A Rússia mostra sinais, finalmente, de desafio à
ambivalência estratégica dos EUA quanto à Síria.
Isto segue-se à iniciativa iraniana de abrigar uma reunião dos
ministros da Defesa da Rússia e da Síria em Teerão, em 9
de Junho. (Ver meu artigo
Russian-Iranian alliance in Syria at crossroads
).
A primeira indicação de que está a repensar foi em 16 de
Junho, uma semana após a reunião em Teerão, numa
conferência de imprensa do ministro dos Estrangeiros Sergey Lavrov, onde
ele alegou abertamente que os EUA estão a ter uma agenda oculta para
promover a afiliada da al-Qaeda na Síria conhecida como Frente Nusra (a
qual é também uma aliada de Israel e da Arábia Saudita).
Desde Fevereiro, quando o cessar-fogo sírio foi acordado entre a
Rússia e os EUA, Moscovo tem estado a suplicar a Washington que separe
os grupos apoiados pela Frente Nusra de modo a que as operações
militares contra a afiliada à al-Qaeda pudessem ser conduzidas sem dano
colateral sobre os chamados grupos rebeldes "moderados".
Washington procurou ganhar tempo e restringir ataques aéreos de Moscovo
contra o Nusra nesse meio tempo. Mas agora transpira que Washington tem estado
a dissimular e a recorrer simplesmente a tácticas de
procrastinação presumivelmente em acordo com Israel e
Arábia Saudita a fim de comprar tempo para a Nusra fazer mais
alguns ganhos territoriais explorando a auto-contenção russa.
Finalmente, na quinta-feira, Lavrov leu o acto de rendição:
Os americanos agora estão a dizer que são incapazes de remover os
membros da oposição "bons" das posições
mantidas pela Frente al-Nusra, e que precisarão de mais dois ou
três meses. Tenho a impressão de que há aqui um jogo e que
eles podem querer manter a Frente al-Nusra de alguma forma e posteriormente
utilizá-la para derrubar o regime [de Assad]. (Sputnik)
Teerão tem estado reiteradamente feito advertências precisas
quanto à perfídia americana. Na avaliação iraniana,
o cessar-fogo é uma farsa e uma conspiração EUA-Israel
para reverter a maré do equilíbrio militar na Síria, a
qual actualmente favorece o regime Assad, pela criação de
espaço para a Frente Nusra operar sem medo de ataques aéreos
russos.
De qualquer modo, Moscovo assinalou à administração Obama
neste fim de semana que não permanecerá mais passiva enquanto a
Nusra faz ganhos territoriais. Os jactos russos atacaram os grupos de
oposição sírios apoiados pelos EUA em torno de Tarif e na
região Sul onde se encontram as fronteiras da Jordânia, da
Síria e do Iraque.
Naturalmente, Washington gritou que havia violação e,
ironicamente, não havia presença da Nusra em Tarif, e ainda assim
os jactos russos conscientemente bombardearam os grupos de
oposição. Dito simplesmente, Moscovo esclareceu que se os
americanos não podem separar os grupos "moderados" da Nusra,
os jactos russos também não distinguirão entre alvos
"bons" e "maus". O porta-voz do Kremlin jogou sal na ferida
através de muitas palavras. Na essência, Moscovo sublinhou que os
EUA já não podem mais proteger o grupo al-Qaeda e manter-se
distante da mira russa.
Enquanto isso, o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, no sábado fez
uma visita surpresa a Damasco como enviado especial do Presidente Vladimir
Putin e encontrou-se com o Presidente Bashar al-Assada. Uma notícia de
Damasco da [agência] Xinhua encara a missão de Shoigu como uma
sequência das decisões tomadas na reunião trilateral
Irão-Rússia-Síria ao nível de ministros da Defesa
em 9 de Junho.
Qual é o plano de jogo dos EUA? Um documento recente do think tank do
Pentágono Rand Corporation apelava a uma partição da
Síria com base nos territórios mantidos pelas forças do
governo e os grupos de oposição e a "descentralizar" o
poder político com as potências estrangeiras (EUA e seus
aliados) a actuarem como "pacificadores" nos territórios
mantidos pelos seus respectivos proxies. A ideia é confinar as
forças do governo sírio às regiões ocidentais do
país, enquanto as regiões do Leste junto à fronteira
iraquiana ficariam sob o controle de "forças de
manutenção da paz" lideradas pelos EUA e seus aliados. (RAND)
Em termos geopolíticos, um objectivo chave por trás deste assim
chamado "plano de paz" é cortar as ligações
entre o Irão e o Líbano, o que por sua vez tornaria o Hezbollah
vulnerável. Em suma, a estratégia dos EUA serve interesses de
Israel. Naturalmente, Israel tem alimentado a Nusra como sua procuradora para
"estabilizar" as regiões ao Sul da Síria
próximas das Alturas de Golan. (Ler uma entreita de Ali Akbar Velayati,
conselhiero do supremo líder do Irão sobre assuntos estrangeiros,
aqui, no
Tehran Times,
sobre compulsões do Irão).
Obviamente, tudo isto está a tornar-se um jogo de poker de altas apostas
os EUA e seus aliados regionais de um lado e a Rússia,
Irão, Síria, Líbano e Iraque do outro. Washington tem
recorrido à "guerra psicológica" contra a Rússia
ao deixar escapar um memorando "dissidente" escrito por um grupo de
50 pessoas do serviço externo a pedir que Obama ordene ataques militares
contra forças do governo sírio e que derrube o regime Assad. Esta
fuga para os media pretende transmitir uma ameaça implícita a
Moscovo que os EUA ainda têm uma opção militar para
derrubar Assad. Mas, aparentemente, Moscovo não está
impressionada pela ameaça americanas. (Sputnik)
Certamente, por trás do verniz da campanha militar contra o terrorismo,
a luta geopolítica na Síria esta a emergir. O facto é que
os laços Rússia-EUA estão a deteriorar-se rapidamente. A
NATO acaba de começar um exercício militar maciço na
Polónia, o qual simula um possível conflito com a Rússa.
(NBC News)
19/Junho/2016
[*]
Antigo embaixador indiano.
Ver também:
Não temos outra escolha senão a vitória!
, Presidente Bachar al-Assad
Syrie: L’attaque surprise russe met fin aux manœuvres de retardement de Kerry
O original encontra-se em
blogs.rediff.com/mkbhadrakumar/2016/06/19/russia-punctures-us-plan-b-on-syria/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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