O conceito de imperialismo
Há uma visão, mesmo em círculos de esquerda nos
países capitalistas avançados, de que o imperialismo como
categoria conceptual perdeu sua relevância na era da
globalização. Por um lado, as grandes burguesias em países
do terceiro mundo como a Índia, estão tão profundamente
integradas no projecto da "globalização" que suas
contradições com o capital metropolitano estão muito mais
atenuadas hoje do que anteriormente. No período
imediatamente após a descolonização, por exemplo,
burguesias do terceiro mundo isolaram o mercado nacional através de
barreiras proteccionistas contra mercadorias metropolitanas e protegeram suas
economias dos fluxos financeiros internacionais. Mas hoje elas prosseguem com
satisfação políticas neoliberais. Por outro lado, os
trabalhadores nos países capitalistas avançados são agora
empurrados para a mesma triste situação dos trabalhadores nos
países do terceiro mundo, onde aumentos na produtividade do trabalho
não são correspondidos por quaisquer aumentos em salários
reais, o que não era o caso anteriormente. Joseph Stiglitz por exemplo
estima que hoje a taxa de salário real do trabalhador americano
médio (homem) não é mais alta do que era em 1968 e
possivelmente é um pouco mais baixa.
Em consequência, a divisão do mundo em dois segmentos
geográficos diferentes, um dos quais domina o outro, frustrando mesmo as
ambições da burguesia deste último, e cuja
população trabalhadora também experimenta melhoria de
padrões de vida em contraste com a do outro, não mais se
sustém. Uma vez que, de acordo com esta visão, uma tal
divisão é característica do fenómeno do
imperialismo, o seu desaparecimento torna o próprio conceito obsoleto.
Há naturalmente muita diversidade teórica entre aqueles que
questionam o pleno significado do conceito de imperialismo. Enquanto alguns
confinariam o termo imperialismo apenas à fase da pré
descolonização, quando esta divisão do mundo em dois
segmentos diferentes e desiguais, com um a dominar o outro, era
palpável, outros aceitariam sua relevância mesmo na fase da
pós descolonização, isto é, mesmo na fase do
dirigismo do terceiro mundo. Na verdade, o controle político chegara a
um fim com a descolonização, mas eles reconheceriam nas
tentativas da principal potência capitalista da época, os Estados
Unidos, de "reverter" o dirigismo do terceiro mundo (adoptando o
termo utilizado por John Foster Dulles num contexto diferente mas semelhante) e
recusar tentativas do terceiro mundo de ganhar controle sobre seus mercados e
recursos naturais, um claro projecto imperialista.
Toda a série de tentativas de derrubar governos progressistas do
terceiro mundo que chegaram ao poder no período da
descolonização, desde Cheddi Jagan da Guiana a Mossadegh do
Irão, de Arbens na Guatemala e Sukarno da Indonésia e a Allende
do Chile, sem mencionar as horrendas guerras impostas a países como a
Coreia e o Vietname que estavam a iniciar-se num trajectória socialista
de desenvolvimento, testemunharia para eles a realidade do imperialismo.
Mas agora, argumentariam, o mundo tornou-se totalmente diferente. Não
há dúvida de que ainda há guerras horrendas, as quais
foram impostas no período mais recente a um certo número de
países pela principal potência capitalista, os Estados Unidos,
dentre as quais as guerras no Afeganistão e no Iraque são
exemplos óbvios; mas estas diferem das guerras anteriores uma vez que
foram travadas contra forças fundamentalistas ou contra regimes
ditatoriais, em grande media por razões políticas que
supostamente não estão directamente relacionadas com
cálculos económicos; e tais guerra muitas vezes obtiveram algum
apoio local do povo pertencente aos próprios teatros da guerra.
E como regimes económicos em grande parte do terceiro mundo que
estão a seguir políticas neoliberais estão a assim fazer
não como "fantoches do imperialismo", e sim habitualmente sob
a égide de governos eleitos pelo voto popular, e conseguiram mesmo em
muitos casos taxas de crescimento substanciais, ultrapassando mesmo as dos
próprios países capitalistas principais, ligar tais regimes e
suas políticas a "imperialismo" é claramente
injustificável. A época actual, por outras palavras, em contraste
não só com a do período colonial mas mesmo com a do
período dirigista pós colonial, não pode ser considerada
como estando a cair dentro da era do imperialismo.
PERCEPÇÃO ERRADA
O problema básico com toda esta argumentação, contudo,
é que a sua percepção de imperialismo está errada.
O termo "imperialismo" não está ligado nem ao
comportamento da burguesia do terceiro mundo nem à
condição da classe trabalhadora nas metrópoles. De facto,
na década de 1920 havia uma visão avançada por muitos
teóricos importantes da Internacional Comunista de que o imperialismo
começava a "acomodar" a burguesia do terceiro mundo. Esta
visão foi chamada a tese da "descolonização", a
qual naturalmente não significava o fim do colonialismo ou do
imperialismo, mas apenas uma mudança na posição da
burguesia terceiro-mundista em relação ao imperialismo. O ponto a
destacar aqui não é se a tese da
"descolonização" era ou não válida; o
ponto é simplesmente que uma mudança na posição da
burguesia não implica, e nunca se pensou que implicasse, num fim do
imperialismo.
Além disso, a ideia de que o imperialismo está associado a
fortunas divergentes das classes trabalhadoras nas metrópoles e na
periferia não constitui uma característica definidora do
imperialismo. Esta percepção é mantida pelos
teóricos da "troca desigual", mas não por Lenine que
via apenas um fino estrato de "aristocracia do trabalho" a
beneficiar-se do imperialismo mas não a classe trabalhadora da
metrópole como um todo. Portanto, num sentido essencial, o conceito de
imperialismo nunca foi associado nem com quaisquer divergências nas
fortunas da classe trabalhadora nem com qualquer "exclusão"
das burguesias do terceiro mundo. O argumento de que a estagnação
dos salários reais no primeiro mundo ou a integração da
burguesia do terceiro mundo no corpo do capital financeiro internacional nega o
conceito de imperialismo, é portanto destituído de base.
Dito de modo diferente, imperialismo implica a opressão, a
opressão necessária, dos povos do terceiro mundo, das massas
trabalhadoras, através da operação do capitalismo
metropolitano. Como as burguesias do terceiro mundo se saem no processo, e como
as fortunas dos trabalhadores do primeiro mundo se alteram sob o imperialismo,
não são pertinentes para a definição de
imperialismo.
Esta opressão dos trabalhadores do terceiro mundo pelo capital
metropolitano não é alguma conspiração clandestina;
é uma parte do próprio
modus operandi
do capitalismo. É errado portanto identificar imperialismo só
com casos em que são engendrados golpes militares, ou em que é
executadas intervenção militar por países capitalistas
avançados ou pelo seu líder, os EUA. O imperialismo, muito embora
possa, em certas ocasiões, dar origem a tais intervenções,
ou à "diplomacia da canhoneira", não é
idêntico à "diplomacia da canhoneira". Assim, o facto de
nenhuns
coup d'etats
à ordem de algumas corporações multinacionais como a
Union Minière (que era activa no Congo) ou a United Fruit Company (que
era activa na Guatemal) ou a ITT (que era activa no Chile) possam ser citados
em tempos mais recentes a acompanhar as acções destrutivas de
tais corporações nos anos 50 e 60, não é um
argumento contra o conceito de imperialismo. Imperialismo não é
alguma ânsia por encenar golpes; é o próprio modo de
existência do capitalismo.
CONTEXTO CONTEMPORÂNEO
No contexto contemporâneo ele abrange todo o conjunto de
disposições que asseguram a operação
desembaraçada e incontestada do capital financeiro internacional. Tal
operação, é óbvio, inclui entre outras coisas a
apropriação dos recursos de todo o mundo pelo capital financeiro
internacional, mas também significa muito mais do que isto. Mesmo se o
capital internacional controlasse todos os minerais e os outros recursos
naturais do mundo, se houvesse um aumento substancial do poder de compra do
povo trabalhador, especialmente no terceiro mundo, então suas procuras
sobre estes recursos aumentariam, resultando numa ascensão nos
preços de tais recursos. Uma tal ascensão de preços,
entretanto, poria em risco o sistema financeiro do mundo capitalista.
Portanto não basta que recursos estejam nas mãos do capital
internacional; além disso deve verificar-se que os povos trabalhadores
dos países do terceiro mundo sejam impedidos de fazerem quaisquer
reivindicações sobre eles. Isto é assegurado pelo
neoliberalismo através da precipitação de desemprego e de
cortes de salários reais entre os trabalhadores do terceiro mundo, o que
força cortes no rendimento real dos camponeses e micro produtores do
terceiro mundo. Dessa forma impõe-se o conservadorismo orçamental
e a "austeridade" a nações-Estado de modo a que elas
não estejam em posição de fazer "transferência
de pagamentos" a favor da população trabalhadora, mas ao
contrário devem provocar um aumento nos preços de um conjunto de
serviços essenciais incluindo saúde e educação.
Intrínseco portanto ao neoliberalismo, o qual é uma
característica chave do imperialismo contemporâneo, está um
empobrecimento do povo trabalhador do terceiro mundo. É irónico
ouvir em debates públicos na Índia a afirmação de
que a busca do neoliberalismo, ao provocar uma aceleração na taxa
de crescimento da economia, ajudará no alívio da pobreza: o
neoliberalismo é suas políticas associadas são um
instrumento nas mãos do capital financeiro internacional para manter
baixos os rendimentos e o poder de compra do povo trabalhador. A
"austeridade", como observou Noam Chomsky, é uma guerra de
classe sem peias. Esperar que o neoliberalismo melhore as
condições do povo trabalhador quando o seu objectivo é
fazer exactamente o oposto é extraordinariamente ingénuo.
A ira do imperialismo contra os regimes dirigistas pós
descolonização é explicável não apenas pelo
facto de que eles estavam a tentar assegurar controle "nacional"
sobre seus minérios e outros recursos, mas também porque, dadas
as suas origens na luta anti-colonial e os compromissos assumidos para com o
povo durante aquela luta, eles estavam, não importa em quão
pequena medida, procurando efectuar alguma melhoria nas condições
de vida do povo. E a arma básica do imperialismo contra tais regimes,
além da intervenção militar sem rodeios, foi o
desencadeamento de fundamentalismos religiosos, conflitos étnicos e
outros meios igualmente reprováveis para dividir o povo. Mesmo enquanto
encenava um golpe militar contra Mossadegh no Irão, ele utilizou a ajuda
do Ayatollah Kashani; mais recentemente no Iraque utilizou o fundamentalismo
xiíta para estimular o apoio ao derrube de Saddam Hussein. No
Afeganistão ele utilizou uma coligação fundamentalista
islâmica contra o governo
PDPA
e a União Soviética.
E quando algumas destas forças fundamentalistas, como o monstro de
Frankenstein, começa a criar problemas para o próprio
imperialismo, sua resposta invariavelmente é procurar novas
forças fundamentalistas. O IS, acerca do qual muito se fala nestes dias,
foi ele próprio encorajado pela secretária de Estado
estado-unidense Condoleezza Rice como meio de se contrapor ao fundamentalismo
xiíta, o qual fora igualmente encorajado pela mesma
administração americana.
O imperialismo, em suma, fareja todas as linhas de fractura de uma sociedade do
terceiro mundo e deliberadamente divide o povo de acordo com aquelas linhas.
Esta é uma táctica a qual o imperialismo britânico recorreu
amplamente durante o seu auge, incluindo na Malásia (como aconteceu)
derrotar o levantamento revolucionário do pós-guerra
através da promoção e exploração de
contradições étnicas entre os malaios e os chineses. E o
imperialismo americano está a utilizar a mesma táctica agora.
Em consequência, o imperialismo contemporâneo causa ao terceiro
mundo não só uma pauperização
(immiserisation)
da população trabalhadora como também um processo de
desintegração social.
29/Março/2015
[*]
Economista, indiano, ver
Wikipedia
O original encontra-se em
peoplesdemocracy.in/2015/0329_pd/concept-imperialism
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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