por Miguel Urbano Rodrigues
Recentes iniciativas do Governo dos EUA confirmam que a actual
Administração, longe de renunciar a uma estratégia de
dominação mundial, se propõe a ampliá-la em
múltiplas frentes.
Aquilo que parecia impossível há um ano está a acontecer:
a política externa de Obama é mais agressiva e perigosa para a
Ásia, África e América Latina do que a de George Bush. Mas
essa realidade não se tornou ainda evidente para as grandes maiorias,
influenciadas pela campanha de âmbito mundial que apresenta o presidente
dos EUA como um político progressista e um defensor da paz.
Os actos desmentem-lhe, porém, as promessas e a oratória.
Os media ocidentais dedicam atenção mínima a iniciativas
que se integram na expansão planetária do militarismo
estado-unidense. Mas esse silêncio não impede que ela seja uma
realidade.
O AFRICOM
A recente visita a países africanos do general William Garnett
é um exemplo passou praticamente despercebida. Acontece que esse
chefe militar foi dinamizar o AFRICOM, sigla que designa o comando do
exército permanente dos EUA a ser instalado na África. A
missão do general Garnett consistiu precisamente em contactos de alto
nível com o objectivo de encontrar uma sede para esse exército,
cuja criação foi aprovada há anos.
Sabe-se que até à data somente dois países, a
Libéria e Marrocos mostraram disponibilidade para receber o AFRICOM. O
general esbarrou, entretanto, com uma recusa frontal da Comunidade de
Desenvolvimento da África do Sul, SADC, organização que
reúne 15 países do Sul do Continente, incluindo Angola e
Moçambique.
Dois são os objectivos do AFRICOM. Segundo a Casa Branca, o principal
seria o combate ao terrorismo e o fortalecimento dos "regimes
democráticos" da Região. O outro seria incentivar as
relações económicas dos EUA com a África. Na
realidade esse exército foi concebido como força de
intervenção para apoiar governos aliados do Continente na sua
luta contra movimentos progressistas. Paralelamente, a presença militar
dos EUA criaria condições muito favoráveis ao controlo do
petróleo e dos enormes recursos mineiros africanos.
Enquanto não se decide qual o país sede do AFRICOM, o
Pentágono mantém forças nas Seychelles e em Djibuti
(antiga Somália Francesa). Foi a partir daí que aviões
não tripulados (os famosos drone) bombardearam a Somália. O
general William Ward, do AFRICOM, afirmou recentemente que a Somália
é hoje um "objectivo central do exército dos EUA no
Continente".
Simultaneamente a NATO amplia a sua presença no Índico.
IEMEN
A implementação da nova estratégia dos EUA para o
Índico e o Corno de África foi acompanhada no início de
Janeiro de uma intensa ofensiva mediática.
O fracassado atentado terrorista de um nigeriano contra o avião da
Norwest Airlines que se dirigia a Detroit funcionou como alavanca de uma
campanha que através de supostas ligações desse jovem
catapultou o Iémen para as manchetes da comunicação
social. De um dia para o outro aquele esquecido país do Sudeste da
Península Arábica passou a ser apontado como o foco principal da
Al Qaeda e uma ameaça à segurança dos EUA.
Uma massa torrencial de informações falsas foi difundida pelo
planeta numa repetição do que acontecera em 2004 nas
vésperas da agressão ao Iraque quando Washington forjou o mito
das "armas de extinção maciça" como pretexto
para a invasão.
O general Petraeus, comandante supremo dos EUA para o Médio Oriente e a
Ásia Central, visitou Sana, onde foi prometer ao presidente do
Iémen, Ali Abdullah Saleh, um aliado, um grande aumento da
"ajuda" norte-americana que no ano passado já ascendera a 67
milhões de dólares.
O presidente Obama, em Washington, falou do "perigo iemenita" e o
primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, apressou-se a alinhar com a
Casa Branca e a 3 de Janeiro afirmou em entrevista à BBC: "temos
que fazer algo mais" no Iémen e na Somália.
Quase simultaneamente, o assessor de Obama para a segurança nacional e o
antiterrorismo, John Brennan, foi mais longe: "convertemos o Iémen
informou numa prioridade para este ano".
A agressão militar precedeu, entretanto, essas declarações
oficiais.
Nem Obama, nem Petraeus, nem Brennan esclareceram que a força
aérea dos EUA bombardeou intensamente o território iemenita em
Dezembro com mísseis Cruzeiro e aviões não tripulados em
operações coordenadas com o exército da Arábia
Saudita.
Num bem documentado artigo, divulgado por Global Research, Rick Rozoff revela
pormenores dessas acções militares e das iniciativas politicas
que acompanham a escalada imperialista no Iémen.
O encerramento, seguido da imediata reabertura, das embaixadas dos EUA, do
Reino Unido e na França, foi uma farsa montada com o objectivo de
impressionar norte-americanos e europeus e neutralizar eventuais
reacções de protesto contra a abertura de uma nova frente de
guerra no Iémen.
Os guerrilheiros das tribos houthis, chiitas, que combatem o Governo de Saleh
no Norte, são apresentados por Washington como perigosos terroristas da
Al Qaeda. O mesmo acontece com as forças do Partido Socialista do
Iémen que, no Sul, lutam pela autonomia que lhes é negada.
Segundo porta vozes dos houthy, a Arábia Saudita disparou em Dezembro
mais de mil mísseis contra os seus acampamentos numa guerra não
declarada. O número de vítimas civis dos bombardeamentos
norte-americanos na área seria muito elevado.
"A pretexto de proteger o território dos EUA desta vaga e
ubíqua entidade (a Al Qaeda) escreve Rick Rozoff o
Pentágono está envolvido em operações militares que
vão do ocidente africano ao leste da Ásia contra grupos de
esquerda e outros, não vinculados a Obama Ben Laden, na Colômbia,
nas Filipinas, e no Iémen, milícias chiitas no Líbano e no
Iémen, rebeldes étnicos no Mali e no Níger, e uma
rebelião cristã extremista no Uganda."
A instalação de sete bases militares norte-americanas na
Colômbia insere-se nessa escalada militarista global. Também na
América Latina a estratégia da actual Administração
dos EUA é mais agressiva e desrespeitadora da soberania dos povos do que
a dos governos anteriores (ver odiario.info, 7 de Janeiro de 2010).
A transformação de uma iniciativa de suposta "ajuda
humanitária" ao Haiti, devastado por um terramoto
apocalíptico, numa operação militar através do
envio de uma força de mais de 15 mil soldados que ocuparam o
país, impondo discricionariamente a vontade de Washington
é mais uma demonstração da perigosa estratégia
imperial da Administração Obama.
O discurso farisaico do Presidente dos EUA funciona, porém, como um
anestésico das consciências, dificultando muito a
percepção da ameaça que representa para a humanidade a
politica orientada para a dominação da humanidade pelo sistema de
poder imperial.
O discurso de fachada progressista mantém-se, mas é negado a cada
semana pelos actos. As medidas anunciadas na área financeira para punir
abusos dos banqueiros de Wall Street e a corrupção dos senhores
da finança são, concretamente, um exemplo da hipocrisia do
discurso presidencial. Desde que tomou posse, a politica financeira de Obama
tem sido orientada não para a solidariedade com as vítimas da
crise o povo dos EUA mas para a salvação dos
responsáveis, os banqueiros e as grandes empresas à beira da
falência.
Tendo perdido a hegemonia económica exercida na segunda metade do
século XX, o sistema de poder estado-unidense tenta, através da
escalada militarista e do saque dos recursos dos povos do antigo Terceiro
Mundo, prolongar a dominação do capitalismo à escala
universal, superando pela violência a crise estrutural que o afecta e o
empurra para o desaparecimento.
Nesse contexto, a politica externa da Administração Obama
configura para a humanidade a mais perigosa ameaça por ela enfrentada
desde o III Reich alemão.
Uma derrota inevitável será o desfecho do desafio imperialista.
Mas vai tardar.
Para lutar vitoriosamente contra essa ameaça é
imprescindível que dezenas de milhões de mulheres e homens
progressistas tomem na Terra consciência dessa realidade.
20/Janeiro/2010/Vila Nova de Gaia
O original encontra-se em
http://www.odiario.info/articulo.php?p=1457&more=1&c=1
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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