A União Europeia, o maior parceiro comercial de Israel em todo o mundo,
está a observar como Israel endurece o seu bárbaro sítio
em torno de Gaza, punindo colectivamente 1,5 milhão de civis palestinos,
condenando-os à devastação e à morte iminente de
centenas de pacientes necessitados de diálise ou que sofrem do
coração, bebés nascidos prematuramente e todos os outros
que dependem da energia eléctrica para a sua sobrevivência.
Ao congelar os fornecimentos de combustível e energia eléctrica a
Gaza, Israel, o poder ocupante, está essencialmente a garantir que a
água "limpa" só de nome, pois a água de
Gaza é a mais poluída em toda a região, após
décadas de roubo e abuso israelense não será
bombeada e distribuída a lares e instituições, que
hospitais não poderão funcionar adequadamente, conduzindo
à morte eventual de muitos, particularmente os mais vulneráveis,
fábricas que ainda estejam a trabalhar apesar do sítio
serão agora forçadas a encerrar, empurrando a já
extremamente elevada taxa de desemprego para níveis ainda mais altos, o
tratamento de esgotos terá de ser interrompido, poluindo mais uma vez o
precioso e escasso abastecimento de água de Gaza,
instituições académicas e escolas não
poderão efectuar o seu trabalho habitual, e as vidas de todos os civis
serão severamente afectadas, se não irreversivelmente
prejudicadas. E a Europa está apática a observar.
O académico Richard Falk, de Princeton, considerou o sítio de
Israel um "prelúdio para o genocídio", mesmo antes
deste crime mais recente do corte geral dos abastecimentos de energia. Agora,
os crimes de Israel em Gaza podem ser precisamente classificados como actos de
genocídio, embora lento. De acordo com o Artigo II da
Convenção das Nações Unidas sobre a
Prevenção e Punição do Crime de Genocídio,
de 1948, o termo é definido como:
"Qualquer dos seguintes actos cometidos com a intenção de
destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou
religioso, tais como:
(a) Matar membros do grupo;
(b) Provocar sérios danos corporais ou mentais a membros do grupo;
(c) Infligir deliberadamente ao grupo condições de vida
calculadas para provocar a sua destruição física no todo
ou em parte".
Claramente, o sítio hermético de Gaza por Israel, destinado a
matar, provocar sérios danos corporais e mentais, e deliberadamente
infligir condições de vida calculadas para provocar a parcial e
gradual destruição física, qualifica-se como um acto de
genocídio, se não genocídio total. E a UE está
suspeitosamente silenciosa.
Mas por que acusar a Europa, em particular, de conivência neste crime
quando quase toda a comunidade internacional não está a levantar
um dedo, e o obsequioso secretário-geral da ONU, que ultrapassou todos
os seus antecessores na obediência ao governo dos EUA, está
pateticamente a fazer meras declarações verbais? Além
disso, por que não o próprio governo dos EUA, o mais generoso
patrocinador de Israel que está directamente implicado no actual
sítio, especialmente depois de o presidente George Bush, na sua visita
recente, ter dado um sinal verdade nada subtil ao primeiro-ministro israelense,
Ehud Olmert, para arrasar Gaza? Por que não culpar os tranquilos
irmãos árabes, particularmente o Egipto o único
país que pode romper imediatamente o sítio com a reabertura do
cruzamento Rafah e fornecimento através do mesmo do combustível,
energia eléctrica necessários e do abastecimento de
emergência? E finalmente, por que não culpar a Autoridade
Palestina baseada no Ramallah, cujo líder subserviente e sem
visão jactou-se abertamente numa conferência de imprensa do seu
"acordo total" com Bush sobre todas as matérias substantivas?
Após Israel, os EUS são sem dúvida a parte mais culpada no
crime actual. Sob a influência de uma ideologia fundamentalista,
militarista, neo-conservadora que apossou-se do seu leme e de um omnipotente
lobby sionista que não tem paralelo na sua influência, os EUA
estão numa categoria por si mesmo. Não é preciso dizer
que a AP, a ONU, bem como governos árabes e do mundo que mantêm
negócios como de costume com Israel deveriam todos ser considerados
responsáveis por aquiescência, seja directa ou indirectamente, com
os crimes de Israel contra a humanidade em Gaza. Também é
verdade que cada um dos mencionados acima arca com a responsabilidade legal e
moral de intervir e aplicar a pressão que venha a ser necessária
para travar o crime antes de milhares de pessoas perecerem. Mas a UE
detém uma posição única em tudo isto. Ela
está não apenas silenciosa e apática; na maior parte dos
países europeus Israel e instituições israelenses
actualmente são bem vindas e procuradas com entusiasmo sem precedentes,
generosidade e deferência em todos os campos económico,
cultural, académico, atlético, etc. Exemplo: Israel foi
convidado como hóspede de honra de uma grande feira de livros em Turim,
Itália. Filme financiados pelo governo israelense são exibidos
em festivais de cinema por todo o continente. Produtos israelenses, desde
abacates e laranjas a sistemas de segurança de alta tecnologia,
estão a inundar mercados europeus como nunca antes.
Instituições académicas israelenses estão a
desfrutar um acordo de associação especial, muito lucrativo, com
órgãos relevantes na UE. Grupos de dança israelenses,
bandas de cantores e orquestras são convidados a tours e festivais
europeus como se Israel fosse não só um membro normal como
também o mais favorecido do assim chamado mundo "civilizado".
O outrora desbotado abraço da Europa a Israel tornou-se um intenso,
aberto e enigmático caso de amor.
Se a Europa pensa que pode assim arrepender-se do seu Holocausto contra a sua
própria população judia, ela está de facto a
facilitar vergonhosamente e conscientemente a validação de actos
de genocídio recentes contra o povo da Palestina. Mas os palestinos,
parece, não contam muito, pois somos encarados não só por
Israel como também pelos seus velhos patrocinadores "brancos"
e aliados como humanos inferiores, ou relativos. O continente que inventou o
moderno genocídio e foi responsável nos últimos dois
séculos por massacrar mais seres humanos, sobretudo "humanos
relativos", do que todos os outros continentes juntos está a
acobertar crimes que recordam em qualidade, embora certamente não em
quantidade, os seus próprios odiosos crimes contra a humanidade.
Em nenhum outro assunto internacional, talvez, pode o establishment europeu ser
acusado de ser tão desinteressado e indiferente para com a sua
própria opinião pública. Enquanto apelos pelo boicote a
Israel como um Estado apartheid estão vagarosa mas firmemente a
difundir-se entre organizações e sindicatos da sociedade civil
europeia, esboçando paralelos perturbadores com o boicote ao apartheid
da África do Sul, os governos europeus estão a considerar
difícil distinguir-se da posição abertamente
cúmplice dos EUA. Mesmo os clichés europeus de
condenação e "exprimindo profunda
preocupação" tornaram-se mais raros do que nunca nos dias de
hoje. Além disso, a cruel e desafiadora violação de
Israel das próprias leis de direitos humanos da Europa são
ignoradas sempre que alguém questiona se Israel deveria continuar a
beneficiar do seu magnânimo acordo de associação com a UE
apesar da sua ocupação militar, colonização e
horrendo récord de abuso dos direitos humanos contra as suas
vítimas palestinas. Se isto não é cumplicidade,
então o que é?
Moralidade posta de parte, afundar Gaza num mar de escuridão, pobreza ,
morte e desespero não pode augurar nada de bom para a Europa. Ao apoiar
activamente um ambiente conducente à ascensão do fanatismo e da
violência desesperada próximo às suas fronteiras, a Europa
está loucamente a convidar a devastação para a sua
entrada. Ao invés de prestar atenção ou pelo menos
considerar seriamente apelos ao boicote, desinvestimento e
sanções contra o Israel do apartheid, adoptado por virtualmente
todo o espectro da sociedade civil palestina, pode em breve ter de ajustar
contas com forças impossíveis de conter de violência
irracional e indiscriminada e o caos resultante.
Parece que as elites europeias estão actualmente determinadas a nunca se
oper a Israel, não importa que crimes cometa. É como se o
clamado e cada vez mais hipócritas slogan sustentado por
sobreviventes judeus do genocídio europeu, "Never again!"
("Nunca mais!")
, fosse agora endossado pelas elites europeias com uma diferença: o
acréscimo de duas letras, 's' e 't', no fim "Never
against"
("Nunca contra").
21/Janeiro/2008
[*]
Analista político palestino, independente, membro fundador da Campanha
Palestina pelo Boicote Académico e Cultural de Israel.
O original encontra-se em
http://www.counterpunch.org/barghouti01212008.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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