Resenha do livro
Railroading Economics: The Creation of the Free Market Mythology
de Michael Perelman, Monthly Review Press, 2006, 238 pages, 16,70.
Railroading Economics,
de
Michael
Perelman
,
é uma acusação a economistas. Mas a
acusação não é, felizmente, a
repetição habitual acerca de premissas inaceitáveis ou uma
prova matemática do erro, tão úteis quanto possam ser.
Perelman mostra, aos invés disso, o que economistas aprenderam a partir
dos caminhos de ferro: que "com base no mercado, a fixação
de preço pelo custo marginal criará o caos, tal como os
economistas corporatistas aprenderam um século atrás".
O livro principia com uma descrição de como economistas
perceberam a natureza destrutiva das forças de mercado na época
em que os caminhos de ferro eram a maior indústria dos EUA. Só
esta descrição já vale o preço do livro porque,
naturalmente, a lição aplica-se plenamente a produtos
farmacêuticos, software e muitas outras indústrias de hoje.
Muitos dos principais economistas daquela época esforçaram-se por
lidar com a natureza destrutiva das forças de mercado. A
competição, que de acordo com a ciência económica
convencional é suposta guiar os negócios para a tomada de
decisões que beneficiarão a todos, estava a conduzir
negócios à bancarrota e pessoas comuns à pobreza.
Perelman prossegue esta afirmação com a sua
acusação ao ensino que hoje se pratica nas salas de aula:
Nunca permitiram que esta lição ficasse estabelecida entre
economistas. De facto, os mesmos economistas continuam a ensinar aos seus
estudantes que os mercados trabalham em perfeita harmonia, enquanto aconselham
os mentores da política a tomarem acções rápidas a
fim de porem travões à competição.
Este comportamento de duas caras continua hoje em dia, com eminentes
economistas a defenderem o monopólio como a chave para a lucratividade
de companhias farmacêuticas e de software e pelas mesmas
razões que os economistas dos caminhos de ferro reconheceram
enquanto ensinam os estudantes e o resto de todos nós que a
confiança nos mercados produz um mundo melhor para todos.
O Capítulo 1 descreve a transição da antiga economia
política para a agora simplesmente chamada ciência
económica
(economics)
e porque. Perelman fixa a era da economia política
clássica como o período que vai de
A riqueza das nações
de Adam Smith, em 1776, até cerca de 1830. Ao invés de defender
as prerrogativas da coroa, estes economistas tomaram partido pela classe
média em ascensão. "Os principais economistas
políticos, como Smith e David Ricardo, apelaram a mudanças
políticas que fariam a economia conformar-se às normas do
mercado, a que os economistas chamavam 'laissez faire' ". E eles
sustentaram que os interesses dos negócios coincidiam com aquele da
sociedade como um todo.
Karl Marx, em contraste, "... mostrou de forma brilhante como a
análise da economia política clássica, construída
em torno da análise da produção, podia ser virada para
demonstrar como os patrões exploravam seus trabalhadores".
A análise
da troca,
ao invés da análise da produção, era a chave para
refutar Marx. Assim, a profissão da ciência económica
voltou-se para um teoria de mercados ao invés do estudo da
indústria. Economistas contemporâneos ainda a advogar a
fracassada desregulamentação da produção
eléctrica etiquetam sua advocacia corrente como o estudo
dos mercados
de energia e subtilmente ignoram
a indústria
da energia.
Perelman é mais poderoso quando se volta, no Capítulo 3, para
"As ferrovias e o capital fixo". Os caminhos de ferro esclareceram
os economistas quanto ao problema do investimento fixo. Grandes investimentos
conduzem a redução de custos, levando os rivais tanto a cortarem
preços como a efectuarem eles próprios grandes novos
investimentos em nova tecnologia. O excesso de capacidade leva a guerra de
preços, de modo que os investimentos não podiam ser pagos e
seguia-se a bancarrota e o sofrimento.
A descrição do trabalho de Charles Francis Adams Jr., bisneto do
presidente John Adams e neto do presidente John Quincy Adams, é tanto
sedutora como esclarecedora. Adams estudou caminhos de ferro ao invés
de ciência económica. "Fundamentando-se no seu conhecimento
íntimo da indústria ferroviária, Adams concluiu que os
pressupostos subjacentes da teoria económica convencional não
fazem sentido de todo para o entendimento das ferrovias". Perelman
avança ao citar a rejeição de Adams das
soluções de mercado para chegar a uma "... conclusão
que está na base de todo o problema do transporte:
a competição e o transporte mais barato possível
são totalmente incompatíveis
" (ênfase no original de Adams).
Se apenas uma figura de proa publicasse hoje a mesma sentença,
substituindo ferrovias por produtos farmacêuticos, software, companhias
de aviação e produção eléctrica!
O reconhecimento pelos mais poderosos e respeitados economistas da época
do fracasso da competição levou à advocacia do
corporatismo um mundo de cartéis, trusts e monopólios. Ao
mesmo tempo, Perelman enfatiza:
... assim como a opinião pública educada, bem como os economistas
corporatistas, estavam a principiar a mudar para aceitar a legitimidade de
trusts, cartéis e monopólios, grupos de economistas
académicos estavam a forjar uma elegante defesa matemática do
mercado que permanece até hoje o núcleo do ensino de
ciências económicas. De acordo com o seu sistema de provas
panglossianas
[1]
, os mercados proporcionam o melhor de todos os mundos possíveis. Mesmo
muitos dos corporatistas abstractamente ainda aprovavam a teoria
económica convencional e obstinadamente ensinavam teoria
neoclássica aos seus estudantes.
Esta observação mantem-se verdadeira hoje, com eminências
como Larry Summers, ex-secretário do Tesouro e deposto presidente de
Harvard, a defenderem o monopólio como o único caminho para os
lucros nas indústrias farmacêuticas enquanto fazem
genuflexões ao mercado que proporcionaria o melhor dos mundos
possíveis. Nada mudou.
Na mesma época em que os principais economistas voltavam-se para o
corporatismo para a política pública, os populistas, conta-nos
Perelman, consideravam a teoria económica convencional como coisa
séria, agarrados à crença de que a
competição nivelaria o campo de jogo. Os socialistas, em
contraste, estavam mais próximos na análise aos economistas
corporatistas, acreditando que
... uma economia capitalista evolui naturalmente para um pequeno número
de grandes firmas industriais. ... Os corporatistas diferiam dos socialistas
apenas uma consideração fundamental: os socialistas não
acreditavam que uma sociedade na qual um grupo possuía a riqueza e um
outro trabalhava por salários pudesse sempre produzir um resultado justo
e equitativo. Em contraste, os corporatistas ensinavam que se as
corporações ao invés dos mercados tivessem o direito de
administrar a sociedade, elas actuariam com responsabilidade, proporcionando
bons salários juntamente com uma economia forte.
Perelman prossegue ao descrever como os economistas se ajustaram às
sucessivas épocas: a do capital financeiro, com a dominância do
J. P. Morgan, posteriormente a do "capitalismo previdência"
(welfare capitalism"),
com os grandes negócios a pagarem melhores salários e a
perfilharem a responsabilidade pública, a preparar o caminho para a I
Guerra Mundial, seguida pelo planeamento com êxito da economia durante a
guerra "socialismo de guerra".
O boom pós Segunda Guerra Mundial nos EUA, afirma Perelman, levou a
gestão a tornar-se "tranquila, não criativa e
complacente". "Esta espécie de financeiros-industrialistas
tinha mais em comum com banqueiros conservadores do antigamente do que com a
nova ninhada de financeiros agressivos". Ainda assim, economistas
eminentes, primeiro Schumpeter e depois Galbraith, louvaram a gestão
burocrática e associaram-na ao dinamismo tecnológico. Um
período, pensamos, seguido por outro, e o capital financeiro retornou.
Perelman assevera:
Hoje, os mercados financeiros já não permitem aos gestores
sentarem-se tranquilamente. Agora a gestão deve reagir rápida e
decisivamente. Infelizmente, muitas destas decisões violam os
interesses de trabalhadores e consumidores, da sociedade como um todo, e mesmo
a saúde a longo prazo dos negócios que estes gestores controlam.
As sombras da Enron!
O título do livro tem dois significados. O primeiro, é acerca da
teoria económica das ferrovias e outras indústrias modernas
capital-intensivas. O segundo significado do título decorre de aprender
repetidas vezes que economistas, reconhecendo que o mercado não funciona
nas sociedades industriais modernas, no entanto transportam a análise
feita para dentro das cabeças de estudantes e mentores políticos.
Na sua sombria conclusão intitulada "Para além da
competição", Perelman apela ao "fim da teoria
económica e o princípio de alguma coisa melhor".
Os argumentos de Perelman são apoiados por 23 páginas de notas de
rodapé. O livro leva a um bom entendimento da razão porque os
mercados fracassam, e como, sabendo disto, economistas continuam a ensinar a
mentira de que o melhor de todos os mundos possíveis fluirá da
permissão para que o mercado decida todas as coisas.
[1] De Pangloss, personagem de incurável optimismo no
Candide,
de Voltaire.
[*]
Eugene Coyle, Ph.D., economista com mais de 30 anos de experiência na
regulação de indústrias de serviços públicos
em rede
(utilities).
Trabalha como consultor independente e dentre os seus clientes incluem-se
TURN, a American Public Power Association, e os governos do Brasil e do
México. Também actuou como conselheiro do comissário Carl
Wood, da California Public Utilities Comission. A sua
investigação ajudou a Korean Electrical Workers Union a impedir
com êxito a privatização da produção
eléctrica na Coreia.
O original encontra-se em
http://mrzine.monthlyreview.org/coyle070906.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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