A globalização neoliberal não é o problema
O capitalismo é. As pessoas de esquerda que têm como alvo a
globalização neoliberal denunciam a privatização,
os mercados livres, a mobilidade sem peias do capital e as
desregulamentações governamentais da indústria. Elas
propõem, como alternativa, que governos nacionais ou supra-nacionais
controlem e regulem transacções de mercado e especialmente
movimentos de capital, aumentem impostos sobre os lucros e a riqueza, e
até mesmo possuam e operem indústrias. "Tudo nos interesses
do povo", dizem elas, democraticamente.
Mas a crítica de Marx ao capitalismo nunca teve como foco
regulamentações governamentais e indústrias de propriedade
estatal. Isto nunca foi a sua solução para os custos,
injustiças e desperdícios do capitalismo. Ao invés disso,
Marx apontava e enfatizava a "estrutura de classe" da
produção no capitalismo. Com isto referia-se ao modo como as
empresas produtivas eram organizadas internamente: minúsculos
grupos de
pessoas (conselhos de administração) que se apropriavam de uma
porção o "excedente" daquilo que os
trabalhadores produziam e a empresa vendia. Marx definiu tal
apropriação do excedente como
"exploração". E, como disse Marx, a
exploração capitalista pode existir quer aqueles apropriadores
sejam conselhos de administração corporativos (capitalismo
privado) ou responsáveis estatais (capitalismo de Estado).
Marx opôs-se à exploradora estrutura de classe da
produção no capitalismo nos planos político, ético
e económico. Ele preferia uma alternativa comunista onde trabalhadores
produtivos funcionassem como os seus próprios conselhos de
administração, apropriando e distribuindo colectivamente os
excedentes que produzissem. Igualdade e democracia, argumentou ele, exigiam a
abolição da exploração como condição
necessária para a sua realização.
O capitalismo como sistema sempre e por toda a parte atravessou fases, guinadas
repetidas entre duas formas alternativas. O capitalismo privado é a
forma neoliberal, "laissez-faire": a intervenção
do
governo em assuntos económicos é minimizada, e os
indivíduos e negócios interagem em grande medida através
de trocas voluntárias no mercado. A outra forma é a
estatal-intervencionista, "social-democrata", o capitalismo do Estado
Previdência: o governo administra a economia através da
regulamentação daquilo que os capitalistas privados podem fazer
ou, alguma vezes, até assumindo o comando das suas empresas a fim fazer
com que as decisões dos negócios fiquem em linha com as
decisões governamentais.
A cada poucas décadas, todo país capitalista, seja qual for
destas duas formas que tenha estado em vigor, entra em sérias
dificuldades económicas. Trabalhadores perdem empregos, rendimentos
declinam, empresas falem, e assim por diante. Levanta-se então o clamor
do "alguma coisa tem de ser feita". Aqueles que sentem sofrimento
mínimo e ganham bom dinheiro preferem deixar a forma existente de
capitalismo corrigir-se por si própria. Aqueles mais feridos e que
perdem dinheiro pedem mais mudanças drásticas. Quando este
segundo grupo prevalece politicamente, a forma existente de capitalismo
é finalizada e instalada a outra. Umas poucas décadas mais tarde
o mesmo drama é representado ao contrário.
Quando um próspero capitalismo privado nos EUA chocou-se contra um muro
de pedra em 1929, o país comutou para o capitalismo do Estado
Previdência
(welfare-state).
Quando as décadas de 1960 e 1970 produziram crise naquele capitalismo
do Estado Previdência, o país comutou outra vez para o capitalismo
privado (neoliberalismo). Agora, depois de trinta anos de capitalismo
privado globalizado provocar a proliferação de dificuldades,
demasiada gente de esquerda aderiu ao coro dos que vêem como única
solução uma outra guinada para capitalismo do Estado
Providência. O legado de Coolidge e Hoover foi derrubado pelo coro de
FDR. O legado do New Deal foi derrubado pelo coro de Ronald Reagan. O legado
de Reagan-Bush pode agora ser derrubado pelo de Clinton, Obama, et alii. Tais
reversões de fase entre as duas formas de capitalismo ocorrem quase por
toda a parte, variando apenas com as condições e a
história particular de cada país.
Como formas, o capitalismo privado e de Estado são
oscilações de fase do sistema capitalista. Quando uma fase
não pode resolver os seus problemas, a solução tem sido
uma comutação para a outra fase. Assim, as crises de capitalismo
até então evitaram provocar a solução alternativa
de uma transição para fora do capitalismo. Mas aquela
transição era precisamente o objectivo de Marx. Ele pretendia
persuadir os trabalhadores que as oscilações entre capitalismo de
Estado e privado não eram as melhores soluções para os
fracassos do capitalismo, pelo menos não para os trabalhadores.
Muita gente de esquerda de hoje cataloga os terríveis resultados de 25
anos de domínio neoliberal: crises económicas e sociais
agravando cada vez mais profundamente desigualdades de riqueza, rendimento e
poder por todo o lado e dentro da maior parte dos países. Eles
mencionam a explosão de bolhas de investimento, explosões de
dívidas insustentáveis, mercados de crédito em colapso,
ameaças de recessão, desmoronamento de serviços sociais,
produção de mercadorias inseguras, e assim por diante. Eles
propõem "soluções": que governos
nacionais ou
talvez agora supranacionais devem ser relembrados, por um levantamento
democrático, do seu próprio papel. Os governos deveriam limitar,
controlar, regular ou substituir empresas capitalistas privadas no interesse do
povo.
Este modo de pensar repete os erros da esquerda na década de 1930.
Então, quando o capitalismo privado havia implodido na Grande
Depressão, a deterioração das condições
voltou a maior parte dos americanos contra as preferências do Republicano
Herbert Hoover e a favor do Democrata FDR. Uma nova era de
intervenção económica governamental ganhou o nome de
Teoria Económica Keynesiana. Contudo, o keynesianismo do New Deal
sempre manteve no lugar os conselhos de administração das
corporações capitalistas que dominavam a economia dos EUA.
Aqueles conselhos permaneceram como os receptores do excedente produzido pelos
seus trabalhadores os "lucros" das corporações.
Eles utilizaram aqueles lucros para fazer crescer as corporações,
fazer ainda mais lucros, pagar salários mais altos aos
responsáveis de topo, influenciar a política, e assim por diante.
O capitalismo do Estado Previdência nos EUA agravou impostos,
regulamentos e limites e alternativas de emprego em massa para
aquelas corporações privadas. Mas ao deixar os seus conselhos de
administração no lugar como receptores e distribuidores de lucros
corporativos, o Estado Previdência assinou a sua própria
sentença de morte. Os conselhos de administração tinham o
desejo e os meios para desfazer o Estado Previdência. Custou-lhes apenas
um momento mudar a opinião pública e construir um rico e poderoso
movimento liderado pelos negócios a fim de alcançar seus
objectivos. Na administração Reagan e desde então,
potenciado por uma crise do Estado Previdência nos anos 1960 e 1970, eles
tiveram êxito em mudar os EUA e além disso retroceder a uma fase
do capitalismo privado a que chamamos "globalização
neoliberal".
Compreensivelmente, muitas pessoas não podem ver além das duas
fases do capitalismo ou dos debates, lutas e transições entre
elas. Mas a gente de esquerda que não vê mais além
que critica a globalização neoliberal e advoga um requentado
keynesianismo do Estado Providência abandonou o projecto
crítico anti-capitalista de Marx. Elas tornaram-se apenas um outro coro
para mais uma oscilação de retorno para a forma de capitalismo do
Estado Providência.
As classes trabalhadoras precisam e merecem algo melhor do que isso, agora mais
do que nunca.
[*]
Professor de Ciências Económica na Universidade de Massachusetts -
Amherst. Autor de
numerosos livros e artigos
, incluindo (com Stephen Resnick)
Class Theory and History: Capitalism and Communism in the USSR
(Routledge, 2002) e (com Stephen Resnick)
New Departures in Marxian Theory
(Routledge, 2006).
O original encontra-se em
http://mrzine.monthlyreview.org/wolff041207.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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