Moeda sem controle
As falácias do monetarismo desmistificadas já em 1984
Um ensaio pré-monitório do que viria a ser a
financiarização
Porque um banco central
não pode
controlar a massa monetária
por Harry Magdoff e Paul M. Sweezy
[*]
|
As ilusões quanto ao poder milagroso do crédito e do
sistema bancário, alimentadas por alguns socialistas, surgem da completa
falta de familiaridade com o modo de produção capitalista e do
sistema de crédito como uma das suas formas.
Karl Marx, O Capital, Vol. III
|
Milton Friedman e outros eminentes monetaristas afirmam que a causa da
duração e severidade da Grande Depressão foi o
falhanço da Reserva Federal em agir de modo apropriado. Afirmam ainda
que as políticas do Fed contribuíram fortemente para todas as
recessões desde então e que também serviram como
promotores de inflação. E não são apenas os
conservadores que julgam que o Fed é a primeira fonte dos nossos males
económicos. Apesar dos liberais desprezarem a teoria monetária e
rejeitarem os preconceitos da direita, acreditam que as políticas
apertadas dos Fed foram em larga escala responsáveis pelas
recessões do pós-guerra, especialmente aquelas ocorridas desde o
fim dos anos 60. E entre os radicais também há a tendência
para alinhar com a noção que a manipulação do
fornecimento de dinheiro tem um papel decisivo no ciclo dos negócios. O
controlo popular do Fed é então advogado por alguns como uma
panaceia que presumivelmente criaria empregos, reavivaria
indústrias em dificuldades e na generalidade protegeria de calamidades
económicas.
O que é espantoso acerca desta ilusão generalizada é a sua
persistência na visão do registo histórico. O
declínio dos negócios, supostamente gerado nos Estados Unidos
pelas autoridades monetárias, ocorreu em outros locais também.
Nem um dos países capitalistas do Mundo quer geridos por
socialistas, liberais ou conservadores foi capaz de escapar ao ciclo dos
negócios. Uma panóplia de mecanismos correctivos tem sido
tentada, os banqueiros centrais vão e vêm, mas no entanto as
recessões continuam a ser recorrentes e com severidade crescente,
acompanhadas pela difusão da estagnação através do
mundo capitalista. Será por causa da incompetência uniforme ou
má vontade de todos os banqueiros centrais? Ou será o
contrário, que as depressões e estagnação
são inerentes às sociedades orientadas para o lucro, tanto que os
responsáveis monetários e governamentais simplesmente não
têm o poder de evitá-las? Hoje a resposta a esta pergunta
já parece óbvia o suficiente.
Não estamos a implicar que o Sistema da Reserva Federal não seja
importante. De facto desempenha um papel muito importante, mas fá-lo
dentro de limites definidos. Uma das suas mais importantes actividades nos dias
de hoje é tentar evitar que uma estrutura de dívida esticada
além da conta rebente pelas costuras. Quando os fardos das
dívidas da indústria são especialmente pesados, as
depressões contêm as sementes para crises financeiras. As vendas
abrandam, o dinheiro torna-se pouco, as dívidas não podem ser
saldadas e os bancos tornam-se mais e mais vulneráveis. Apesar do Fed
não conseguir evitar depressões industriais, pode muitas vezes
parar o contágio para uma crise financeira
interna
derivada das mesmas. Além disso, os pânicos financeiros podem
desenvolver-se independentemente, sem conexão com depressões de
negócios, como resultado de especulação excessiva ou a
falha em uma ou mais das grandes corporações financeiras ou
não-financeiras. Também aqui o Fed pode fazer algo, e se intervir
rápida e vigorosamente pode ser capaz de deter o pânico
ameaçado. A recente operação de salvamento dos Continental
Illinois Bank é um destes casos.
Enquanto a função de salvamento do Fed é raramente assunto
de debate, o que provoca controvérsia é a função de
gestão monetária do Fed. A experiência demonstrou, como
Walter Bagehot colocou há muitos anos no seu famoso
Lombard Street,
que "o dinheiro não se gere a si próprio". A procura
por dinheiro flutua durante o ano devido a factores sazonais (
e.g.
compras de Natal, períodos de pagamento de impostos), e diferirá
de ano para ano por uma variedade de razões, sendo uma delas a
alternância de fases do ciclo de negócios. A gestão
centralizada é então necessária para garantir a oferta
flexível de dinheiro uma que forneça quantidades adequadas
para as cambiantes condições de negócios.
É esta função central da gestão do dinheiro que se
tornou a fonte e estímulo para as ilusões que cresceram à
volta da suposta omnipotência do Fed. De acordo com a sabedoria
convencional, o que o Fed faz determina o tamanho do fornecimento de dinheiro.
A realidade é bastante diferente. Os principais criadores de dinheiro
nas economias capitalistas modernas são os bancos. Basicamente, é
a expansão e a contracção de crédito fornecido
pelos bancos que determina o fornecimento de dinheiro. O papel do banco central
é essencialmente secundário: na análise final, as suas
operações são destinadas a acomodar as necessidades do
sistema bancário e a prevenir o colapso dos mercados financeiros. A
razão para dizermos isto tornar-se-á clara se começarmos
por rever as origens dos Sistema da Reserva Federal.
A ascensão do Sistema da Reserva Federal
O ímpeto para o estabelecimento da Reserva Federal veio da necessidade
urgente de evitar o tipo de quebras sérias do sistema financeiro que se
haviam tornado característica familiar da economia dos EUA durante o fim
do século XIX e o início dos século XX. Na sequência
dos anos de reconstrução após a Guerra Civil, os Estados
Unidos embarcaram num processo de vigorosa industrialização.
Aliada a esta nova explosão de energia económica, emergiu uma
nova fase de capital monopolista e o aparecimento do país no palco
mundial como exportador de manufacturas e potência colonial. Mas nenhuma
destas mudanças foi suave. Foram acompanhadas de explosões
selvagens de especulação e ondas alternadas de expansão e
estagnação.
Em breve tornou-se claro que o dinheiro descentralizado e desregulamentado e o
sistema bancário herdados do período anterior ameaçavam
romper o crescimento económico. Crises financeiras sérias
ocorreram durante esta era de desenvolvimento rompante, tendo sido mais
notáveis as de 1873, 1893 e 1907. Este último pânico,
seguindo um pico de febre especulativa, foi particularmente virulento.
Primeiro, a importante Knickerbocker Trust Company teve de fechar as portas,
depois outras empresas de crédito (trust), e bancos com
relações próximas com empresas de crédito
também faliram. O costume nesses anos era os bancos do país
manterem as suas reservas em Nova Iorque. Estas reservas eram por sua vez
emprestadas pelos banqueiros nova-iorquinos ao mercado de acções
e a outros especuladores. Enquanto o pânico se espalhava, os bancos de
fora da cidade tentavam em vão levantar os seus depósitos em Nova
Iorque. Falhas dos bancos no centro monetário e a incapacidade
até dos bancos ainda em funcionamento de fornecer dinheiro para todos os
levantamentos do país levou a um período em que os pagamentos
monetários virtualmente pararam.
A severidade do pânico de 1907 finalmente levou a acções
decisivas. Uma Comissão Monetária foi montada pelo Congresso para
desenvolver um plano para um sistema monetário mais racional, sendo que
por racional entendiam obviamente a melhor maneira de servir a comunidade
empresarial, isto é, evitando quebras periódicas de dinheiro e
corridas aos bancos que gerassem pânicos e quebras económicas. As
mais enraizadas irracionalidades do sistema empresarial os seus excessos
especulativos, desperdício, má aplicação de
recursos e criação de pobreza e insegurança
não foram, claro, abordadas. O diagnóstico convencional das
dificuldades financeiras prevalecentes focou-se na inelasticidade do
fornecimento de dinheiro. Se se conseguisse que o fornecimento de dinheiro
respondesse adequadamente às necessidades variáveis dos
negócios, afirmava-se, as crises e os pânicos desapareceriam.
O resultado final das deliberações da Comissão
Monetária e do debate subsequente, em que a comunidade bancária
esteve activamente envolvida, foi o aprovar do Acto da Reserva Federal, em
Dezembro de 1913. O acto criava um Conselho de Governadores estabelecidos em
Washington e doze Bancos da Reserva Federal regionais para dirigir os assuntos
monetários. Aos bancos nacionais foi exigido que se tornassem membros do
sistema e encorajou-se a adesão aos outros bancos (estabelecidos em
estados individuais). O assunto da moeda foi concentrado nas mãos do Fed
e foram feitas provisões para que tanto a moeda como o crédito
bancário se expandissem e contraíssem em resposta aos ritmos do
mundo dos negócios.
Há três métodos que o Fed usa para proporcionar a
elasticidade desejada:
(1) Exigências de reserva.
A cada banco membro é exigido deixar de lado uma parte do dinheiro
nele depositado, quer em dinheiro ou na forma de um depósito no Banco da
Reserva Federal apropriado, de acordo com as percentagens estabelecidas
periodicamente pelo Conselho de Governadores. Assim, os bancos estão
obrigados a manter 10 por cento dos seus depósitos em reserva, e cada
banco pode então investir ou emprestar até 90 por cento dos seus
depósitos. Alterando as exigências das reservas
obrigatórias, o Fed pode reduzir ou expandir a capacidade de
empréstimos dos bancos membros.
(2) Empréstimos aos bancos.
O Fed tem o poder de emprestar aos bancos membros, contra colaterais que
consistem em parte dos bens de empréstimo dos bancos (
e.g.
títulos financeiros do Tesouro dos EUA, acções
municipais, empréstimos comerciais e industriais). Os juros cobrados a
estes empréstimos são calculados tendo por base uma taxa de
redesconto, e o Fed tenta estimular ou desencorajar empréstimos,
conforme for o caso, pelo aumento ou descida desta taxa. Esta actividade
(referida nos círculos bancários como "o guichê de
desconto do Fed") é obviamente concebida para influenciar a
liquidez (ou posição de reserva) dos bancos membros.
(3) Operações de mercado aberto.
Quando o Fed quer aumentar o fornecimento de dinheiro, compra títulos
financeiros do Tesouro no mercado aberto (a bancos, instituições
ou individuais). Esses títulos financeiros são pagos com cheques
da Reserva Federal. Uma vez que esses cheques serão depositados em
bancos comerciais, os últimos terão acesso a dinheiro adicional
da Reserva Federal que conta como reserva, tomando como base que se podem
expandir a empréstimos aos seus clientes (da mesma maneira que
emprestando no guichê de desconto aumenta as reservas dos bancos
membros). Quando o Fed vende títulos financeiros no mercado aberto, o
efeito é o reverso. Os compradores pagam com cheques dos seus bancos,
que podem então ir para a conta do Fed, privando os membros das reservas
e reduzindo o seu poder de empréstimo. Através de
operações de mercado aberto, por outras palavras, o Fed provoca
movimentação do dinheiro para dentro ou para fora das reservas do
sistema bancário, expandindo ou contraindo a sua capacidade de
empréstimo.
Em teoria a flexibilidade assim ganha era suposta acabar com as
depressões. Até aos anos 30 a sabedoria convencional mantinha que
apenas acidentes naturais (
e.g.
uma séries de más colheitas), guerra ou uma falha na oferta de
dinheiro poderia abalar o estável desenvolvimento do progresso
empresarial. Agora que os Estados Unidos tinham a Reserva Federal, as
depressões seriam relegadas para o passado histórico.
Afirmação aclamada até se perceber que todo o poder de
todos os bancos centrais em todos os países capitalistas
avançados era incapaz de conter o furacão da Grande
Depressão. Aquela experiência levou finalmente os economistas ou a
aceitar ou pelo menos brincar com os diagnósticos e receitas
Keynesianos. Não obstante, os velhos preconceitos mantêm-se
até aos dias de hoje, com Keynesianos e Não-Keynesianos a
discutirem sobre se é este ou aquele "erro" do Fed que
é responsável pelas recorrentes contracções
económicas.
O pressuposto subjacente dos participantes nestas discussões é
que as flutuações na oferta de dinheiro comandam as
condições económicas. Na realidade é o
contrário. O ciclo dos negócios não é causado por
problemas monetários. Ao invés, os problemas monetários
é que são causados pelo ciclo dos negócios. O melhor que o
Fed pode fazer é tentar alisar o percurso do ciclo, providenciando aos
bancos os meios necessários para irem de encontro à
percepção que estes têm das necessidades legítimas
de quem junto a si contrai empréstimos, e salvar os bancos em problemas,
para prevenir pânicos financeiros. O Fed é mais um seguidor que um
líder, quer do fornecimento quer do ciclo dos negócios. A
questão é que os principais criadores de dinheiro são os
bancos e não o Fed. E a quantidade de dinheiro que os bancos criam
depende da procura dos mutuários e da sua própria ânsia
competitiva de crescer e colher lucros adicionais. Mas para entender isto
primeiro precisamos ver como os bancos criam dinheiro.
Os bancos e a oferta monetária
No uso popular o dinheiro é equiparado à moeda, isto é, a
dinheiro vivo. Na verdade, o dinheiro vivo é apenas um componente menor
do total da oferta monetária menos de 6 por cento. O dinheiro que
faz andar as rodas do comércio está localizado nas contas
à ordem e poupança, fundos do mercado monetário e outros
depósitos financeiros. A expansão e contracção do
fornecimento de dinheiro depende inicialmente das actividades de
criação de crédito dos bancos. Por outras palavras, o
crédito é a principal fonte de dinheiro.
Não deveria ser necessário dizer que os bancos são uma
actividade orientada para o lucro. Obtêm-no pela utilização
de fundos que recebem como depósitos, quer para comprar títulos
financeiros que rendem juros (especialmente títulos do governo dos EUA e
municipais) quer para estender crédito a clientes. Mas estão
restringidos na fatia dos seus depósitos que podem usar para tais
propósitos uma vez que, como apontado acima, são obrigados por
lei a manter uma percentagem dos seus depósitos como reserva.
Poderíamos então imaginar que se as reservas exigidas são,
por exemplo, 20 por cento, os bancos poderiam apenas investir ou emprestar 80
por cento dos seus depósitos. É verdade, excepto que, se olharmos
para o sistema bancário como um todo, um depósito de US$1.000 em
dinheiro pode potencialmente crescer para US$5.000 ou mais em dinheiro de
crédito. Como isto funciona é demonstrado na Tabela 1, onde
usamos duas hipóteses simplificadoras: (1) a exigência de reserva
é de 20 por cento e (2) todos os bancos emprestam os restantes 80%.
Sigamos agora o processo de expansão do dinheiro mostrado na tabela.
Começamos com um depósito em dinheiro de US$1.000 no Banco A
feito por, digamos, um comerciante. De acordo com as nossas hipóteses, o
Banco A porá de lado $200 em reserva e oferecerá $800 de
crédito a outro cliente. Esse empréstimo será usado para
pagar salários e comprar materiais se quem o contrair for um manufactor,
ou para comprar uma casa ou carro, se o empréstimo for para um
consumidor. A não ser que algum do dinheiro distribuído acabe num
colchão, os $800 serão eventualmente depositados em um ou mais
bancos. Suponhamos que todos os $800 acabam depositados no Banco B. (Não
interessa para o nosso objectivo se os $800 são redepositados no Banco A
ou espalhados por uma série de bancos: estamos meramente a simplificar
uma complexa série de transacções). O Banco B agora tem um
aumento nos seus depósitos de $800 (1ª coluna), dos quais $160
são mantidos como reserva (2ª coluna) e $640 são emprestados
(3ª coluna). A sequência continua e $512 acabam por aumentar os
depósitos do Banco C. E por aí adiante. Finalmente, o
depósito inicial aumenta para $5.000 (se a exigência de reserva
fosse de 10 porcento, a quantidade final seria de $10.000).
Limites à capacidade de controlo do Fed
Se esta fosse toda a história, poderia pensar-se que era uma tarefa
fácil para o Fed, manter a expansão do crédito sob
controlo apertado utilizando ferramentas fornecidas ao Fed pela lei do Federal
Reserve Act e as suas subsequentes modificações. Mas estamos
muito longe disso, e a razão para tal é que o mundo financeiro
inventou e descobriu muitas avenidas para aumentar a quantidade de dinheiro e
ainda de usar fornecimento de dinheiro que caia fora do âmbito de
acção do Fed. Deve-se ter sempre em conta que os bancos procuram
agressivamente lucros sempre crescentes. E a maneira de perseguirem este
objectivo traduz-se na expansão incessante da sua actividade nos
negócios. Por exemplo, quando os depósitos não estavam a
crescer o suficiente para que os bancos fossem capazes de tirar vantagens das
oportunidades que cresciam no final dos anos 60 e no início dos 70,
quando a inflação entrou em espiral e a economia começou a
depender cada vez mais de dívida, ultrapassaram o seu papel tradicional
como recipientes de depósitos, passando eles próprios a contrair
grandes empréstimos. Os fundos tomados emprestados permitiram-lhes
emprestar ainda mais dinheiro, contribuindo para o processo de disparo
(balooning) das taxas de juro. Assim, nos anos 80 os fundos obtidos por
empréstimos chegam a quase 40% dos seus empréstimos e
investimentos, tradicionalmente financiados inteiramente pelos depósitos
dos seus clientes.
Este desenvolvimento sublinha a limitação vital no que o Fed pode
fazer para exercer um controlo
efectivo
sobre a oferta monetária. O que os bancos conseguiram ao aumentarem a
sua actividade comercial é apenas um exemplo das maneiras através
das quais a velocidade de circulação da moeda anula a
efectividade das acções do Fed. Quando a economia sobreaquece
durante a fase ascendente do ciclo, o Fed pode tentar restringir o que vê
como expansão desadequada de crédito. O que pode fazer
está em larga medida limitado pela preocupação de
não pôr em perigo a estabilidade dos bancos. Mas até os
moderados controlos impostos são anulados pelo aumento na velocidade.
Inversamente, uma tentativa do Fed de inundar o mercado monetário em
tempo de recessão pode ser tornada irrelevante por uma
diminuição da velocidade da moeda.
A velocidade a intensidade de utilização da moeda
é reconhecida há muito tempo como potencialmente decisiva na
determinação da efectividade de uma dada oferta monetária.
Mas a velocidade é um factor esquivo que os teorizadores têm
tentado ignorar, e como resultado têm interpretado mal ou subestimado
seriamente alguns dos mais importantes desenvolvimentos dos últimos
anos. Novos e engenhosos instrumentos financeiros têm sido introduzidos e
intermediários financeiros não-bancários (fundos de
investimentos, companhias de seguros, fundos de mercados monetários,
fundos de pensões, etc.) têm crescido enormemente de
importância. Várias formas de empréstimos têm-se
desenvolvido, pelo que o dinheiro é transferido para a frente e para
trás, de uma instituição para outra, o que leva a um
aumentar dos fluxos monetários sobre os quais o Fed tem muito pouco
poder. O que tem acontecido a este respeito está indicado na Tabela 2.
Na primeira coluna estão os dados para o que tem sido tradicionalmente
considerado como o fornecimento de dinheiro básico, aquele que o Fed
originalmente regularia. Mas essa quantidade é de relativa
insignificância quando se considera o crescimento de novas formas de
empréstimos e o aumento do papel de toda a espécie de
intermediários financeiros não-bancários. O fornecimento
total de dinheiro, incluindo a variedade de formas que os pagamentos efectivos
agora assumem, é dado na segunda coluna. Como pode ser visto na coluna
3, a importância relativa do dinheiro "básico" tem
declinado constantemente, de 45 por cento em 1960 para 20 por cento em 1983, o
que é outra maneira de dizer que novas maneiras estão
constantemente a ser procuradas e encontradas para multiplicar os stocks e
acelerar a velocidade do dinheiro, quer para satisfazer as necessidades de
produção e distribuição, quer para aumentar o
volume de transacções e consequentemente os lucros das empresas
financeiras
[1]
.
Estes desenvolvimentos não passaram despercebidos ao Fed. Este tem
procurado meios de exercer algum controlo sobre os novos fenómenos no
mercado monetário, mas com pouco êxito. O problema fundamental
é que a economia tem-se tornado crescentemente dependente da
criação de dívida, especialmente no período de
estagnação renovada desde os anos 60. Este fenómeno tem-se
tornado tão marcado que muitas corporações agora têm
de continuar a contrair empréstimos apenas para servir dívidas
passadas algo similar à situação nos países
devedores do Terceiro Mundo. Demasiada interferência com a estrutura de
dívidas poderia levar a uma séria e incontrolável
contracção económica. Ainda mais: a falha do Fed de
aquiescer com os piores excessos dos bancos poderia precipitar um colapso
financeiro. Sob estas circunstâncias o Fed pode fazer pouco mais que
seguir a liderança da comunidade financeira. Esta situação
foi claramente afirmada por dois especialistas financeiros, um vice-presidente
sénior da Intercontinental Casualty Insurance Company e um
vice-presidente do Chase Manhattan Bank, no
Wall Street Journal:
A verdade é que o
controlo efectivo de agregados monetários é conseguido na teoria,
mas não na prática. Em teoria o Fed poderia de facto injectar ou
levantar reservas do sistema bancário sem obstruções e
seguindo um caminho inabalável. O problema é que isto produziria
muita incerteza acerca da disponibilidade de reservas. Um passo em falso
poderia levar a uma exigência generalizada de pagamento de
empréstimos e a uma queda em espiral para o pânico financeiro.
É por isso que todas as
semanas o Fed compreensivelmente age de modo a acomodar totalmente as
exigências de reservas do sistema bancário (quaisquer que estas
sejam). O Fed nunca pode recusar o fornecimento das reservas pedido, ou
então arriscaria deliberadamente despoletar uma espiral de
contracção de crédito. Assim, contenta-se em escolher os
canais a usar operações de mercado aberto ou o
guichê de desconto da Reserva Federal para fornecer as exigidas
reservas. (Eugene A. Birnbaum and Philip Braverman, "Monetarism
Broken Rudder of Reaganomics,"
Wall Street Journal,
September 23, 1981)
Devia já ser claro que um programa de controlo popular do Fed, tal como
é advogado pelos liberais e pelos radicais, não pode ser uma
panaceia. Dada a natureza da empresa capitalista e da superestrutura do sistema
financeiro, o Fed tem, na análise final, de ser um servo em vez de um
mestre; e manter-se-á assim não importa quem o administre
enquanto o resto do sistema se mantiver inalterado. O Fed cumpre a sua
função resolvendo situações que podem levar a um
pânico financeiro (tal como o salvamento do Continental Illinois e a
ajuda para estabilizar o mercado de papel comercial quando a Penn Central
entrou em bancarrota) e ajudando a manter o sistema bancário à
tona, apesar dos seus excessos.
Houve um tempo em que o Fed foi capaz de desempenhar um papel mais positivo.
Foi durante a 2ª Guerra Mundial, quando utilizou o seu poder para manter
as taxas de juro a um nível mínimo, ajudando desta e de outras
maneiras a financiar os gastos de guerra. Mas este foi também um tempo
em que a economia como um todo foi influenciada por mais que os interesses
imediatos dos negócios (
i.e.
orientados para o lucro). O governo era então um grande comprador de
bens e serviços, os preços e os ordenados eram controlados, os
lucros excessivos eram tributados e eram mantidas restrições
apertadas à criação de crédito.
Hoje, em contraste total, temos uma economia que carrega o fardo da
especulação, desperdício e desemprego vivendo em
larga medida como subproduto da criação de dívida pela
comunidade financeira. Sendo este o caso, é ilusório imaginar que
uma melhor direcção do Fed possa produzir resultados
significantes. O fornecimento de dinheiro, sob a forma de moeda ou
crédito, não tem propriedades mágicas. Não é
o dinheiro mas a obtenção de lucro e as operações
de mercado que governam o caminho da economia. O que se mantém como
obstáculo ao pleno emprego, habitação decente e cuidados
médicos adequados, uma melhor qualidade de vida para toda a gente
não é a ausência de crédito. Portanto, influir no
fornecimento de dinheiro ou outros mecanismos governamentais tradicionais
não pode produzir o que é necessário. Em vez disso,
mudanças significativas podem ser obtidas apenas através de
reformas que desafiem a propriedade da classe dominante e os interesses do
lucro, com objectivos sociais a tomarem precedência sobre os ganhos
privados.
[1]
A tendência de entrada em espiral do capital dinheiro foi apontada
há mais de cem anos por Marx: "Com o desenvolvimento do sistema de
crédito e capital com juros, todo o capital parecerá dobrar ou
até triplicar, pelos vários modos como o mesmo capital, ou a
mesma pretensão à dívida, aparecem em diferentes formas em
diferentes mãos". (
O Capital,
Vol.3)
[NR]
Em 23 de Março de 2006 o Federal Reserve cessou de publicar os
dados da oferta de moeda M3 do dólar americano. Ver
http://www.federalreserve.gov/releases/h6/discm3.htm
. O M3 é a quantidade de moeda disponível numa economia para a
compra de bens e serviços.
[*]
O artigo "Money Out of Control" foi publicado
originalmente no número de Dezembro de 1984 da
Monthly Review
e posteriormente reproduzido no livro "Stagnation and the
Financial Explosion essays by Harry Magdoff and Paul M. Sweezy", Monthly
Revies Press, 1987, New York, pp. 118-129.
Este ensaio encontra-se em
http://resistir.info/
.
|