Por um Imposto sobre Transacções Financeiras
O senador Bernie Sanders que se considera um "socialista" e
está a fazer campanha com algum êxito pela nomeação
como candidato do Partido Democrático nas próximas
eleições presidenciais dos Estados Unidos, saiu-se com uma
proposta de um Imposto sobre Transacções Financeiras, cujas
receitas serão utilizadas para tornar a educação em
faculdades gratuita para todos os estudantes em instituições
públicas. Uma vez que desta vez a campanha no interior do Partido
Democrático está a centrar-se no controle sobre a Wall Street, a
proposta de Sanders, que a afecta directamente, adquire grande significado.
Um Imposto sobre Transacções Financeiras tem afinidade com um
imposto sobre vendas de "commodities financeiras". Isto pode cobrir
um vasto conjunto de transacções financeiras, desde
serviços bancários a transacções com moeda
estrangeira, acções, derivativos e commodities de
"futuros". Destes, o imposto sobre transacções no
mercado de acções, como distintas de outras
transacções, incluindo transacções de divisas sobre
as quais o conhecido economista James Tobin sugerira há alguns anos
cobrar um imposto para restringir a actividade especulativa, é o que
está actualmente a atrair a atenção devido ao seu maior
potencial para a geração de receita. E é com isto que me
preocuparei, no que se segue.
Tal como no caso de quaisquer impostos sobre vendas, as taxas de imposto sobre
transacções no mercado financeiro irão naturalmente variar
conforme os activos. Mas tem sido estimado que mesmo se as vendas de
acções forem tributadas a uma percentagem nominal de 0,1 por
cento e as de derivativos a uma ainda mais minúscula percentagem de 0,01
por cento, então, nos Estados Unidos, a receita gerada será de
US$130 mil milhões em um ano e de US$1,5 milhão de milhões
ao longo de uma década, o que é uma soma enorme.
A ideia de utilizar receitas de impostos sobre transacções
financeiras para despesas de bem-estar social tem sido discutida a fundo desde
há algum tempo. Alguns sugeriram mesmo um imposto sobre
transacções financeiras globais para atender as necessidades de
saúde em países subdesenvolvidos e outros argumentaram em favor
de um esquema de pensões de velhice global pago por um imposto global
sobre transacções financeiras.
Mas um imposto sobre transacções financeiras é advogado
não apenas devido ao seu potencial de receitas. Supõe-se que ele
também reprima flutuações amplas no mercado de
acções, ao eliminar todo um conjunto de negócios de curto
prazo, os quais não só são extremamente inflados em
relação à economia real nas economias capitalistas
contemporâneas como em comparação estão mesmo a
crescer mais rapidamente. Aparentemente, mesmo o FMI agora acredita que um
sector financeiro demasiado inflado actua como um travão à taxa
de crescimento da economia real e inclina-se a favor de uma
redução da sua dimensão relativa. Um imposto sobre
transacções financeiras pode ser um instrumento para
alcançar este objectivo.
OLIGARQUIAS CORPORATIVO-FINANCEIRAS OPÕEM-SE À PROPOSTA DE IMPOSTO
Como era de esperar, tais propostas de imposto invariavelmente despertaram
oposição maciça das oligarquias corporativo-financeiras de
todo o mundo. Mesmo na Índia, quando um imposto sobre
transacções de acções foi introduzido, e isso com
uma taxa absurdamente modesta, ele ainda desperta tal hostilidade que a taxa
teve de ser reduzida ainda mais. Também nos Estados Unidos, a proposta
de Bernie Sanders provocou uma vasta condenação dos porta-vozes
das corporações, os quais repetiram números absurdos e sem
base sobre quanto a taxa de crescimento da economia estado-unidense sofreria se
um tal imposto fosse aplicado.
Mas deixando de lado tal exagero, o cerne do argumento dos oponentes do imposto
sobre transacções financeiras é como se segue: o argumento
para o imposto com base na receita, eles mantêm, contradiz o argumento
para o imposto baseado no "efeito estabilizador", isto é, se o
imposto realmente tiver êxito em reduzir a especulação e
transmitir estabilidade ao sistema, então ele não renderia muita
receita. Isto porque a estabilidade pode ser introduzida só
através de uma redução do número de
transacções que se verificam no presente. Mas se houver uma tal
redução no número de transacções
então a base do imposto contrai-se em correspondência e, assim, a
receita fiscal. Segue-se portanto que os benefícios do imposto
são muito exagerados pelos seus proponentes. E uma vez reconhecido este
facto, e a modéstia dos mesmos benefícios enfatizada pelos seus
proponentes, então tal imposta cessa de ser uma medida valiosa em vista
dos seus efeitos indubitavelmente adversos sobre o incentivo dos capitalistas a
investir ("espíritos animais").
Este argumento é semelhante àquele que se encontra na defesa dos
impostos indirectos sobre commodities, nomeadamente que se a taxa do imposto
indirecto for aumentada no caso de alguma commodity particular para
desestimular o seu consumo, então ela não pode ser
simultaneamente advogado como uma medida destinada a gerar receita.
Contudo, tal argumento baseia-se numa falácia lógica. Suponha-se,
como tem sido estimado para os Estados Unidos, que a elasticidade-preço
da procura por commodities financeiras é a unidade, o que significa que
se o custo de transacções financeiras for duplicado então
o volume de transacções é cortado pela metade, deixando
intacto o valor total das transacções. Agora, vamos supor que um
Imposto sobre Transacções Financeiras
duplique
o custo das mesmas, isto é, enquanto activos financeiros no valor de
Rs100 cada foram vendidos na quantidade das 100 unidades anteriores, com um
valor total de vendas montando a Rs10.000, agora o imposto aumenta o custo de
cada activo para Rs200, devido ao que o volume de activos transaccionados desce
para 50, com o valor das vendas totais permanecendo nos Rs10.000 como antes.
Nesta nota situação, contudo, ainda haveria Rs5.000 de receita
fiscal gerada (isto é, Rs100 vezes 50),
o que significa que houve uma queda substancial no volume de
transacções e ainda um aumento na arrecadação de
receita fiscal.
A falácia de que acabo de falar surge devido a uma confusão entre
a elasticidade da procura em relação à taxa de imposto e a
elasticidade da procura em relação ao preço da commodity
financeira. Mesmo quando esta última é unitária, a
primeira não é. Isto acontece porque o imposto é apenas um
componente, e um componente menor, do preço total. Portanto, mesmo
quando uma ascensão no preço por causa do imposto leva a uma
queda equi-proporcionada na quantidade procurada, isto leva a uma queda menos
do que equi-proporcionada em comparação ao aumento na taxa de
imposto. Eis porque a magnitude da receita fiscal aumenta com um aumento na
taxa do imposto.
A oposição do capital financeiro a uma Taxa sobre
Transacções Financeiras, portanto, não é baseada em
quaisquer argumentos válidos: ela surge pelas mesmas razões da
sua oposição ao Imposto sobre Transacções de
Divisas ou à Taxa Tobin, nomeadamente que
está interessada na especulação
ao passo que todos estes impostos são destinados precisamente a reduzir
a especulação.
John Maynard Keynes, o famoso economista britânico do século XX,
argumentou que o mercado capitalista é intrinsecamente incapaz de
distinguir entre "empresa" e "especulação",
os quais ele definiu respectivamente como comprar um activo para
"manter" e compra um activo para vender amanhã. É esta
incapacidade que, segundo ele, constituía o fracasso do mercado. E ele
advogou medidas que reduziriam o impacto da especulação sobre a
actividade económica. O problema, contudo, é que o capital
financeiro está interessado na especulação. E uma vez que
qualquer coisa que reduza o impacto da especulação sobre a
economia real
ipso facto
também reduz a especulação
per se,
ele opõe-se a tais medidas. Isto explica sua hostilidade ao Imposto
sobre Transacções Financeiras.
UTILIZAÇÃO POTENCIAL PARA DESPESAS COM BEM-ESTAR SOCIAL
O potencial para utilizar este imposto para despesas com bem-estar social na
Índia já foi discutido num artigo anterior (
People's Democracy,
01/Novembro/2015). Para recapitular o argumento, os recursos
adicionais
necessários para um plano de cobertura universal da saúde
pública na Índia é cerca de 1,8 por cento do PIB. O valor
das transacções diárias no mercado indiano de
acções nos últimos meses tem estado em torno dos Rs2
lakh crores
. Isto significa que um imposto de 0,37 por cento sobre
transacções no mercado de acções, o qual é
ainda mais baixo do que o imposto de 0,5 por cento sugerido por James Tobin
sobre transacções de divisas, será perfeitamente
suficiente para a Índia financiar um esquema público de cobertura
universal de saúde.
A oposição a este plano na Índia, o qual será
imensamente benéfico para os milhões de pobres no país,
tal como o plano de Sanders nos Estados Unidos, vem da oligarquia
corporativo-financeira. Isto naturalmente é expectável, pois se
reformas orientadas para o bem-estar social com magnitude de grande alcance
pudessem ser efectuadas "pacificamente" sob o capitalismo
então a necessidade de transcender o sistema dificilmente se levantaria.
Esta necessidade levanta-se precisamente porque a oposição dos
capitalistas faz com que qualquer plano assim destinado a converter o sistema
numa forma de "capitalismo do bem-estar" seja uma mera fantasia, como
a actual imposição de "austeridade" sobre grandes
extensões da Europa a expensas dos programas de bem-estar existentes
está claramente a demonstrar.
No entanto, a exigência tal como a de Sanders de um
Imposto sobre Transacções Financeiras a fim de pagar
educação pública e gratuita, é de grande
importância. Se apenas uma fracção desta exigência for
realizada, então é tudo para o bem público.
E na medida em que não for realizada, esta exigência ainda assim
desempenha o papel de uma "exigência transicional" no sentido leninista, a qual torna o
povo consciente da razão precisa porque continua a penar na
miséria, ignorância e má saúde, mesmo no meio da
notável riqueza desfrutada por uns poucos.
31/Janeiro/2016
[*]
Economista, indiano, ver
Wikipedia
O original encontra-se em
peoplesdemocracy.in/2016/0131_pd/financial-transactions-tax
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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