O terrível medo da estagnação e a guerra à Segurança Social

pelos Editores da Monthly Review

David Wyss, economista chefe da Standard & Poor, iniciou recentemente o artigo "Bom, sombrio ou amargo em 2005?" (“Good, Gloomy or Grim in 2005?”), com as seguintes palavras: "O crescimento encabeça a lista dos desejos [para a economia americana], mas mesmo a recessão não seria de todo tão má, uma vez que a ela sempre se segue a recuperação. Qual o medo terrível? A estagnação" ( Business Week Online, 10/Janeiro/2005).

Acreditamos que esta avaliação é suficientemente importante para merecer um exame mais atento. Wyss sugere que um período de baixa cíclica seria automaticamente seguido por um período de alta do ciclo, o que representa uma ameaça menos séria para o processo de acumulação do que a continuação ou aprofundamento da estagnação que tem infectado a economia americana e mundial nas últimas décadas. A estagnação é habitualmente entendida como um longo período de crescimento vagaroso, nível de emprego fraco e investimento fraco. Ela é evidente nos ciclos de alta dos negócios, os quais tendem a ser fracos e dependentes de estímulos artificiais, como nos ciclos de baixa. A estagnação portanto representa a tendência económica subjacente na qual ocorrem os ciclos normais de altas e baixas dos negócios. Ela não conduz automaticamente à sua própria reversão, e pode prolongar-se indefinidamente — não é de admirar que a recessão constitua antes, segundo Wyss, "o cenário mais amedrontador".

A economia americana está agora em meio a uma recuperação da recessão de 2001 — um ciclo de baixa que foi antecedido pela explosão da bolha financeira da New Economy. Haverá razões sob as actuais condições para temer que o motor económico possa subitamente avariar-se ou simplesmente engasgar-se ao longo de anos (ou mesmo décadas) sem produzir qualquer energia real? Wyss sugere que sim. Primeiro — embora não se incomode em mencionar isto ao seu público do Business Week Online — há a história dos últimos quatro anos (três deles de recuperação), durante os quais o PIB real cresceu uns anémicos 2,5 por cento. Segundo, há um certo número de "grandes riscos" que incluem: "alta dos preços do petróleo, a queda do dólar, taxas de juros mais elevadas e os défices gémeos — o défice do orçamento federal e o défice em conta corrente na transações internacionais — que poderiam desestabilizar a economia. A maior preocupação é a possibilidade de que uma nova crise financeira provocada por tais factores venha a conduzir à espécie de estagnação arraigada e inexorável que infectou a economia japonesa desde a explosão da sua bolha financeira no fim de 1989. "Até agora", declara Stephen Roach, economista chefe do Morgan Stanley, "a experiência pós-bolha da América foi muito diferente — simplesmente uma recessão e nada pior do que um breve susto de deflação. Mas ainda pode ser prematuro concluir que os EUA evitaram o temível síndroma japonês" (Global Post-Bubble Pitfalls — Yet Another Lesson from Japan", www.morganstanley.com, 18/Fevereiro/2005).

Gráfico 1. Mas se o espectro da estagnação está a assombrar a economia dos EUA e do mundo isto é subestimado na avaliação de Bush, no 2005 Economic Report of the President. A introdução assinada pelo presidente Bush proclama que "os Estados Unidos estão a desfrutar uma robusta expansão económica". No entanto, o crescimento económico de 3,3 por cento, apenas um pouco acima da taxa anual média dos últimos 35 anos, é projectado pela administração para o resto da década. Na verdade, se a taxa de crescimento de 2,8 por cento para os anos 2000-04 (ver gráfico 1) for combinada com as projecções da própria administração para os cinco anos seguintes a taxa anual de crescimento para a década 2000-09 seria de 3,1 por cento, ligeiramente abaixo da média das últimas três décadas e muito pior do que as da década de 1960. A história económica recente e a projecções da administração apontam portanto para a probabilidade do contínuo crescimento vagaroso nos anos pela frente.

Ainda assim, as implicações disto são habilidosamente evitadas no Economic Report of the President deste ano. Divulgado no fim de Fevereiro pelo Council of Economic Advisors presidencial, ele atribui a fraca recuperação dos últimos poucos anos à superficialidade da recessão anterior. Numa óbvia tentativa de por de lado a questão do crescimento lento, o relatório afirma que tanto "as recessões como as expansões recentes foram especialmente moderadas, sugerindo que a economia tornou-se de um modo geral mais estável" (70). O que isto significa, naturalmente, é que uma expansão sem brilho tem sido difícil de distinguir da contracção relativamente superficial que a antecedeu. Numa palavra, estagnação.

Se a estagnação persistente e prolongada constitui o "grande terror" daqueles que dirigem a economia de hoje, como pode ela ser explicada? E como estará ela ligada ao actual ataque à Segurança Social e outros programas sociais, simbolizando aquilo que é claramente um novo cenário na guerra de classe dos que estão acima?

ESTAGNAÇÃO, O ESTADO NORMAL

De acordo com uma perspectiva teórica que já apresentámos muitas vezes nestas páginas, o estado normal da economia capitalista é a estagnação e não o crescimento rápido. Isto é particularmente verdadeiro no estágio do capitalismo monopolista (incluindo o mundo corporativo mais globalizado de hoje) no qual firmas gigantes tentam maximizar o excedente económico à sua disposição procurando controlar e regular cuidadosamente a expansão da capacidade de produção. A super-acumulação, reflectida no crescendo de excesso de capacidade não desejada, devida em última análise ao consumo restrito das massas, tem o efeito de travar o investimento pois as corporações procuram evitar o acréscimo de fábricas e equipamento ocioso. O resultado é uma tendência rumo a um amortecimento geral do crescimento.

Na raiz deste problema está o banimento efectivo da competição de preço nas indústrias mais maduras e consolidadas. Os preços como um todo tendem a seguir apenas um caminho — para cima. Isto significa que a competição não é eliminada mas canalizada para áreas como inovações na economia de custos e no marketing. As corporações respondem a quedas na procura não através da redução de preços mas na maior parte através da redução da capacidade de utilização juntamente com o emprego a fim de defender as suas margens de lucro. Aumentos na produtividade geralmente não conduzem a preços mais baixos ou a salários reais acrescidos (os quais aumentam decisivamente só quando a economia se aproxima de picos de pleno emprego), ao invés disso eles acabam por alimentar o excedente nas mãos das corporações e dos ricos. O resultado disto tudo, contudo, é criar super-acumulação e uma escassez de procura efectiva na economia como um todo. Um crescente excedente à procura de investimento controlado por uma número relativamente pequeno de corporações gigantes e indivíduos ricos é incapaz de encontrar saídas de investimento lucrativo, reduzindo a taxa de expansão económica. Estes booms de investimento que se verificam sob tais circunstâncias tendem a ser de vida extremamente curta e auto-limitada.

Estes problemas de acumulação típicos do capitalismo monopolista precisam ser entendidos num contexto histórico mais amplo e mais vasto no qual se reconhece que em todos os períodos de crescimento rápido sob o capitalismo entraram em jogo factores históricos externos não compreensíveis em termos processos de acumulação interna (poupanças-e-investimento). No período inicial da industrialização havia uma procura aparentemente insaciável por novas fábricas e equipamentos uma vez que a indústria tinha de ser construída virtualmente desde o início. Mas numa economia madura, rica em capital, na qual existe ampla capacidade produtiva tanto para cumprir as necessidades correntes como para expandir o nível de produção, apenas com o investimento necessário para substituir fábricas e equipamentos desgastados, faltam estímulos fortes a novo investimento na escala que se verifica numa revolução industrial. Como observou Joseph Schumpeter no fim da sua obra em dois volumes sobre Ciclos de Negócios (1939): "A atmosfera das revoluções industriais — do progresso — é a única na qual o capitalismo pode sobreviver". Sem isto o capitalismo tende a cair na estagnação. A Grande Depressão da década de 1930 representou um longo período de oportunidades de investimento desaparecidas na qual economistas de todas as tendências foram finalmente obrigados a agarrar a questão da estagnação.

A depressão acabou finalmente não através de qualquer processo interno associado à acumulação, mas em resultado do boom resultante do enorme aumento em gastos militares com o estalar da Segunda Guerra Mundial na Europa. Quando acabou a guerra a estagnação parecia ter-se desvanecido. Teve lugar um crescimento rápido, que perdurou mais de duas décadas. A força e duração desta "era dourada", como tem sido chamada, foi claramente o produto de factores históricos especiais. Eles incluem: (1) a acumulação de poupanças dos consumidores durante a guerra; (2) a reconstrução das economias europeias e japonesa a seguir à devastação da guerra; (3) a extraordinária expansão da papel do automóvel na vida americana numa onda de crescimento neste sector que também incluiu a construção do sistema de rodovias inter-estaduais e a suburbanização do país; (4) a ascensão dos Estados Unidos e do estatuto hegemónico do dólar na economia mundial; (5) a criação de uma economia de guerra permanente justificada pela Guerra Fria (a qual incluiu guerras quentes na Ásia); (6) a comercialização de quase todos os aspectos da vida americana com os consequentes esforços de vendas e a estrutura da dívida do consumidor; e (7) os princípios de um boom/bolha na superestrutura financeira da economia.

O PNEU FURADO

O perturbador é que todas estas forças foram temporárias ou simplesmente não podiam actuar suficientemente. Uma economia com tendência para a estagnação é como um pneu furado; está sempre em processo de esvaziar-se. Portanto é preciso estar constantemente a injectar-lhe ar. Uma vez que aquilo de que estamos a falar é do sistema de crescimento, podemos além disso dizer que tanto a dimensão do pneu como do furo estão a expandir-se de modo que só um compressor cada vez maior e mais activo servirá para mante-lo inflado (ver Harry Magdoff e Paul Sweezy, The End of Prosperity, 1977, 22).

Na década de 1970 a economia diminuiu de velocidade, o que representou um retorno à estagnação. A produção com pleno emprego não foi atingida novamente durante qualquer período extenso e a taxa anual média de crescimento da economia afundou durante mais de um trimestre durante as últimas três décadas do século, quando comparadas com a década de 1960 (gráfico 1). Além disso, a taxa de crescimento parece estar vagarosamente a deslizar ainda mais. A fuga do fluxo de rendimento exigiu uma bomba sempre maior e cada vez mais activa. E enquanto isto se verificou em alguma extensão assentar numa enorme explosão financeira, a bolha (ou bolhas) financeira(s) resultante(s) geraram temores de eventos súbitos de explosões de bolha, conduzindo a uma série de incumprimentos (defaults) da espécie que tem antecedido estagnações profundas.

A resposta do capital a estas situações de emergência tem sido tríplice: (1) um incremento da guerra de classe; (2) uma tentativa de aumentar a dimensão e a actividade do compressor (mas consistente com a guerra de classe acima em termos que sirvam primariamente o capital); e (3) um crescimento do imperialismo (incluindo a globalização económica) e da guerra.

Todos estes três métodos de enfrentar a crise têm sido utilizados pela Casa Branca de Bush, a qual tem ido mais longe do que qualquer outra administração na promoção da guerra de classe; inflou a economia de todos os modos possíveis que fossem compatíveis com a adesão directa aos interesses da classe dominante; e lançou uma guerra global para respaldar uma estratégia de dominação mundial.

Internamente, a Casa Branca de Bush tem seguido uma política iniciada pela administração Reagan, de pressão contínua sobre os trabalho e os pobres enquanto estimula a economia pela geração de défices maciços. Estes tornaram-se mais aceitáveis para o sistema desde que associados com gastos militares e com cortes fiscais, sobretudo para as corporações e o ricos. Os défices orçamentais, como parte de uma estratégia de "subalimentar a besta", são então usados para justificar agudas reduções em programas sociais que ajudam os pobres bem como a classes trabalhadora e média (Paul Krugman, “Spearing the Beast,” New York Times, Op-Ed, 08/Fevereiro/2005). O supremo objectivo reaccionário desta guerra de classe é eliminar ou estripar os grandes programas sociais — não só o Medicare, Medicaid e Segurança Social como também assistência à habitação e à nutrição, etc — que ajudam o povo a enfrentar as muito duras realidades do capitalismo.

É uma indicação da força do capital na luta de classe que a Segurança Social, o mais popular de todos os programas governamentais americanos, tenha sido escolhida como o primeiro alvo de uma ofensiva renovada na batalha pela eliminação de todos os programas do New Deal e da era social da década de 1960. Apesar de décadas de propaganda conservadora cujo propósito era facilitar o assalto, a Segurança Social até então fora geralmente impenetrável (embora alguns cortes de benefícios tenham sido iniciados no período Reagan) pois o suporte das suas próprias contribuições regressivas descontadas nas folhas de pagamento dava aos trabalhadores a sensação de que os benefícios da sua Segurança Social lhes são devidos. O plano para a privatização parcial da Segurança Social através da criação de conta privados, as quais seriam baseadas em recortes (carve-outs) das contribuições à Segurança Social nas folhas de pagamentos e implicariam cortes correspondentes em benefícios, é um cavalo de Troia introduzido pela Casa Branca de Bush como um dispositivo para destruir por dentro a Segurança Social. Mas a fim de amedrontar o público, levando-o a apoiar uma tão grande revisão de um programa governamental imensamente popular, era necessário afirmar que a Segurança Social estava a enfrentar uma crise severa, tornando-a insustentável a longo prazo.

Gráfico 2. Actualmente considera-se conhecimento comum que o fundo fiduciário (trust fund) da Segurança Social não será mais capaz de cumprir suas obrigações totais em 2042 (pois prevê-se que os seus fundos caiam uns 25 por cento abaixo daquilo deverá aos seus beneficiários naquele ano). Contudo, este "facto" é baseado em previsão a longo prazo da administração da Segurança Social afirmando (nas projecções de custos intermediários) que a taxa média anual de crescimento da economia cairá precipitadamente de 3 por cento em 2005-10 para 2,2 por cento em 2010-15 e para um abissal 1,8 por cento em 2015-80 (ver gráfico 2). O crescimento de 1,8 por cento previsto aqui é inferior à taxa de crescimento em quaisquer duas décadas da história dos EUA, incluindo 1920-39, o que inclui a Grande Depressão e é encarado como o período clássico de estagnação sob o capitalismo monopolista. [1] . com taxas de crescimento económico apenas um pouco acima disto, a Segurança Social não correria qualquer perigo e disporia dos fundos para cobrir os seus beneficiários indefinidamente. Na verdade, a data em que a Segurança Social é suposta esgotar os fundos tem de ser continuamente empurrada para trás pois as taxas de crescimento real demonstram ser maiores do que aquelas projectadas.

Mais notável, contudo, é o facto de que se uma estagnação tão profunda como a da década de 1930 fossem realmente estender-se durante décadas (com a taxa de crescimento caindo para menos de 2 por cento durante a maior parte do século), em conformidade com o que é considerado a melhor previsão estimativa da administração da Segurança Social, o capitalismo americano como um todo estaria em sério risco e a luta de classe seria enormemente intensificada. A Segurança Social, a qual ainda poderia cobrir três quartos dos seus benefícios em tal situação, seria o menor dos problemas do sistema e seria mesmo considerada como recurso de salvação. Na verdade, dado o Armagedão económico que uma tão abissalmente baixa taxa de crescimento a longo prazo anunciaria para uma sociedade capitalista, é difícil imaginar como ir muito longe no caminho projectado por esta administração da Segurança Social sem grandes levantamentos sociais daquela espécie que desafia todas as suposições sobre o futuro.

DESONESTIDADE EXTREMA

A verdade é que, com uma taxa de crescimento a longo prazo deste espécie, aquilo que seria posto em causa não seria a Segurança Social e sim o próprio capitalismo. Estará isto dentro do leque de possibilidades? Sim, pensamos que é o caso. Mas projectar um tal futuro, no qual o capitalismo americano como um todo mergulharia nas profundezas, com estagnação perpétua e crises infindáveis e guerra de classe, e a seguir, sem falar desta crise mais ampla, apresentar isto simplesmente como uma crise da Segurança Social resultante de meras tendências demográficas é de uma desonestidade extrema.

A extensão do engodo revela-se no facto de o então presidente do Council of Economic Advisors da administração Bush, N. Gregory Mankiw, ter declarado redondamente: "O fundo fiduciário da Segurança Social estará esvaziado em 2042, ponto no qual o sistema estará insolvente" (“The Economic Agenda,” The Economists' Voice, vol. 1, no. 3 [2004], 4). Isto foi declarado claramente com a intenção de enganar uma vez que naquela data a Segurança Social terá fundos suficientes para cobrir três quartos das suas obrigações conforme suposições conservadoras da sua administração — mesmo que não fossem efectuadas absolutamente nenhumas alterações ao sistema. Na verdade, é adequado perguntar como a Segurança Social poderia tornar-se insolvente de todo, uma vez que é parte do orçamento do governo americano. Se a Segurança Social estivesse sempre com fundos escassos estes poderiam ser retirados do imposto geral sobre rendimentos como em outros países industriais avançados. Não há razão para que a Segurança Social tenha de ser internamente mais autónoma do que o Pentágono.

A Segurança Social foi um produto da grande revolta dos de baixo, dos trabalhadores durante a Grande Depressão da década de 1930. Foi concebida para manter os mais velhos e incapazes de caírem num profundo e infindável buraco de pobreza. Agora, ironicamente, com baixas económicas a aproximarem-se daquelas da depressão já a serem projectadas para este século, servem de justificação para a efectiva eliminação da Segurança Social. Dificilmente haverá um sinal mais dramático da grande reversão na luta de classe e na economia política do capitalismo verificadas nas últimas poucas décadas.

Dado o antecedente, segue-se que aqueles que, em conformidade com a actual proposta da Casa Branca, afirmam que a Segurança Social pode ser parcialmente privatizada através da criação de contas privadas individuais e que tais contas renderão altas taxas de retorno estão a misturar dois diferentes conjuntos de livros. Altas taxas de retorno no mercado de acções são extremamente improváveis numa economia severamente estagnada. "Se o crescimento económico for suficientemente lento para termos um problema com a Segurança Social, então também estamos a caminhar para problemas com o mercado de acções. É tão simples como isso", segundo Douglas Fore, director da análise de investimentos do TIAA-CREF Investment Management Group ( Washington Post, 09/Fevereiro/2005). Como o deputado Peter DeFazio (D-OR) colocou, "Os proponentes não foram capazes de mostrar como o mercado de acções seria capaz de proporcionar retornos de 7 por cento no futuro [como afirmado na administração Bush, em tom de venda, quanto às contas privadas] quando o crescimento económico é projectado para ser apenas a metade daquilo que foi no passado" (Peter DeFazio Reports, January 2005). Como observámos nestas páginas, mais de quatro anos atrás (“Social Security, the Stock Market and the Elections,” November 2000), isto é "como prever a Grande Depressão sem um crash do mercado de acções".

Como não há base científica sobre a qual as tendências de crescimento da economia possam ser previstas com precisão mesmo por uns poucos anos (ou meses) à frente, as actuais previsões da administração da Segurança Social poderiam muito facilmente ser substituídas por outras ligeiramente mais optimistas, o que deixaria o sistema totalmente solvável. Mas há um certo grau de realismo corporificado nestas projecções na medida em que elas reconhecem que a estagnação está entranhada na economia americana. Não só um nível de produção com pleno emprego deixou de ser considerado provável como o sistema parece estar a ficar cada vez mais distante daquele objectivo. A estagnação, embora isto seja pouco reconhecido, é quase uma suposição embebida dentro da maior parte das análises económicas hoje dominantes, uma vez que aceitam com tranquilidade a noção de que a plena capacidade de produção nunca será alcançadas.

A resposta para a desaceleração económica, apresentada cada vez mais frequentemente por decisores económicos e políticos, é remover os constrangimentos sobre o capital impostos ou fortalecidos pelo New Deal numa área após a outra — regulamentações na banca, indústria, previdência, alimentação e remédios, e media. Mas o aprofundamento inevitável é apenas o aprofundamento da crise económica e social da sociedade capitalista. Os "grandes riscos" de Wyss indicam quão frágil se tornou o processo de acumulação. Altos preços do petróleo (não alheios às tentativas americanas de ganhar o controle do mundo petrolífero por meio da invasão do Iraque), taxas de juros ascendentes (a ameaçarem uma explosão da bolha imobiliária que suporta o consumo americano), o dólar cadente (associado com o crescente défice em conta corrente decorrente devido uma deterioração da balança comercial e a saída de dólares), e o défice do orçamento federal (um resultado combinado de crescimento fraco, cortes fiscais para os ricos e um boom no complexo armamentista-imperialista) — tudo aponta para os enormes perigos de uma estagnação económica.

As despesas deficitárias federais, embora uma ferramenta necessária para manter a economia em andamento, tornaram-se uma importante fonte potencial de instabilidade, ameaçando os mercados financeiros. Testemunhando perante o House Budget Committee em 02/Março/2005, o presidente do Federal Reserve, Alan Greenspan, declarou: "Quando você começa a fazer a aritmética do que a elevação dos níveis de dívida implicados pelos défices lhe dizem, e você acrescenta os custos dos juros daquela dívida sempre a crescer, a taxas de juro sempre mais elevadas, o sistema torna-se fiscalmente desestabilizador. A menos que façamos alguma coisa para melhorá-lo de um modo muito significativo estaremos num estado de estagnação".

A REFOCILAR NA RIQUEZA

Como Greenspan bem sabe, o défice federal poderia ser aliviado através da reversão dos cortes fiscais destinados aos ricos que a administração Bush introduziu (ou não permitindo que eles se tornem permanentes). Além disso, uma pequena porção do rendimento perdido através destes cortes fiscais seria suficiente para colocar a Segurança Social sobre uma base sólida indefinidamente mesmo com um crescimento abissalmente lento no futuro. A fatia do PIB agora gasta com a guerra no Iraque também seria mais do que suficiente para cumprir a mesma finalidade (Paul Krugman, “Inventing a Crisis,” New York Times, 07/Dezembro/2004). Mas a classe dominante dos EUA, a refocilar na sua riqueza, não está prestes a oferecer a minúscula quantia do excedente à sua disposição que seria necessária para fortalecer a Segurança Social — ou dar um passo em frente e tornar os benefícios da Segurança Social mais adequados aos seus receptores, que cada vez mais dela dependem como fonte principal de rendimento. Ao invés disso, o objectivo é usar a falsa crise da Segurança Social (cozinhada parcialmente para esconder a crise fiscal real) como uma desculpa para esmagar os trabalhadores ainda mais. Assim Greenspan, avesso a restabelecer impostos sobre os ricos, fez no entanto um forte apelo no Congresso à introdução de um imposto sobre o consumo que atingiria duramente os trabalhadores. Esta política tem um nome: guerra de classe.

Está na natureza deste jogo que o povo trabalhador ficará sob o ataque de trapaceiros enquanto os défices continuarão a aumentar com todos os problemas decorrentes. Como observaram Harry Magdoff e Paul Sweezy em Stagnation and the Financial Explosion (1987), "o estímulo gerado pela tinta vermelha infindável e sempre maior é auto-limitante. Défices acumulados sobre pilhas de défices proporcionam combustível para novas espirais inflacionárias e ajudam a sustentar altas taxas de juro; e ao mesmo tempo elas põem em movimento forças que finalmente travam o crescimento e conduzem a um novo declínio dos negócios. Em suma, o capitalismo encontra-se diante dos cornos de um dilema: não pode viver sem défices, e não pode viver com eles" (106). A crise fiscal do Estado, ou, como Schumpeter a denominou, "a crise do Estado fiscal", é portanto uma parte da lógica da estagnação na sociedade do capitalismo monopolista.

Na realidade, neste ponto qualquer dos grandes riscos da economia tem o potencial para sacudir todo o sistema, arrebentando bolhas financeiras e levando o crescimento a uma paralisação ou pior. Nem tão pouco estes problemas estão confinados aos Estados Unidos. O resto da economia capitalista mundial está presa de vários modos nesta crise duradoura. Guerra classe dos de cima, competição crescente entre os principais Estados capitalistas, imperialismo, conflito militar global, e a proliferação do desperdício são consequências naturais do presente mal estar económico.

Qual é a resposta? Não há soluções prontas para os problemas aqui levantados. Os fardos económicos do sistema vão provavelmente tornar-se mais, não menos, esmagadores para a população comum, nacionalmente e globalmente. Na busca de uma sociedade racional e sustentável não há qualquer alternativa senão o socialismo — isto é, a luta por uma ordem democrática e igualitária. É uma ideia antiga, mas uma ideia que se recusa a morrer e que agora está a tomar novas formas revolucionárias. Compreender as limitações do capitalismo é apenas o primeiro passo; o segundo tem de levar-nos a superá-lo.

Notas
1- A taxa média anual de crescimento do PIB real foi de 2,1 por cento de 1920-39 (1,8 por cento de 1920-38) (Historical Statistics of the United States, 1970, 226, series F 31).


O original encontra-se em http://www.monthlyreview.org/0405editors.htm . Tradução de JF.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

05/Abr/05