Desinformação, propaganda e controle
Um aspecto essencial de qualquer moderna sociedade democrática é
um sistema de comunicações que aprimore o debate público
ao invés de prejudicá-lo. Mas os mass media nas sociedades
capitalistas avançadas estão altamente concentrados, controlados
por uns poucos proprietários (acerca da extensão deste controle
nos Estados Unidos e suas implicações ver Robert W. McChesney,
The Problem of the Media
[Monthly Review Press, 2004]. Além disso, os Estados Unidos têm
testemunhado a emergência daquilo que é indubitavelmente o mais
refinado sistema de propaganda já desenvolvido, tornando possível
que o controle dos media traduza-se em poder para manobrar grandes partes da
sociedade. O entendimento deste problema é crucial se alguém
quiser apreender as mudanças que ocorrem na sociedade americana de hoje:
desde a guerra até a privatização e a supressão
dos direitos humanos.
A seguir à Primeira Guerra Mundial algumas das principais figuras no
desenvolvimento da moderna investigação em
comunicações nos Estados Unidos, tais como Walter Lippman e
Harold Lasswell, inauguraram a exploração das técnicas de
propaganda, argumentando que a manipulação de
populações era necessária para administrar formalmente
sociedades democráticas. No fim de um capítulo sobre
"Líderes e recrutas" ("Leaders and the Rank and
File") em seu
Public Opinion
(1922) Lippmann referiu-se à importância da
"fabricação do consentimento" pela elites numa
democracia e afirmou que "o conhecimento de como fabricar consentimento
alterará todo o cálculo político e modificará toda
a política de persuasão". Lasswell foi mesmo mais
explícito nos seus numerosos estudos da propaganda principiado com o seu
Propaganda Technique in the World War
(1927), muitas vezes fornecendo uma positiva abordagem "como fazer"
para a propaganda. Em termos de propaganda de guerra Lasswell argumentou que
os objectivos primários na manipulação das mentes da
própria população de um país constituíam em
estabelecer: (1) a "culpa da guerra" do inimigo; (2) a natureza
"satânica" do inimigo; e (3) "a ilusão da
vitória". "Todos os meios específicos de conquistar o
Primeiro Mal são e devem ser glorificados" pelo propagandista.
Na generalidade, a propaganda, como explicou Lasswell em "Propaganda and
Mass Insecurity" (
Psychiatry,
Agosto 1950), devia ser entendida como "a fabricação de
declarações deliberadamente unilaterais para uma audiência
de massa". A propaganda, neste sentido, era necessária nas
democracia a fim de guiar a opinião pública às
direcções favoráveis àqueles no poder num contexto
que incluía acesso generalizado à informação. Em
contraste, Estados "totalitários" confiavam menos na
propaganda, neste sentido refinado, voltando-se antes para o comando, a
cerimonia e a catarse.
Assim, na obra de Lasswell e outros, a propaganda tornou-se uma ferramenta
refinada montada para audiências de massa, sujeita aos massa media e
controlada por aqueles com poder económico e político. Estas
ideias e aquelas relativas à organização das
comunicações em benefício das elites tornou-se enormemente
influente no treinamento de jornalistas profissionais, os quais, embora
ensinados quanto a padrões profissionais de objectividade em
relação a disputas entre as principais facções da
classe dominante, têm no entanto de aprender a seguir os viéses
globais do establishment, interiorizando os valores dominantes, se esperam
ascender dentro da ordem institucional dos media.
Tudo isto ajuda a entender o modo quase contínuo em que se movem os
media modernos entre as notícias e a propaganda. As notícias
relatadas sobre a actual Guerra do Iraque são apresentadas como se
fossem simples, lineares, relatos objectivos, ao invés de
estórias tão entrelaçadas com a propaganda de guerra que a
informação e a análise nelas contido estão
comprometidas da cabeça aos pés. Um caso ilustrativo é o
modo como o "inimigo" é referido descrito
alternadamente como "insurrectos"
("insurgents"),
"militantes", "terroristas", "guerrilhas",
"rebeldes" e "extremistas islâmicos". Quase nunca
nestes relatos se refere à "resistência iraquiana" ou
aos "mujahedeen" (guerreiros santos) nomes que aqueles que
resistem à invasão e ocupação do Iraque utilizam
para se referirem a si próprios.
O facto de que há nisto um aspecto de propaganda consciente foi revelado
pela resposta dos editores de
Los Angeles Times,
em Novembro de 2003, quanto ao uso de "combatentes da
resistência" para descrever os iraquianos que se opõem
às forças americanas em relatos emitidos a partir da
própria sucursal do
Times
em Bagdad. Após uma reunião dos principais editores foi
decidido banir qualquer utilização de "combatentes da
resistência" ou "resistência" para descrever as
guerrilhas iraquianas. Num memorando interno circulado pela Assistant Managing
Editor Melissa McCoy (posteriormente vazado para o sítio web
LA Observed
), McCoy (como contado pela Reuters, 07/Nov/2003) disse que "considerava
'combatentes da resistência' uma descrição exacta dos
iraquianos que combatiam as tropas americanas", mas que isto evocava um
senso de heroísmo devido à forma "como a maior parte dos
americanos conheceu tais palavras", que evocam a resistência
europeia aos invasores nazis na Segunda Guerra Mundial. Consequentemente
ordenou-se aos repórteres do
LA Times
que as substituíssem por "insurrectos" ou
"guerrilhas". O resto da grande imprensa seguiu o exemplo, com
"insurrectos" sendo de longe o modo preferido de designar aqueles que
os Estados Unidos estão a combater no Iraque.
O termo "insurrecto" é o que Lassweel denominou um
"símbolo negativo". O
Black's Law Dictionary
define um "insurrecto" como "uma pessoa que, por razões
políticas, empenha-se em hostilidade armada contra um governo
estabelecido". Esta utilização, portanto, confere
legitimidade ao aparelho de Estado existente (de acordo com a famosa
definição de Estado fornecida por Max Weber, pela qual é
aquela entidade com "um monopólio sobre o uso legítimo da
força"), enquanto ao mesmo tempo nega qualquer legitimidade ao
"insurrecto". É a realidade de que não há
"governo estabelecido" no Iraque outro que não seja
aquele que os Estados Unidos impuseram e mantêm pela força
que está a ser suprimida por esta simples escolha deliberada de palavras.
O original encontra-se em
http://www.monthlyreview.org/nfte0105.htm
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Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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