por Miguel Urbano Rodrigues
O governo presidido por Tsipras tem vindo aceleradamente a deixar cair as suas
promessas eleitorais. Tanto no plano interno como no plano internacional, a sua
política é a do patronato, do grande capital, dos pólos
europeu e norte-americano do imperialismo. O governo Syriza-Anel, que tem
contado com o apoio transparente da burguesia, cria dificuldades à luta
dos trabalhadores, mas não pode impedir a ascensão da luta de
massas. Depois do êxito dos desfiles do 1º de Maio multiplicam-se em
toda a Grécia as manifestações e as greves. Pode suceder
que o Syriza, que tão útil foi ao capital na
oposição, perca essa utilidade agora que está no poder.
Os dirigentes das principais potências da União Europeia e os
media controlados pelo capital projetam no mundo uma imagem da Grécia
grosseiramente deformada.
Na caracterização da crise começam por esconder que os
empréstimos concedidos à Grécia se destinaram a financiar
o grande capital financeiro no âmbito da estratégia da
União Europeia.
Contrariamente ao que amplos sectores sociais admitiram, o governo Syriza-Anel
foi recebido com agrado pelas organizações e representantes do
mundo empresarial.
A coligação do Syriza com o Anel - partido nacionalista e
xenófobo - formou-se em poucas horas porque existia um acordo
prévio. É aliás significativo que a
Federação Helénica de Empresas (SEV) e o diretor geral de
Businesseurope tenham felicitado Alexis Tsipras logo após a sua
nomeação para primeiro-ministro.
As linhas gerais da política capituladora do novo governo foram
traçadas com antecedência, mas Tsipras e o seu ministro Varoufakis
esforçaram-se inicialmente nos seus discursos por transmitir ao mundo a
imagem de um governo de esquerda, empenhado em realizar reformas progressistas
de rutura com a política da Nova Democracia e do PASOK, que respondessem
às aspirações do povo. Confundir as massas foi objetivo
prioritário.
Acompanhando uma chuva de promessas, o governo criou uma linguagem enganadora.
O memorando passou a chamar-se "acordo-ponte" a troika "grupo de
Bruxelas, as privatizações
"colaborações".
HIPOCRISIA E SUBMISSÃO OSTENSIVA
O êxito eleitoral do Syriza a 25 de Janeiro foi uma consequência do
profundo descontentamento popular. O povo votou contra a política da
Nova Democracia PASOK que arruinara o país, empobrecera
dramaticamente os trabalhadores em nome da competitividade e rentabilidade do
capital.
Num contexto em que o desemprego atingira os 26,8%, o Syriza fez promessas que
na prática não ultrapassavam politicas assistencialistas
similares às aplicadas por outros governos burgueses, inclusive os do
PASOK e da Nova Democracia, para gestão da pobreza extrema e da
miséria absoluta. Não tinha, sublinhe-se, a
intenção de as cumprir, como ficou demonstrado.
Prometeu, por exemplo, restabelecer o salário mínimo em 751
euros, mas manteve-o em 580 euros. Afirmou que reduziria drasticamente o IVA,
mas engavetou rapidamente a promessa, e agora está negociando o seu
aumento. A condenação frontal da "austeridade" cedeu
lugar a uma "austeridade suavizada".
Transcorridas poucas semanas, ficou ainda mais transparente que o governo
Syriza-Anel se propunha a desenvolver uma política capitalista,
totalmente alinhada com a estratégia e as políticas da
União Europeia.
Afirma despudoradamente que a Grécia pagará integralmente a sua
gigantesca dívida externa de 374 mil milhões de euros, pela qual
não cabe ao povo grego nenhuma responsabilidade. A lentidão das
negociações com Bruxelas não deve gerar ilusões.
Acabaram por chegar a um acordo, como ambas as partes desejavam. Segundo
declarou Varoufakis, será assinado antes do final de Junho.
Registe-se, porém, que na ultima reunião do Comité Central
do Syriza um setor minoritário desse partido criticou o acordo,
manifestando-se contra a sua aprovação.
Para favorecer os grupos monopolistas e o patronato em geral, o governo precisa
de realizar tímidas reformas nas áreas da política
monetária e fiscal. As contradições existentes na
União Europeia e no relacionamento desta com os EUA teriam de se
refletir no diálogo do governo com as potências imperialistas.
Cabe lembrar que Washington disputa à Alemanha a hegemonia na Europa e
tudo faz para sabotar as relações económicas do governo de
Ângela Merkel com a Rússia.
O afastamento do ministro da Economia, Varoufakis, do papel de
"negociador" foi tema de interpretações fantasistas. Na
realidade, essa decisão não teve motivação
ideológica, resultando da sua personalidade e estilo. É
esclarecedor ele ter sido professor de uma universidade americana e ser um
keynesiano, defensor assumido do capitalismo e do aprofundamento das
relações com os EUA. Declarou enfaticamente que está de
acordo com 70% das medidas do memorando imposto pela troika.
O "Acordo de 20 de Fevereiro", negociado com o Eurogrupo, prolongou a
validade do memorando. O governo Tsipras-Anel manteve todos os compromissos
assumidos pelo governo de Samarás e os anteriores, e abre a porta a um
pacote de novas medidas antipopulares: aumento de impostos,
privatizações de infra-estruturas estratégicas, cortes em
áreas sociais (saúde, educação, segurança
social) e nos salários da função publica,
benefícios fiscais para os grandes grupos económicos, etc. A
privatização do porto do Pireu intensifica-se com o aumento do
controle privado para 51% e perspetiva da venda de mais 16% num futuro
próximo bem como outras estruturas privadas e 14 aeroportos
regionais.
Aliás, a Nova Democracia, o Pasok e o Potami apressaram-se a declarar
que votarão a favor do Acordo de 20 de Fevereiro se ele for submetido ao
Parlamento, e expressaram disponibilidade para aprovar qualquer acordo que
mantenha a Grécia na zona euro.
MAIOR INTEGRAÇÃO NA NATO
O governo Syriza-Anel tem afirmado que pretende fortalecer as
relações com os Estados Unidos e a NATO, instrumento militar da
sua estratégia planetária de dominação imperialista.
O ministro da Defesa, politico de extrema-direita, defende um aprofundamento da
cooperação com Israel. Ao visitar os EUA sugeriu a
exploração conjunta dos recursos energéticos do Mar Egeu.
O governo coligado criou condições para a
intensificação de manobras da NATO no país, alargando a
cooperação com as bases militares da organização no
território nacional. O ministro da Defesa propôs inclusive a
instalação de mais uma base militar da NATO na ilha de Karpathos.
Não obstante a asfixia financeira, o governo de Tsipras aprovou uma
verba de 500 milhões de dólares para modernização
de aviões obsoletos Lockheed, destinados a missões de
vigilância da NATO no sudeste do Mediterrâneo.
Numa exibição das suas contradições, discordou
primeiro da imposição de um novo pacote de sanções
à Rússia, mas depois aprovou-as.
Aceitou também participar na escalada militar no Médio Oriente,
invocando como pretexto "a proteção das
populações cristãs" contra o chamado Estado
Islâmico.
Ampliam-se as relações com o estado terrorista de Israel,
assumindo o perfil de uma aliança estratégica. Logo nos primeiros
dias do atual governo, o ministro da Defesa sugeriu a criação de
um espaço de defesa comum que inclua Chipre e Israel.
A Grécia acha-se cada vez mais envolvida nos projetos agressivos do
imperialismo para a Região e, portanto, cada vez mais exposta aos
perigos inseparáveis dessa politica.
É nesse contexto que o capital grego encara as suas
relações com as outras potencias capitalistas. A visita a Moscovo
de Tsipras inseriu-se nesse quadro.
IRREDUTIVEL OPOSIÇÃO DO KKE
A direção do KKE declarou desde o início da campanha
eleitoral que não aceitaria em hipótese alguma participar em
qualquer governo burguês.
O Partido Comunista está consciente das dificuldades da sua
posição.
O facto de o Synapismos, núcleo do atual Syriza, ter sido formado por
dissidentes do KKE contribuiu para que grandes media internacionais
apresentassem o partido de Tsipras como força política radical e
até revolucionária. O apoio do Partido da Esquerda Europeia
(criado para desmobilizar a classe operária), de partidos comunistas
reformistas como o PCF e o PCE ao Governo Syriza-Anel, e da social-democracia
europeia em geral também gerou alguma confusão. O KKE desempenha
um papel fundamental na organização da luta contra as medidas
antipopulares do atual governo.
A votação do projeto de lei que apresentou no Parlamento para
abolição do memorando e das leis antipopulares tem sido adiada.
Será certamente derrotado pela maioria.
O governo Syriza-Anel, que tem contado com o apoio transparente da burguesia,
cria dificuldades à luta dos trabalhadores, mas não pode impedir
a ascensão da luta de massas.
O Syriza com o seu populismo demagógico continua a confundir amplos
sectores sociais. Mas a sua máscara apresenta-se cada vez mais
esburacada. No momento em que escrevo multiplicam-se em toda a Grécia as
manifestações e as greves. O êxito dos desfiles do 1º
de Maio iluminou bem a atitude de milhares de trabalhadores perante uma
política classista, favorável ao grande capital. Para os dias 11
e 23 de Junho foram convocadas pelo PAME a frente de trabalhadores e
organizações sindicais na qual o KKE desempenha um papel
fundamental grandes manifestações.
O capitalismo não tem soluções para a sua crise
estrutural. Está condenado a desaparecer e a única alternativa
é o socialismo. O KKE não desconhece que no atual contexto
europeu e mundial a agonia do monstruoso sistema de exploração do
homem será provavelmente lenta.
Mas como partido revolucionário marxista-leninista a estratégia
do KKE não é elaborada em função de um
calendário para a tomada do poder. Os comunistas gregos não
excluem a possibilidade de uma agudização das
contradições e antagonismos, situação essa que
poderia desembocar numa guerra imperialista na Região.
De dirigentes seus ouvi repetidamente a afirmação de que [o
Partido] está preparado para "todas as eventualidades".
Atenas, 30 de Maio de 2015
O original encontra-se em
www.odiario.info/?p=3664
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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