As razões manifestadas por Israel para a sua declaração de
guerra total contra a população de Gaza são a mais recente
variação de um tema que pôs em circulação a
seguir à vitória eleitoral de 2006 do Hamas em Gaza. Em
Fevereiro daquele ano Israel emitiu um conjunto oficial de exigências.
Israel exigia que o Hamas reconhecesse o direito permanente de Israel a
existir, renegasse a violência e aceitasse a validade dos acordos
anteriores israelenses-palestinos. Israel afirma que a incapacidade do Hamas
em cumprir estas exigências explica e justifica seus ataques
aéreos sobre o povo de Gaza.
Na realidade, a agressão de Israel tem pouco a ver com a resposta do
Hamas a estas exigências, as quais são, como veremos, insinceras.
Argumenta Israel que a necessidade de derrotar o Hamas é a
questão nuclear que motiva os seus actuais ataques aéreos. Esta
afirmação é de avaliação especialmente
difícil para os americanos. Os media dos EUA habitualmente reflectem a
demonização oficial israelense dos objectivos e
acções do Hamas.
O entendimento da história do Hamas e da sua actual
posição sobre questões chave é essencial para
apreciar o que está realmente em causa na escalada da crise em Israel e
na Palestina.
O objectivo do que se segue é simplesmente situar o Hamas no contexto da
ocupação e da resposta palestina à mesma. Vamos
começar com as origens do Hamas e então examinar cada uma das
exigências de Israel em 2006.
A emergência do Hamas em Israel
O Hamas descende directamente de um anterior movimento islâmico
preocupado basicamente em assegurar educação, cuidados de
saúde, ajuda alimentar e outros serviços sociais a palestinos que
sofriam sob a ocupação israelense.
Este grupo foi financiado pelo monarca saudita e... o governo de Israel ! Este
último proporcionou ao movimento terra, edifícios e não
pouco encorajamento.
A lógica de Israel era simples: a Organização de
Libertação da Palestina (OLP), naquele tempo a principal
representante dos interesses palestinos, era abertamente política e
secular, com uns poucos socialistas nos seus escalões mais altos. A
organização tinha como objectivo organizar os palestinos numa
força capaz de por fim à ocupação. A
liderança israelense procurava mudar a lealdade palestina da OLP
política e secular para a religiosa e não-política
antecessora do Hamas.
Os israelenses imaginavam que ao dispor de extensos serviços sociais e
religiosos os palestinos seriam despolitizados graças ao alívio
do seu sofrimento e portanto menos propensos à resistência
nacionalista e anti-ocupação.
Portanto, as autoridades israelenses de ocupação forçaram
o exílio de activistas cristãos palestinos que encorajavam
à resistência não violenta, mas permitiram que grupos
islâmicos radicais fizessem reuniões, publicassem jornais e
tivessem a sua própria estação de rádio não
censurada.
Não surpreendentemente, os grupos religiosos de serviço social
foram-se tornando cada vez mais politizados. Eles testemunhavam a escalada da
brutalidade da ocupação e a ineficácia da actividade
caritativa por si só em questionar o apartheid forçado.
Continuaram as suas actividades de serviço social, mas aglutinaram-se em
1987 para formar o Hamas, um acrónimo para Harakat al-Muqawama
al-Islamiya, O Movimento de Resistência Islâmica.
A nova auto-definição política do Hamas, como
representando Resistência à ocupação, tanto selou o
seu destino aos olhos dos israelenses como promoveu a sua atractividade para os
palestinos.
Em 1992 Israel expulsou centenas de membros do Hamas. Muito poucos foram
acusados de crimes violentos. O Conselho de Segurança da ONU declarou
unanimemente que as expulsões constituíam uma
violação do direito internacional e apelou ao retorno dos
exilados. Mas a nova administração Clinton bloqueou a
aplicação da resolução.
O resultado foi que os exilados tornaram-se heróis e a
reputação do Hamas e a sua força política entre os
palestinos cresceu significativamente. Mas em 1993 o Hamas tinha o apoio de
apenas 15 por cento dos palestinos. Qual a razão para o crescimento do
apoio palestino ao Hamas desde então?
Israel e a Autoridade Palestina matam as esperanças dos palestinos
Nos anos seguintes ao Acordo de Oslo, de 1993, entre a OLP e Israel ficou claro
que nada estava a ser feito para avançar a formação de um
estado palestino viável. O Hamas chamava a atenção para o
facto de que o Acordo era, por intenção de Israel, aberto, em
etapas, calculadamente vago e sem compromissos, sem garantias quanto a
questões chave como assentamentos, terra e água, o status de
Jerusalém e o retorno de refugiados.
Além disso, mesmo quando as negociações de Oslo
prosseguiam, e continuando durante anos após as mesmas, Israel continuou
a construir assentamentos a um ritmo acelerado. Os blocos de assentamento
foram posicionados de modo a criar "factos no terreno" os quais
tornavam impossível especificar uma área que pudesse constituir
um estado palestino viável.
O professor de história da Universidade de Haifa Ilan Pappe, nascido em
Israel, descreveu perfeitamente os Acordos de Oslo como um ardil para permitir
a Israel continuar a construir assentamentos de modo a encurralar os palestinos
em bantustões estilo sul-africano.
Tudo isto culminou em Camp David, em 2000, na "oferta generosa" de
Barak, uma impressionante confirmação da acusação
de Pappe: um "estado" palestino sem continuidade territorial,
dividido por blocos de assentamento, cortado por estradas e barreiras em
estradas, com o controle israelense de toda a fronteira. A área
permitida aos palestinos incluiria 69 blocos de assentamento, alojando 85% de
todos os colonos israelenses. Os palestinos teriam de viajar 50 milhas [80 km]
para ir de uma cidade para outra, com muitos atrasos inúteis em pontos
de controle e barreiras de estrada, a fim de atravessar uma distância
real de 5 milhas [8 km].
E durante todo este processo Israel continuou a expandir a sua
colonização da Cisjordânia, duplicando o número de
colonos nos dez anos que se seguiram a assinatura dos Acordos.
Isto foi uma bofetada na cara do palestinos, que haviam concordado,
através da OLP, em aceitar uns meros 22 por cento da terra que era sua
antes de 1948. Conceder 78 por cento da terra foi um compromisso
histórico palestino.
Desde as reuniões de Oslo e Camp David a condição dos
palestinos continuou a deteriorar-se. Ficou cada vez mais claro que a OLP e
sua sucessora, a Autoridade Palestina (AP), não fora simplesmente inepta
na negociação, mas que a AP e o seu líder Yasir Arafat
estavam afundados na corrupção, com grande parte dos fundos da
Autoridade gasto com compadres enquanto Arafat passava grande parte do seu
tempo a viver no luxo longe da Palestina. A última gota foi a
decisão da AP de designar a sua polícia a que ajudasse as
autoridades de ocupação na supressão da resistência
palestina.
Em contraste, o Hamas era percebido pelos palestinos como honesto e
genuinamente sensível aos seus interesses. O Hamas persistentemente
criticou a inépcia e a corrupção da AP. Mas a sua
abordagem não era meramente negativa: como veremos abaixo, o Hamas
propunha políticas e pontos de negociação que eram
construtivos, realistas e que não ameaçavam o direito de Israel a
existir.
Estes desenvolvimentos foram o princípio do crescente apoio palestino ao
Hamas.
Os media "de referência" tendem a retratar a escolha eleitoral
de 2006 dos palestinos como uma mostra de apoio à violência
política como meio de resolução do conflito
Israel-Palestina. Na verdade, os media habitualmente equiparam o Hamas
à violência estúpida ao serviço da
destruição de Israel. Nenhuma destas alegações
contra o Hamas e o povo palestino é verdadeira. Vamos examinar a
questão geral da violência política do povo sem Estado,
antes de passar a questões específicas da posição
do Hamas em relação à actual crise em Gaza.
Questões preliminares: Condição de falta de Estado e
violência legítima
O recurso palestino à violência não tem conexão com
a questão do direito de Israel a existir. Que a resistência
palestina à ocupação por vezes assuma formas violentas
não indica um desejo de aniquilar Israel. No caso dos palestinos, o
recurso à violência não pode ser entendido sem considerar o
passivo peculiar da inexistência de Estado.
Os media "de referência" não fazem qualquer
esforço para comunicar ao público geral os efeitos singularmente
debilitantes da inexistência de Estado. A falta de Estado não
é simplesmente estar privado de "uma terra de si
próprio". A definição de Max Weber do Estado
é que é mais relevante aqui: o Estado é a
instituição que monopoliza o uso legítimo da
violência.
O Estado pode legalmente empregar violência como um meio de corrigir
injustiças feitas aos seus cidadãos. Se alguém mata o seu
filho, você não pode aprisioná-lo no seu
sótão como punição. Ao invés disso,
você denuncia a injustiça sentida às autoridades do Estado,
as quais então julgam a sua queixa através do sistema de
justiça. Um momento de reflexão revela que o povo sem Estado
é um povo ao qual faltam quaisquer meios legítimos de se defender
da injustiça.
Um povo sem Estado está estruturalmente indefeso face à
injustiça. Pois se a modernidade limita a resposta violenta à
injustiça à intervenção do Estado, então a
ausência de Estado obriga à passividade dos que dele não
dispõem. Estes são transformados em pacifistas
involuntários. O facto de não terem Estado retira aos palestinos
a única espécie de resistência apropriada aos instrumentos
de opressão que enfrentam, nomeadamente resistência forte e
agressiva. Pois a entidade que oprime os palestinos é um Estado racista
e colonialista que tornou claro, como veremos abaixo, que não
negociará qualquer das reivindicações da sua
população sujeita e que tem uma forte inclinação
à utilização permanente e supérflua dos seus
próprios instrumentos de destruição.
A amarga experiência ensinou aos palestinos que a
resistência/desobediência não violenta ou civil é de
facto ineficaz. Activistas da paz não violenta como Rachel Corrie
(americana), Tom Hurndall (britânico) e Gil Nima'ati (israelense)
encontraram a morte diante das forças de defesa israelenses (IDF), que
sabiam exactamente o que estavam a fazer.
Apesar de tudo isto, a condição de ausência de Estado dos
palestinos determina que eles não podem "tomar o assunto nas suas
próprias mãos". Pois palestinos tomarem as medidas que
normalmente seriam tomadas por um Estado cujos cidadãos são
tratados por um poder inimigo tal como os palestinos são tratados por
Israel é denominado "terrorismo". Faltando um Estado para
proteger os seus interesses, os palestinos encontram-se na seguinte pouco
invejável posição: seja o que for que lhes seja feito, as
únicas respostas legítimas são a passividade ou a
confiança na bondade de estranhos. E a resposta da "comunidade
internacional" ao apuro dos palestinos torna claro que esta última
é de facto estranha para eles, e de modo algum estranha de outra
espécie. A resposta ilegítima, então, torna-se a
única alternativa a abraçar a derrota.
Note-se a peculiaridade da utilização de
"ilegítimo" neste contexto. Chamar a violência privada
ou não estatal de "ilegítima" é implicar que a
acção do Estado está disponível. Mas no caso
notável de um povo oprimido sem um Estado, a distinção
normal entre acção legítima e ilegítima não
tem aplicação.
Enquanto a violência dos movimentos de resistência sem Estado
é por definição ilegítima, isto é,
não efectuada legalmente por um Estado, é uma questão
aberta se tal violência é justificada. É claro para a
maioria das populações do mundo que a resistência violenta
ao apartheid israelense é tão justificada como foi a por vezes
violenta resistência dos negros sul-africanos ao regime do apartheid dos
seus opressores.
A questão para nós em ligação com a crise de Gaza
é se o Hamas está preparado para renegar a violência na
falta da eliminação do Estado de Israel. Por outras palavras:
Estará o Hamas aberto a uma resolução não violenta
do conflito Israel-Palestina? Veremos a seguir que o Hamas na verdade
está aberto a uma tal solução.
Estará o Hamas comprometido com a destruição de Israel?
As primitivas declarações fundadoras do Hamas na verdade negavam
a Israel o direito de existir. Como veremos, o Hamas abandonou esta
posição absolutista. O apoio crescente da
organização levou-o a assumir um senso renovado de
responsabilidade para com aqueles que o levaram ao poder. A comunidade
palestina era principalmente secular e nunca abraçou o absolutismo do
fundamentalismo islâmico. Apesar do contínuo terror israelense
continuou a endossar a solução dos dois Estados.
O Hamas tomou uma posição firme contra um apelo da al-Quaeda a
realizar uma jihad violenta destinada a arrebatar toda a Palestina de Israel.
O Hamas, em Março de 2006, respondeu que:
"A nossa batalha é contra a ocupação israelense e
nossa única preocupação é restaurar nossos direitos
e servir nosso povo".
Nas eleições que levaram o Hamas ao poder de Gaza, em 2006, os
"pragmáticos" do Hamas prevaleceram sobre a minoria dos
intransigentes, muitos dos quais transformaram-se em moderados. O Hamas foi
sempre receptivo ao seu eleitorado. Ele sabe que a sua vitória
eleitoral foi devida não ao extremismo religioso mas sim à
plataforma do Hamas de governo honesto, eficaz e limpo e de serviços
sociais melhorados.
Num inquérito pós-eleitoral apenas 1 por cento dos palestinos
disse que o Hamas deveria impor a Lei Islâmica sobre a Palestina, ao
passo que 73 por cento apoiava uma solução dois Estados como
parte de um acordo de paz com Israel. O Hamas respondeu com uma
reafirmação do seu próprio apoio a uma
solução dois Estados.
A Henry Siegman, ex director executivo do American Jewish Congress ex director
do Projecto Médio Oriente do Council of Foreign Relations, foi
assegurado por um membro influente do Comité Político do Hamas
que este não exclui o reconhecimento oficial de Israel mas que o Hamas
não renunciará à sua crença de que a Palestina
é uma dádiva religiosa indicada por Deus para os
muçulmanos. Contudo, o responsável acrescentava que esta
crença teológica não excluía
acomodações a realidades temporais e ao direito internacional.
Isto inclui, enfatizou, o reconhecimento da soberania de Israel.
Esta posição tem um paralelo preciso do lado de Israel. Judeus
religiosos acreditam que Deus prometeu toda a Palestina para o povo judeu. Mas
eles estão preparados para adiar a implementação desta
reivindicação religiosa para o tempo que se seguirá
à aparição do messias.
Por outras palavras, no mundo real as convicções religiosas tanto
do Hamas como dos judeus religiosos estão em consonância com uma
resolução prática e secular do seu conflito.
A liderança israelense está plenamente consciente de tudo isto.
Sua objecção real ao Hamas é que a
organização corporifica mais genuinamente do que qualquer
anterior liderança palestina a resistência à
ocupação e negociações inteligentes rumo a um
Estado palestino independente.
Por que o Hamas não "reconheceu" Israel agora?
A questão do reconhecimento é para desviar
atenções. Trata-se de Geopolítica elementar: o
reconhecimento de Israel pelo Hamas significaria a sua aceitação
do não-reconhecimento por Israel de um Estado palestino. O Hamas tornou
claro que se Israel oferecesse uma genuína solução dois
estados com um retorno às suas fronteiras de 1967, e isto fosse
ratificado pela maioria dos palestinos, o Hamas consideraria isto
aceitável. Isto levaria ao reconhecimento oficial de Israel.
O que importa é o reconhecimento oficial, o qual só pode ser
feito por um Estado soberano. O Hamas não pode "reconhecer"
Israel tal como o Likkud não pode reconhecer a Espanha. E, no caso de
Israel, o que é que deve ser reconhecido? Israel recusa-se a declarar
as suas fronteiras oficiais.
Estará o Hamas comprometido com a violência política?
Mesmo a imprensa israelense relatou que o Hamas oferecer a Israel, logo
após a sua vitória eleitoral de 2006, um cessar fogo extenso e
uma aceitação de facto dos dois Estados se apenas Israel
retornasse às suas fronteiras de 1967.
Ao invés de agarrar esta oportunidade para testar a boa fé do
Hamas, Israel preferiu punir toda a população de Gaza com um
bloqueio a fim de pressionar o povo a renunciar aos resultados da
eleição.
O Hamas de facto manteve reiteradamente vários cessar fogo, os quais
Israel habitualmente violou. A conexão entre violações
israelenses dos cessar fogo e bombismos suicidas é instrutiva. (Um
tratamento completo desta questão foi feito por Steve Niva,
académico do Médio Oriente, em dois importantes artigos em
www.counterpunch.org/niva08272003.html
e
www.counterpunch.org/niva03242004.html
Há um indicador virtualmente infalível de um acto de bombismo
suicida: um assassinato israelense de um comandante superior ou de um
líder de um grupo militante. Este indicador é mais
confiável quando os assassínios se verificam enquanto estes
grupos estão a negociar uma trégua aos ataques aos israelenses,
ou quando os assassínios rompem cessar-fogos duradouros de grupos
palestinos.
Este padrão tornou-se mais frequente e previsível depois de Ariel
Sharon se tornar primeiro-ministro, em Fevereiro de 2001. Ele intensificou a
campanha de assassínios contra militantes palestinos destacados.
Sharon escolheu deliberadamente períodos durante os quais grupos
anti-ocupação estavam ou a negociar ou realmente a manter
cessar-fogos nos ataques a civis israelenses.
Aqui está apenas uma amostra dentre muitos exemplos:
Dois meses depois do cessar-fogo do Hamas, Israel assassinou dois
destacados
comandantes do Hamas em 31 de Julho de 2001. Menos de duas semanas mais tarde
houve um bombismo suicida numa pizzaria em Jerusalém.
Enquanto o Hamas estava a cumprir um acordo de não atacar
objectivos
dentro de Israel a seguir aos ataques do 11/Setembro, Israel assassinou o alto
dirigente do Hamas Mahmud Abu Hanoud, em 23 de Novembro de 2001. Uma semana
depois houve bombismos suicidas em Jerusalém e Haifa.
Em meio a um cessar-fogo declarado por todo os grupos militantes no fim
de
Dezembro, Israel assassinou o destacado dirigente do Hamas Raed Karmi, em 14 de
Janeiro de 2002. Menos de duas semanas mais tarde houve um bombismo suicida
como retaliação.
Em Julho de 2002 houve relatos generalizados de que seria anunciado um
cessar-fogo unilateral por parte do Hamas em 23 de Julho. Naquele dia, pouco
antes do previsto anúncio de cessar-fogo, Israel assassinou o destacado
dirigente militar do Hamas Salah Shehada através de um ataque
aéreo a um apinhado bloco de apartamentos na Cidade de Gaza. Entre os
feridos estavam 15 civis, 11 deles crianças. Menos de duas semanas
depois o Hamas retaliou com um bombismo suicida.
Em 22/Março/2004 Sharon conseguiu assassinar o fundador e
líder espiritual do Hamas, Sheikh Yassin. Seguiu-se o que era
previsível.
Jornalistas israelenses denunciam a cumplicidade de Israel nos bombismos
suicidas
Alguns dos mais prestigiados comentadores políticos de Israel sugeriram
que Israel é responsável por pelo menos alguma violência
palestina. Esta posição não pode sequer ser formulada na
linguagem padrão dos media dos EUA, os quais sistematicamente definem a
violência israelense como "retaliação" e a
violência palestina como "ataques".
Num artigo (25/Novembro/2001) no jornal de Israel com maior tiragem,
Yediot Aharanot,
Alex Fishman, o conservador comentador militar do jornal, observou que
"Quem quer que tenha decidido a liquidação de Abu Hanoud
sabia antecipadamente que [um ataque terrorista dentro de Israel] seria o
preço. O assunto foi amplamente discutido tanto ao nível militar
como político de Israel, antes de ser decidido executar a
liquidação".
Escrevendo no
Haaretz
(21/Janeiro/2002), o jornalista Danny Rubinstein destacou que
"Os assassínios de Israel hoje geram muito mais dano do que os
benefícios que eles são supostos trazer ... pode-se dizer
explicitamente neste momento que o assassínio de Karmi já custou
directamente as vidas dos dezenas de israelenses que morreram na semana passada
vítimas de ataques terroristas".
A utilização da palavra "directamente" por Rubinstein
é uma afirmação de que Israel partilha alguma
responsabilidade pelos bombismos suicidas.
Um editorial do
Haaretz
(02/Agosto/2002) a seguir ao assassínio de Shehada declarava que
"Em suma, qualquer criança de quatro anos que examinasse este
padrão de acontecimentos concluiria que este governo, conscientemente ou
não, simplesmente não está interessado na
cessação dos ataques terroristas, pois eles constituem a sua
raison d'etre".
O Hamas explicou em pormenor a arrepiante implicação de tudo isto
imediatamente a seguir à morte de Yassin:
"Hoje Ariel Sharon ordenou a morte de centenas de sionistas em cada rua,
cidade e centímetro das terras ocupadas".
Durante anos, insinceramente, Israel insistiu em que os ataques suicidas eram o
principal obstáculo para negociações. Desde a
trégua mais recente que começou no último Verão, o
primeiro-ministro do Hamas, Ismael Haniyeh, removeu o obstáculo
efectuando a completa cessação dos bombismos suicidas. Como era
de esperar, isto não fez diferença para Israel, o qual respondeu
recusando aos habitantes de Gaza energia eléctrica, remédios,
equipamento médico e alimentos.
A questão, então, não é simplesmente se Israel tem
um interesse directo em perpetuar ataques terroristas palestinos, mas se Israel
tem qualquer intenção que seja de fazer a mais ligeira
concessão aos palestinos na direcção do estabelecimento da
solução dois Estados.
Intenções de Israel: Um acerto justo ou limpeza étnica?
Ephraim Halevy, o ex chefe da agência de inteligência Mossad,
informou em 23 de Dezembro que o Hamas
"[está] pronto e desejoso de ver o estabelecimento de um estado
palestino nas fronteiras temporárias de 1967... [O Hamas está
preparado] a aceitar um caminho que poderia levá-lo para longe dos seus
objectivos originais... Israel, por suas próprias razões,
não quis transformar o cessar-fogo no início de um processo
diplomático com o Hamas".
Halevy pode não se aperceber das "suas próprias
razões" de Israel para sabotar negociações destinadas
ao estabelecimento de um Estado palestino, mas não por falta de
declarações francas da liderança israelense. Em 14 de
Novembro de 1998, Ariel Sharon declarou que
"É dever dos líderes israelenses explicar à
opinião pública, claramente e corajosamente, um certo
número de factos que são esquecidos com o tempo. O primeiro
destes é que não há sionismo, colonização ou
Estado judeu sem a expulsão
(eviction)
dos árabes e a expropriação das suas terras".
Em 2005 Dov Weisglass, conselheiro sénior de Sharon, disse acerca da
retirada de Israel de Gaza:
"A retirada é realmente formaldeído
[NR]
. Ela fornece a quantidade de formaldeído que é
necessária, de modo que não haverá um processo
político com os palestinos... todo este pacote chamado
Estado palestino foi removido da nossa agenda indefinidamente".
A fim de que não se pensasse que esta posição era peculiar
apenas do raivoso Sharon, eis o que Ehud Olmert disse num discurso numa
Sessão Conjunta do Congresso dos EUA em 24 de Maio de 2006:
"Acreditava e ainda hoje acredito no direito eterno e histórico do
nosso povo a toda esta terra".
Motivações reais de Israel
O que Israel teme não é o terrorismo e sim a independência
palestina. Israel não permitirá que emerja um governo palestino
soberano sobre a terra que pretende manter e provavelmente expandir
como a sua própria. A Autoridade Palestina estava e está
no bolso de Israel. O Hamas nunca será peão de Israel.
Portanto, ele deve ser erradicado. Esta é a principal razão para
a actual guerra relâmpago contra Gaza. Mas não é a
única.
Aproximam-se as eleições israelenses, em Fevereiro. Antes do
sítio o Likkud de Benjamin Netanyahu estava à frente nos
inquéritos. A guerra relâmpago é uma
demonstração de dureza, um gesto de que os políticos
gostam de aproveitar-se em tempos de eleição. Tzipi Livni e Ehud
Barak colocaram-se em evidência regozijando-se com o bombardeamento desde
que os ataques começaram, esperando promover as fortunas eleitorais do
Kadima e do Partido Trabalhista. E na verdade as sondagens do Partido
Trabalhista estão 50 por cento mais altas nos últimos seis dias.
Finalmente, Israel nunca venceu uma guerra nos últimos 27 anos. Para
agravar ainda mais as coisas, as Forças de Defesa de Israel sofreram uma
humilhante derrota no Líbano, às mãos do Hezbollah, em
2006. Como disse segunda-feira Mark Heller, chefe de
investigação associado no Instituto para Estudos de
Segurança Nacional, da Universidade de Tel Aviv:
"Ninguém hoje tem medo de nós da mesma forma que antes...
uma boa razão para esta operação [é] restaurar a
credibilidade na capacidade de Israel para dissuadir inimigos".
A ironia, naturalmente, é que o actual sociocídio
avolumará as fileiras do Hamas e dos seus simpatizantes, tal como o
fiasco libanês de Israel reforçou o prestígio do Hezbollah.
Mas só o activismo global em solidariedade com o povo palestino
derrotará os desígnios colonialistas de Israel e a sua
arrogância letal.
04/Janeiro/2009
[NR] Formaldeído: gás venenoso.
[*]
Professor emérito de Política Económica em The Evergreen
State College, Olympia, Wa, EUA. Seus artigos têm sido publicados em
The Nation, Monthly Review, Commonweal, Common Dreams, Global Research
e em publicações profissionais de ciências
económicas, filosofia, direito e psicologia.
O original encontra-se em
http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=11610
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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