por Miguel Urbano Rodrigues
Não longe da fronteira da Venezuela, as Forças Armadas da
Colômbia estão empenhadas numa ambiciosa ofensiva. O presidente
Álvaro Uribe, principal aliado dos EUA na América Latina,
não esconde que o objectivo estratégico a atingir é o
aniquilamento das
FARC-EP
.
George Bush no seu recente encontro em Cartagena de Índias com o colega
colombiano renovou os compromissos de ajuda económica e prometeu
reforçar o apoio militar.
O que se está a passar no grande pais andino (1138000 km
2
e 44
milhões de habitantes) é acompanhado com muita
atenção no Continente americano, mas quase ignorado na Europa.
O exército colombiano é actualmente o mais poderoso da
América Latina (quase 300 mil homens) e o melhor equipado, dispondo de
armas que os EUA somente fornecem a Israel.
O Plano Patriota, em execução no âmbito do Plano
Colômbia, assenta no pressuposto de que actuando as FARC em todo o
território nacional (18 mil guerrilheiros lutam em 60 Frentes) interessa
ao governo tomar a ofensiva nas regiões onde elas se acham mais
solidamente implantadas entre as populações. O esforço
militar concentrou-se por isso nos Departamentos do Guaviare, do Meta, do
Caquetá e do Putumayo, na área amazónica do sudeste do
país.
Mais de 20 mil homens de tropas de elite foram mobilizados para uma
gigantesca operação de cerco, apoiada por 86 helicópteros.
Acampamentos móveis surgiram na selva e 15 heliportos
construídos para o efeito proporcionam um máximo de
eficácia a essa força aérea de choque.
O estado maior do exército, trabalhando em cooperação com
o Pentágono, partiu do pressuposto de que fechando progressivamente as
tenazes do cerco, empurraria o grosso das forças da FARC para um
território cada vez mais reduzido onde o exército poderia em
condições favoráveis proceder ao seu aniquilamento. Em
Bogotá e Washington admitia-se que na sua fase final seriam libertados
muitos dos reféns da organização revolucionária,
incluindo os três agentes da CIA em seu poder, e, eventualmente, presos
ou abatidos alguns dos membros do Secretariado das FARC, incluindo o seu chefe
legendário, o comandante Manuel Marulanda Vélez.
O ambicioso Plano, entretanto, não está a produzir os resultados
previstos. Caminha para um fracasso.
As FARC, mais uma vez, demonstraram a capacidade estratégica que faz
delas uma organização revolucionaria que, pela
imaginação e firmeza, traz à memória os feitos
dos combatentes vietnamitas.
Antes do inicio da ofensiva de cerco a desconcentração
já era uma realidade. Em túneis escavados em lugares distantes e
adequados foram instalados grandes armazéns para
acumulação de armas, roupas, medicamentos, combustíveis e
alimentos.
Quadros seleccionados para o efeito especializaram-se durante oito meses de
treinos intensivos no manejo de explosivos, preparando-se para missões
especiais.
As formações tradicionais da guerrilha foram dissolvidas. Como
era necessário evitar que os sofisticados aviões espias
identificassem grupos numerosos de combatentes, as FARC optaram nas Frentes
daquela área pela
desconcentração.
Desapareceram de repente nos departamentos do Sudeste.
Um comandante amigo com o qual mantive, há dias, algures numa escala
de viagem, uma prolongada conversa, explicou que a
diluição
das FARC na selva amazónica foi acompanhada pelo aparecimento de
uma enorme quantidade de "unidades tácticas de combate".
Cada uma é constituída por cinco homens e actua isoladamente.
Confundidos com as populações camponesas, esses homens (e
mulheres) não podem ser identificados pelos aviões que espiam no
céu, pairando sobre o tapete verde da floresta amazónica.
Quando se torna oportuno atingir um objectivo na grande mata, duas ou
três unidades reúnem-se para desfechar um golpe fulminante no
inimigo, dissolvendo-se logo a seguir.
O exército, desconcertado, acumula frustrações. O anel do
cerco fechou-se muito. Tem agora um diâmetro de 40 quilómetros,
numa área dos Departamentos do Meta e do Caquetá, onde se
localizava a antiga Zona Desmilitarizada.
Conheço a região, o que me permite imaginar o cenário
onde os combatentes das unidades tácticas, movendo-se como formigas
na floresta, constituem uma força de batalha praticamente
invisível.
Simultaneamente, as FARC, para aliviarem a pressão na área,
intensificaram os ataques de flagelação em Departamentos muito
povoados, como Antioquia, e no Médio Magdalena e em Chocó, no
Pacifico, infligindo pesadas derrotas ao exercito.
"Se neste momento dispuséssemos de mísseis, a
situação no terreno seria muito diferente informou o
comandante amigo. Mas são demasiado caros para as nossas
condições. Na fronteira do Afeganistão um míssil
Stinger é negociado por 15 mil dólares e um fuzil comum por 400.
Nas nossas fronteiras os mercadores de armas pedem 180 mil dólares por
um míssil de modelo antiquado e 4500 por um fuzil. Agradeço que
lembres essa evidencia: se fossemos, como proclama o imperialismo, a
narcoguerrilha, teríamos armas adequadas para enfrentar os
helicópteros. Mas a sua falta é a melhor prova de que não
temos dinheiro e nos caluniam..."
A CUMPLICIDADE DE URIBE COM OS PARAMILITARES
Enquanto o exército persegue fantasmas na amazonia colombiana e nas
savanas ganaderas do Caquetá, Uribe, o aliado neonazi de George Bush,
monta em Bogotá a grande farsa da reintegração na
sociedade de bandos paramilitares.
Em primeiro lugar somente uma pequena percentagem de paramilitares entregou as
armas, renunciando oficialmente às suas actividades criminosas.
Milhares permanecem em acção, em numerosos departamentos,
assassinando camponeses, roubando, intimamente ligados aos cartéis da
droga. Foi de humor negro o discurso de Salvatore Mancuso, o sucessor de
Carlos Castaño no comando das chamadas Autodefesas Unidas da
Colômbia. "Com a alma plena de humildade declarou ao
entregar o seu fuzil o bandido promovido a herói peço
perdão ao povo da Colômbia e às nações do
mundo, entre elas os EUA, se por acção ou omissão os
ofendi".
O mesmo governo que se recusa a negociar com as FARC a troca de prisioneiros e
põe a prémio a cabeça dos principais comandantes da
organização empenhou-se em procurar aquilo a que chamou "uma
saída digna" para os paramilitares, envolvendo os seus crimes numa
neblina espessa. Mais, tratou de garantir a sua impunidade total
através de uma "suspensão condicional de penas",
conhecida como "Alternativa Penal, oficialmente intitulada "Lei de
Justiça e reparação". Uma comédia sinistra.
O mesmo governo que trata hoje como cidadão quase exemplar o chefe de
uma organização responsável pela chacina de dezenas de
milhares de camponeses prepara-se para entregar aos Estados Unidos, no
âmbito de um acordo de extradição, Simon Trinidad, o
comandante das FARC preso em Quito, no Equador, numa operação
suja montada pela CIA com a cumplicidade dos serviços secretos do
Equador e da Colômbia.
Cabe aqui transcrever palavras de um comunicado em que o estado maior do Bloco
Caribe das FARC-EP define bem a escoria humana que integra os bandos de
Castaño e Mancuso:
"O paramilitarismo é uma estratégia de
contra-insurreição do Estado, cujo alvo principal é a
população civil. É uma estratégia desalmada,
erigida sobre um pressuposto absurdo e cruel: os seus promotores acreditam
que promovendo a deslocação dos camponeses mediante chacinas,
incêndios e terror poderão atingir o objectivo de derrotar a
guerrilha porque segundo a sua perversa lógica estariam, assim,
impedindo o seu abastecimento logístico e a incorporação
de jovens nas suas fileiras".
A ligação dos paramilitares ao exército não pode
já ser ocultada desde que alguns generais, como Jaime Alberto
Uscategui, responsável pelo massacre do Meta, reconheceu não
apenas os seus crimes como a evidência: o paramilitarismo é o
braço das Forças armadas para execução das tarefas
mais sujas.
O general Farouk Yanez, executor da matança de 600 camponeses no
médio Magdalena, admitiu que o paramilitarismo deveria estruturar-se
como "força irregular para realizar aquilo que o exército
não podia fazer abertamente". Entre mais de vinte generais ligados
aos bandos paramilitares é publico o envolvimento de Ramirez Quintero,
Alejo del Rio, Carreño Sandoval, Herrera Verbel, Rene Pedraza e Carlos
Ospina, que foi comandante chefe das Forças Armadas, nomeado por Uribe.
AS FARC-EP: QUARENTA ANOS DE LUTA PELA PAZ
Dificilmente surgiu neste século no vasto mundo uma
organização revolucionária tão caluniada como as
Forças Armadas Revolucionárias da Colombia-Exercito do Povo.
Criadas em Maio de 64 por um punhado de guerrilheiros comunistas nas
montanhas do seu pais, elas cresceram em lutas épicas, sobrevivendo
a cercos e ofensivas quase permanentes.
O núcleo inicial de 46 homens e duas mulheres transformou-se nestas
quatro décadas numa guerrilha atípica que se assume como partido
marxista-leninista. As suas colunas, companhias, esquadras e unidades
tácticas batem-se hoje em 60 Frentes agrupadas em diferentes Blocos,
integrando um Exército popular de 18 mil combatentes.
Desenvolvi relações de amizade com alguns camaradas dessa
guerrilha heróica. Confraternizei durante três semanas, num
acampamento da selva amazónica, com essa gente. São de respeito
e admiração os sentimentos que as FARC me inspiram.
Creio que o comandante Raul Reyes expressa bem em palavras muito simples o
sentir dos seus companheiros ao escrever:
"As FARC-EP ratificam perante os povos do mundo o seu invariável
compromisso de luta política revolucionária em defesa dos
interesses da classe trabalhadora ,dos sem posses, dos excluídos da
nossa partia; pelo respeito da nossa soberania em luta pela segunda
independência, sob a liderança de uma nova direcção
estatal e governamental, livre dos vícios da politiquice, da
corrupção, do engano e da mentira, onde prevaleçam a
honradez e a decência no manejo dos dinheiros do povo e a dignidade
perante o império".
[1]
[1]
In "Resistência", revista da Comissão Internacional
das FARC-EP, Maio/2004.
Este artigo é publicado em simultâneo no semanário
Alentejo Popular
.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.