Bush: permissão para torturar
por La Jornada
O dia 28 de Setembro] será recordado como uma data trágica para
os Estados Unidos e para o resto do mundo: o Senado desse país
dobrou-se às exigências do governo de George Walker Bush e
legalizou depois de, na véspera, a Câmara de Representantes
ter feito outro tanto a liquidação dos direitos humanos
dos suspeitos de terrorismo. Daqui em diante será legal a
detenção de uma pessoa por tempo indefinido e sem
apresentação de acusações, será legal o uso
de provas obtidas mediante coerção e serão legais
práticas de interrogatório como a privação do sono
por período prolongados ou expor os interrogados a baixas temperaturas.
Para aprovar semelhantes atrocidades, os legisladores do país vizinho
recorreram a uma subtileza simples: declarar que tais tormentos não se
chamam tortura.
A aprovação destas medidas marca um retrocesso sem precedentes em
matéria de direitos humanos, garantias individuais e liberdades, uma
recaída na barbárie comparável às
disposições de segregação adoptadas na Alemanha
nazi e na África do Sul racista, e traduz-se num estado de
indefensão jurídica para qualquer habitante deste planeta que
tenha a desgraça de ser considerado suspeito de terrorismo ou potencial
"combatente inimigo" à discreção de qualquer
responsável do governo estadunidense. Com esta
disposição, denominada "Lei sobre Comissões Militares
de 2006", muitos dos atropelos perpetrados em Abu Ghraib e Guantanamo
já podem ser considerados prática válida e rotineira.
Bush não pôde ocultar a verdadeira dimensão destas normas:
os interrogadores estadunidenses, disse, "não querem que os julguem
como criminosos de guerra". Para acalmar essas
inquietações, em suma, procedeu-se à
legalização de alguns crimes de guerra.
Mal fariam os cidadãos do país vizinho se supusessem que essa
legislação monstruosa será aplicada exclusivamente a
estrangeiros. Mais cedo do que tarde, a permissão para torturar
será empregada contra os próprios estadunidenses, por mais que,
no imediato, sejam certamente os nacionais de outros países os que se
encontram em maior perigo.
Não é preciso demasiada perspicácia para prever que a
"Lei sobre Comissões Militares" prefigura, em primeiro lugar,
uma nova onda de violações aos direitos humanos no Médio
Oriente e no mundo islâmico. Mas tão pouco é
necessário uma grande imaginação para perceber a
ameaça que a disposição representa para os trabalhadores
mexicanos e latino-americanos que se dirigem ao território do
país vizinho em busca de oportunidades laborais: as
acusações por suspeita de terrorismo podem-se formalizar sem
nenhuma exigência específica e serão susceptíveis,
por isso, de ser empregadas na perseguição de estrangeiros sem
documentados, por mais inverosímeis que pareçam. Além
disso, os tribunais militares autorizados a julgar as vítimas da
prepotência e do autoritarismo da administração Bush
não sancionarão os abusos de poder, os atropelos e os abusos dos
acusadores, uma vez que esses actos ficaram desculpabilizados de antemão
pela lei ontem aprovada.
No que se refere ao México, a circunstância exige um governo
firme, comprometido com a defesa dos direitos dos cidadãos nacionais e
disposto a enfrentar Washington a fim de preservar a integridade e os direitos
dos cidadãos mexicanos. Por desgraça, o grupo no poder e o
projecto continuísta da reacção governante não se
caracterizaram precisamente pela firmeza na defesa dos cidadãos
nacionais e sim, antes, pelo entreguismo e pelo servilismo nas suas
relações com a potência vizinha.
Finalmente, é de esperar que a permissão para torturar ontem
estendida pelo Capitólio à Casa Branca leve a cidadania
estadunidense a reflectir acerca da rápida conversão do seu
país num Estado totalitário e policial, num território de
opressão e, ainda que o nome não agrade, num enorme campo de
tortura.
O original encontra-se em
http://www.jornada.unam.mx/2006/09/29/edito.php
Este editorial encontra-se em
http://resistir.info/
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