km] e extraiu 6000 barris por dia de petróleo a fim de
alimentar a economia do Vietnam. Na URSS, geólogos russos preparados na
teoria abiótica aperfeiçoaram os seus conhecimentos e a URSS
emergiu como o maior produtor de petróleo do mundo em meados da
década de 1980. Poucos no ocidente entender o porque, ou incomodaram-se
a indagar.
O dr. J. F. Kenney é um dos poucos geofísicos ocidentais que
estudou e trabalhou na Rússia, estudando com Vladilen Krayushkin, que
desenvolveu a enorme Bacia Dnieper-Donets. Kenney contou-me, numa entrevista
recente, que "só para produzir a quantidade de petróleo
extraída até à data no campo de Ghawar (Arábia
Saudita) teria exigido um cubo de detritos de dinossauros fossilizados,
assumindo uma eficiência de conversão de 100%, medindo 19 milhas
[30,58 km] de lado". Em suma, um absurdo.
Os geólogos ocidentais não se incomodam em apresentar provas
científicas das origens fósseis. Eles meramente afirmam-nas como
uma verdade sagrada. Os russos produziram volume de documentos
científicos, a maior parte em russo. As publicações
dominantes no ocidente não têm interesse em publicar uma
visão tão revolucionária. Carreiras e profissões
académicas inteiras estão em causa afinal de contas.
Fechando a porta
A prisão em 2003 do russo Mikhail Khodorkovsky, da Yukos Oil, teve lugar
pouco antes de ele tentar vender uma participação dominante na
Yukos à ExxonMObil depois de Khodorkovsky ter tido uma reunião
privada com Dick Cheney. Tivesse a Exxon obtido a participação,
ela teria conseguido o controle dos maiores recursos humanos do mundo em
geólogos e engenheiros treinados nas técnicas abióticas de
perfuração profunda.
A partir de 2003 a participação russa do seu conhecimento
científico diminuiu acentuadamente. Ofertas do princípio da
década de 1990 para partilhar seu conhecimento com os EUA e outros
geofísicos do petróleo foram recebidas com uma
rejeição firma segundo geofísicos americanos envolvidos.
Por que então a guerra de alto risco para controlar o Iraque. Durante
um século os EUA e aliados ocidentais tem controlado o mundo
através do controle da Arábia Saudita ou do Kuwait ou da
Nigéria. Hoje, quando muitos campos gigantes estão a declinar,
as companhias encaram os campos petrolíferos controlados pelo estado do
Iraque e do Irão como a maior base remanescente de petróleo
fácil e barato. Com a enorme procura de óleo da China e agora da
Índia, torna-se um imperativo geopolítico para os Estados Unidos
tomarem o mais depressa possível o controle militar directo daquelas
reservas do Médio Oriente. O vice-presidente Dick Cheney veio da
Halliburton Corp., a maior companhia de serviços geofísicos de
petróleo do mundo. A única ameaça àquele controle
americano do petróleo acontece estar dentro da Rússia e com os
agora gigantes energéticos russos controlados pelo estado. Hmmmm.
Segundo Kenney, os geofísicos russos utilizaram as teoria dos brilhante
cientista alemão Alfred Wegener mais de 30 anos antes de os
geólogos ocidentais "descobrirem" Wegener durante a
década de 1960. Em 1915 Wegener publicou o texto seminal, "A
origem dos continentes e dos oceanos", o qual sugeria uma massa de terra
unificada original ou "pangea" mais de 200 milhões de anos
atrás, a qual separou-se nos actuais continentes por aquilo que
denominou Deriva dos Continentes.
Na década de 1960, supostos cientistas americanos como o Dr. Frank
Press, conselheiro científico da Casa Branca, referiram-se a Wegener
como "lunático". Geólogos no fim daquela foram
forçados a comer as suas palavras pois Wegener apresentou a única
interpretação que lhes permitiu descobrir os vastos recursos
petrolíferos do Mar do Norte. Talvez dentro de algumas décadas
geólogos ocidentais repensem a sua mitologia das origens fósseis
e percebam o que os russos já sabem desde a década de 1950.
Enquanto isso Moscovo segura um poderoso trunfo energético.
26/Setembro/2007
[NR] A teoria da origem abiótica do petróleo é
extremamente atraente. Ela é explicada pelo físico Thomas Gold
numa obra já editada em português: "A biosfera profunda e
quente" (Ed.
Via Óptima
, Porto, Março de 2007, 238 pgs., ISBN 978-972-9360-32-9).
Contudo, a aceitação da teoria abiótica não implica
que
não se verifique um Pico Petrolífero. Com efeito, de acordo com
esta teoria, a migração de hidrocarbonetos de camadas profundas
da Terra é lenta. Assim, a possível renovação
(replenishment)
dos campos de petróleo já existentes seria sempre a uma taxa
muito inferior à da produção (ou, mais precisamente, da
extracção). O mesmo se pode dizer em relação
à futura possível descoberta de novos campos, em sítios
até agora não considerados pelos geólogos convencionais.
Mesmo admitindo a hipótese da existência de campos gigantes
ainda desconhecidos, decorreriam décadas
até as suas eventuais descobertas, dimensionamentos, desenvolvimentos e
colocações em produção. Este lapso de tempo nada
tem a ver com a presente aflição mundial por petróleo,
agora que a produção do petróleo convencional já
equaliza o consumo (84 milhões barris/dia) e praticamente já
não existe capacidade de reserva. A aflição que agora se
inicia está para perdurar, aceite-se ou não a origem
não-fóssil do petróleo.
Aparentemente, o autor deste
artigo só agora descobriu a teoria abiótica e deixou-se
deslumbrar pela mesma: tirou uma conclusão precipitada de uma teoria
que pode ser correcta. De um ponto de vista antropocêntrico a escassez
é uma realidade que não se compadece com teorias, por mais
cientificamente estimulantes que sejam. Do ponto de vista geofísico, a
Curva de Hubbert é traçada considerando volumes de
produção/já produzido e reservas provadas,
prováveis e possíveis (mas com possibilidade quantificada)
à luz dos conhecimentos existentes. Assim, a teoria abiótica
não desmente o Pico de Hubbert na melhor das hipóteses
poderia atrasá-lo. Seja como for, este artigo de Engdahl parece algo
superficial e contem numerosas imprecisões/incompreensões, como a
afirmação de que "a origem biológica é central
para a teoria do Pico Petrolífero". Alterar ou caricaturar as
ideias de um oponente a fim de contestá-lo significa falha de rigor
na argumentação. JF
Ver também:
A resolução do paradoxo do petróleo
, capítulo 5 do livro
A biosfera profunda e quente
, de Thomas Gold.
Théorie russo-ukrainienne de l'origine abiotique profonde du pétrole
(Teoria russo-ucraniana da origem abiótica profunda do petróleo)
[*]
Autor de A Century of War: Anglo-American Oil Politics and the New World Order,
Pluto Press Ltd. Contacto:
www.engdahl.oilgeopolitics.net
.
O original encontra-se em
http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=6880
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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