por Miguel Urbano Rodrigues
Pertenço a uma geração que se tornou adulta durante a II
Guerra Mundial. Acompanhei com espanto e angústia a
evolução lenta da tragédia que durante quase seis anos
desabou sobre a humanidade.
Desde a capitulação de Munique, ainda adolescente, tive
dificuldade em entender porque não travavam a França e a
Inglaterra o III Reich alemão. Pressentia que a corrida para o abismo
não era uma inevitabilidade. Podia ser detida.
Em Maio de 1945, quando o último tiro foi disparado e a bandeira
soviética içada sobre as ruínas do Reichstag, em Berlim,
formulei como milhões de jovens em todo o mundo a pergunta
"Como foi possível?"
Hitler suicidara-se uma semana antes. Naqueles dias sentíamos o peso de
um absurdo para o qual ninguém tinha resposta. Como pudera um povo de
velha cultura, o alemão, que tanto contribuíra para o progresso
da humanidade, permitir passivamente que um aventureiro aloucado exercesse
durante 13 anos um poder absoluto. A razão não encontrava
explicação para esse absurdo que precipitou a humanidade numa
guerra apocalíptica (50 milhões de mortos) que destruiu a
Alemanha e cobriu de escombros a Europa?
Muitos leitores ficarão chocados a por evocar, a propósito da
crise portuguesa, o que se passou na Alemanha a partir dos anos 30.
Quero esclarecer que não me passa sequer pela cabeça estabelecer
paralelos entre o Reich hitleriano e o Portugal agredido por Sócrates.
Qualquer analogia seria absurda.
São outros o contexto histórico, os cenários, a
dimensão das personagens e os efeitos.
Mas hoje também em Portugal se justifica a pergunta "Como foi
possível?"
Sim. Que estranho conjunto de circunstâncias conduziu o País ao
desastre que o atinge? Como explicar que o povo que foi sujeito da
Revolução de Abril tenha hoje como Primeiro-ministro,
transcorridos 35 anos, uma criatura como José Sócrates? Como
podem os portugueses suportar passivamente há mais de cinco anos a
humilhação de uma política autocrática, semeada de
escândalos, que ofende a razão e arruína e ridiculariza o
Pais perante o Mundo?
O descalabro ético socrático justifica outra pergunta: como pode
um Partido que se chama Socialista (embora seja neoliberal) ter desde o
início apoiado maciçamente com servilismo, por vezes com
entusiasmo, e continuar a apoiar, o desgoverno e despautérios do seu
líder, o cidadão Primeiro-ministro?
Portugal caiu num pântano e não há resposta
satisfatória para a permanência no poder do homem que insiste em
apresentar um panorama triunfalista da política reaccionária
responsável pela transformação acelerada do país
numa sociedade parasita, super endividada, que consome muito mais do que produz.
Pode muita gente concluir que exagero ao atribuir tanta responsabilidade pelo
desastre a um indivíduo. Isso porque Sócrates é, afinal,
um instrumento do grande capital que o colocou à frente do Executivo e
do imperialismo que o tem apoiado. Mas não creio neste caso empolar o
factor subjectivo.
Não conheço precedente na nossa História para a cadeia de
escândalos maiúsculos em que surge envolvido o actual
Primeiro-ministro.
Ela é tão alarmante que os primeiros, desde o mistério do
seu diploma de engenheiro, obtido numa universidade fantasmática
(já encerrada), aparecem já como coisa banal quando comparados
com os mais recentes.
O último é nestes dias tema de manchetes na
Comunicação Social e já dele se fala além
fronteiras.
É afinal um escândalo velho, que o Presidente do Supremo Tribunal
e o Procurador-geral da República tentaram abafar, mas que retomou
actualidade quando um semanário divulgou excertos de escutas do caso
Face Oculta.
Alguns despachos do procurador de Aveiro e do juiz de instrução
criminal do Tribunal da mesma comarca com transcrições de
conversas telefónicas valem por uma demolidora peça
acusatória reveladora da vocação liberticida do governo de
Sócrates para amordaçar a Comunicação Social.
Desta vez o Primeiro-ministro ficou exposto sem defesa. As vozes de gente sua
articulando projectos de controlo de uma emissora de televisão e de
afastamento de jornalistas incómodos estão gravadas. Não
há desmentidos que possam apagar a conspiração.
Um mar de lama escorre dessas conversas, envolvendo o Primeiro-ministro. A
agressiva tentativa de defesa deste afunda-o mais no pântano.
Impossibilitado de negar os factos, qualifica de "infame" a
divulgação daquilo a que chama "conversas privadas".
Basta recordar que todas as gravações dos diálogos
telefónicos de Sócrates com o banqueiro Vara, seu ex-ministro
foram mandadas destruir por decisão (lamentável) do Presidente do
Supremo Tribunal de Justiça, para se ter a certeza de que seriam
muitíssimo mais comprometedoras para ele do que as "conversas
privadas" que tanto o indignam agora, divulgadas aliás dias depois
de, num restaurante, ter defendido, em amena "conversa" com dois
ministros seus, a necessidade de silenciar o jornalista Mário Crespo da
SIC Noticias.
Não é apenas por serem indesmentíveis os factos que este
escândalo difere dos anteriores que colocaram José Sócrates
no banco dos réus do Tribunal da opinião pública. Desta
vez a hipótese da sua demissão é levantada em editoriais
de diários que o apoiaram nos primeiros anos e personalidades
políticas de múltiplos quadrantes afirmam sem rodeios que
não tem mais condições para exercer o cargo.
O cidadão José Sócrates tem mentido repetidamente ao
País, com desfaçatez e arrogância, exibindo não
apenas a sua incompetência e mediocridade, mas, o que é mais
grave, uma debilidade de carácter incompatível com a chefia do
Executivo.
Repito: como pode tal criatura permanecer como Primeiro-ministro?
Até quando, Sócrates, teremos de te suportar?
09/Fevereiro/2010
O original encontra-se em
http://www.odiario.info/articulo.php?p=1479&more=1&c=1
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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