por Miguel Urbano Rodrigues
A demissão, no final de Abril de quatro generais colombianos Jairo
Duvan, Luís Garcia, Roberto Pizarro e Hernán Cadavid abriu
uma crise grave nas Forças Armadas daquele pais. Esses generais, que
exerciam comandos importantes, foram afastados por terem criticado a
estratégia do Plano Patriota imposta pelos Estados Unidos .
O influente diário
El Tiempo,
de Bogotá, muito ligado à oligarquia, aproveitou a oportunidade
para publicar no primeiro aniversário do Plano Patriota um suplemento em que
alguns dos seus redactores especializados procedem ao balanço do
projecto ideado pelo Presidente Álvaro Uribe para destruir as
Forças Armadas Revolucionarias da Colômbia-Exército Popular.
A editora chefe, Maria Alejandra Villamizar, depois de lembrar que esse Plano
"é a operação militar mais ambiciosa da história da
Colômbia e foi por alguns meses um dos segredos de Estado melhor
guardados", sublinha que "nunca antes se tinha mobilizado uma
força de 18 mil homens para uma só missão" e que
"Os EUA nunca antes se haviam envolvido de maneira tão directa na
guerra contra a insurreição do país".
O alto comando do Exército reagiu mal à iniciativa de
El Tiempo
por se tratar de um jornal com grande prestígio junto da oligarquia, e
sobretudo porque o Suplemento ilumina o fracasso da estratégia de
Uribe, apoiada pela Casa Branca e pelo Pentágono e confirma uma
evidência: as FARC, longe de terem sido aniquiladas, mantêm intacta a
capacidade combativa nas 60 Frentes em que os seus 17 mil guerrilheiros se
batem.
No artigo principal, assinado por Judith Bedoya Lima,
El Tiempo
traz a público pormenores inéditos sobre o desenvolvimento do Plano
Patriota. Revela, por exemplo, que um dos objectivos da Operação
JM homenagem ao ex-comandante do exercito,general Jorge Mora era
a captura do comandante Jorge Briceño, chefe do Bloco Oriental das FARC
e membro do secretariado do Estado Maior .
Tem interesse esclarecer que Briceño, mais conhecido como
El Mono Jojoy,
é o grande estratego das FARC e um guerrilheiro legendário cuja
morte já foi anunciada muitas vezes por diferentes governos
colombianos.
O organograma da Operação, elaborado em atmosfera de
secretismo , esclarece que, numa primeira fase, seria estabelecido um
cordão militar intransponível que isolasse uma área de 300
mil km2 (três vezes e meia Portugal), englobando os Departamentos do
Caquetá, do Meta, do Guaviare e parte do Putumayo, no Oriente do
país.
Em três meses foi instalado na Base Militar de Larandia, no
Caquetá, um centro de operações sofisticado que recebia
informações de satélites dos EUA e de helicópteros
Black Hawk. Três centros similares foram montados em San Vicente del
Caguan, em Solano e em San José, este no Departamento do Guaviare. Dez
Brigadas Móveis, sob o comando do general Castellanos, apoiadas por unidades de
elite da Marinha e da Força Aérea, começaram a fechar as
tenazes do cerco. Sucessivamente foram ocupadas Miraflores, no Guaviare, e
Puerto
Cachicamo, no Caquetá e municipios do Meta onde elementos das FARC
apareciam com frequência .
Houve combates, mas as FARC não defendem o terreno. As perdas do
Exército foram pesadas, apesar da enorme superioridade do seu armamento. A
guerrilha dispunha apenas, além de fuzis comuns, de metralhadoras e utilizou
cilindros explosivos montados com material de oleodutos, minas e armadilhas
rústicas do tipo vietnamita .
Em Junho de 2004, o Presidente Uribe recebeu a informação, logo
comunicada a Washington, de que estava iminente uma grande vitória, um golpe
susceptível de quebrar a coluna vertebral das FARC.
Os helicópteros dos serviços de inteligência com a
cooperação de satélites estadunidenses haviam localizado o
acampamento de Jorge Briceño no mais denso de selvas
impenetráveis. Uma força de elite, poderosamente armada,
internou-se nas grandes matas rumo ao local cuja latitude e longitude era
conhecida com a precisão de minutos e segundos. O acampamento foi
bombardeado e depois ocupado. Mas o desfecho foi decepcionante.
El Mono Jojoy,
à frente de 70 guerrilheiros outros tomaram
direcções diferentes deixara a tempo o lugar. A tropa
invasora chegou a estar a 12 metros do seu esconderijo, na margem de um rio.
"Será que Deus também é comunista?" desabafaram
alguns militares, segundo
El Tiempo.
O governo e o Exército apresentaram a ocupação do acampamento
como um grande êxito, mas os comunicados oficiais omitiram que
El Mono Jojoy
não fora sequer localizado.
Num ambiente morno a segunda fase da Operação JM teve
início em Setembro, transcorridos três meses. Objectivo: perseguir
e capturar os comandantes das FARC numa área mais reduzida, de 160.600
km2, de pura selva, de acordo com o Exército.
A ofensiva, que ainda prossegue, foi desde o começo um fracasso. O moral
das tropas é baixíssimo.
El Tiempo
revela episódios esclarecedores do estado de espírito dos
soldados atirados para o inferno amazónico. Um exemplo: 18 militares da
V Brigada, após dois meses de combate em El Billar, no Caquetá, contra um
inimigo quase sempre invisível, sequestraram um helicóptero que
levava abastecimentos. Prenderam os pilotos e obrigaram-nos a transportar o
grupo a San Vicente del Caguan ao Batalhão de Caçadores.
Aí, declararam à psicóloga daquela
unidade:"Não queremos permanecer ali mais tempo, a selva
está a enlouquecer-nos!"
O general Ospina, comandante chefe, comentou que metade dos militares
empenhados na Operação JM está exigindo o regresso. Em
Dezembro pp a Brigada Móvel 10 tinha já fora de combate 884
homens, isto é 76 % dos efectivos. Somente do Guaviare foram evacuados
671 soldados vítimas do paludismo.
A lista oficial de baixas, para não alarmar a população,
é falsificada todos os meses.
O general Castellano, foi, aliás substituído no comando da fracassada
Operação pelo general Carlos Fracica. Castellanos responde agora
a acusações de "extorsão e sequestro" no
Departamento de Huila.
A INTERVENÇÃO DOS EUA
Negada pela Casa Branca, a intervenção dos EUA no conflito entre
o governo de Uribe e as FARC é uma realidade.
No âmbito da estratégia que visa ao controlo da Amazónia
pelos EUA, o Plano Colômbia foi concebido como instrumento indispensável
para para o financiamento da luta contra a insurreição armada.
Oficialmente, esse Plano cujo texto em castelhano é uma
tradução do original inglês, redigido em Washington
foi
elaborado para promover o desenvolvimento económico e social e combater
o narcotráfico. Mas o objectivo real era outro. Para o sistema
imperial a sobrevivência na Colômbia há décadas de
uma organização guerrilheira com uma aura de invencibilidade
configurava um desafio intolerável. As FARC demonstravam que em
condições histéricas, geográficas e sociais muito
peculiares era possível na América Latina resistir pelas armas ao
poder de um Estado oligárquico aliado de Washington. Destruir uma
organização guerrilheira que se assumia como partido
marxista-leninista passou a ser uma prioridade primeiro para Clinton e depois
para Bush.
A máscara caiu quando o Congresso aprovou a transferência de importantes
verbas do Plano Colômbia para acções militares de combate
à insurreição.
As Forças Armadas da Colômbia são hoje, com aproximadamente
300 mil homens, as mais poderosas da América Latina, dispondo de armas
e tecnologias que os EUA somente fornecem a Israel. O poder de fogo da
Força Aérea da Colômbia é superior ao das suas
equivalentes do Brasil e do México somadas.
O Plano Patriota apareceu como complemento do Plano Colômbia. No
início do ano 2003, uma missão militar colombiana deslocou-se ao
Comando Sul dos EUA para pedir ajuda. A visita foi secreta. Tratava-se de
vibrar 'o golpe de misericórdia' nas FARC, atacando e destruindo os seus
'santuários'.
O projecto e a linguagem inspirada na dos generais norte-americanos do
Vietnam sensibilizaram Washington.
O general James Hill, então chefe do Southcom, informou Bush de que 'a
situação na Colômbia chegara a um ponto critico e o Plano
Patriota pode ser decisivo na luta contra os narcoterroristas'.
Segundo
El Tiempo,
Washington contribuiu numa primeira fase com 100 milhoes de dólares
para o Patriota, em armas transportes, material de comunicações
e treino de pessoal. Posteriormente general Bantz Cradock, sucessor de Hill,
pediu ao Congresso mais fundos para ajuda aos 'aliados colombianos', alegando
que o apoio logístico dos EUA era imprescindível para a
obtenção de 'novas vitórias no Plano Patriota'. A próxima
fatia deve ser de 50 milhões.
Tornou-se necessário superar um obstáculo. O alto comando
colombiano concluiu que o numero de assessores militares dos EUA era
insuficiente. Pediu um reforço porque os 400 militares e contratistas
cuja presença no pais fora autorizada estavam ocupados em diferentes
missões do Plano Colômbia.
O general Hill, num memorando enviado ao Congresso, solicitou a
ampliação do contingente. "Quando me mostraram o Plano
(Patriota) e vi como era complexo e grandioso, vi que tinhamos de aumentar as
nossas equipas de planeamento, dar-lhes apoio logístico para o
planeamento de combates em terra permanentes, em
comunicações,inteligência e transportes'.
O estilo do general é tosco, mas funcionou. O Congresso autorizou o
aumento da presença militar norte-americana na Colômbia no
âmbito da
Joint Planing Assistance Teams.
O eufemismo não engana. No início deste ano o número de
militares dos EUA no pais atingia os 800 elementos das forças
especiais, pilotos, engenheiros e os contratistas eram 600.
'Aos pedidos da Colômbia dispensa-se quase a mesma atenção
que merecem os do próprio exército dos EUA' declarou um analista
militar entrevistado por
El Tiempo.
O Plano Patriota conta agora com técnicos que dominam as
comunicações via satélite e conseguem obter imagens que
permitem localizar acampamentos das FARC e movimentos das suas colunas .
A intervenção militar dos EUA no conflito é
inocultável.
O Suplemento de
El Tiempo,
como era inevitável, teve profundo impacto na opinião publica.
Quase coincidiu com a visita a Bogotá da senhorita Condoleeza Rice,
conhecida na América Latina como 'a Bruxa Imperial'.
A demissão dos quatro generais colombianos não lhe facilitou a
missão. Veio confirmar que a crise nas Forças Armadas resultou
do fracasso do Plano Patriota.
As FARC desencadearam no final de Abril uma ofensiva no Sudoeste do país
e a Operação JM na Frente Oriental inspira anedotas em
Bogotá.
É significativo que até hoje os únicos comandantes das
FARC que caíram nas mãos do governo Simon Trinidad e
Rodrigo Granda tenham sido sequestrados no estrangeiro com a ajuda da
CIA.
A solidariedade com a organização revolucionária de Manuel
Marulanda é uma exigência internacionalista no combate para a
globalização da luta dos povos contra a
globalização imperial.
Serpa, 10/Maio/2005
Este artigo encontra-se em
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