Problemas da construção do socialismo
por Alberto Anaya Gutiérrez,
Alfonso Ríos Vázquez,
Arturo López Cándido,
José Roa Rosas
[*]
I. Sobre o conceito de socialismo
II. Elementos teóricos e práticos da transição do capitalismo ao socialismo
III. Balanço do chamado socialismo real
IV. O socialismo do século XXI
V. Proposta de eixos essenciais da reformulação actual do projecto socialista
Desde o seu aparecimento como teoria e prática política, o
socialismo esteve sempre em debate. As revoluções socialistas em
diferentes países ao longo do século XX forneceram os temas
essenciais da formulação concreta dos projectos e da
avaliação das experiências realizadas, algumas das quais
seguem o seu curso com perspectivas promissoras.
A mais de três lustros do dramático derrube do chamado
"socialismo real" na Europa Oriental e na URSS e, em contraste,
perante o surpreendente avanço do "socialismo ao estilo
chinês" e da recuperação económica e social dos
projectos socialistas no Vietname, em Cuba e na Coreia do Norte, a
discussão sobre as perspectivas do socialismo voltam a colocar-se no
primeiro plano da política mundial.
O capitalismo deu já provas contundentes da sua incapacidade para
enfrentar e resolver os principais problemas da humanidade, e além disso
é este mesmo sistema a fonte primordial de muitos desses problemas. No
último quarto de século, a sua variante neoliberal cavou um
abismo entre as potências capitalistas e os países pobres e em
vias de desenvolvimento. Também reconcentrou a riqueza em algumas poucas
centenas de gigantescas corporações transnacionais, enquanto dois
terços da população do planeta sobrevive apenas com
rendimentos de dois dólares norte-americanos, ou menos, por dia.
Por outro lado, o domínio do capital financeiro acumulou uma
força capaz de sacudir e mesmo fazer entrar em colapso economias
nacionais inteiras, como evidenciaram as crises financeiras do México em
1994-1995, do leste asiático em 1997, do Brasil em 1998 e da Argentina
em 2000, e gerou condições que poderiam propiciar uma crise
económica mundial, com efeitos semelhantes ou ainda mais graves que a
grande crise de 1929-1933. Como se fosse ainda pouco, o capitalismo neoliberal
acrescentou a tudo isto o consumo irracional dos recursos naturais do planeta,
colocando a humanidade à beira de uma catástrofe ecológica.
Tudo isto torna insustentável a continuidade do sistema capitalista, e
mais ainda da sua modalidade neoliberal, como horizonte de vida para a maioria
dos povos do mundo. Existe hoje uma maior e mais clara consciência desta
situação - que se vê agudizada pelos novos desenvolvimentos
de hostilidade, ameaças e agressões directas por parte do
imperialismo estadunidense, com o pretexto da "guerra contra o
terrorismo" , pelo que nos anos recentes vimos ressurgir movimentos
sociais de massas e forças políticas de esquerda e
centro-esquerda, que em simultâneo com as reivindicações
sociais contemporâneas emprego, salários, saúde,
educação, habitação, direitos humanos, igualdade de
género, direitos das minorias, protecção do ambiente,
entre outros - delinearam directamente processos de convergência social e
política para lutar pelo poder de Estado, e num número crescente
de casos alcançaram a vitória.
Prosseguindo nessa via, a América Latina e o Caribe têm vindo a
virar à esquerda ao longo dos últimos dez anos. O capitalismo
neoliberal fracassou e está esgotado como modelo económico,
social e político, e neste quadro vigorosas frentes sociais e
políticas de esquerda e centro-esquerda chegaram em vários casos
aos governos nacionais, com o compromisso de colocar no centro das suas
políticas a agenda social, recuperar o crescimento e redistribuir mais
equitativamente a riqueza, assim como de criar e alargar os serviços
sociais básicos para a população mais necessitada e para o
conjunto da sociedade. Neste sentido, propuseram-se de igual modo construir um
grande bloco latino-americano e caribenho para congregar esforços e
defender os seus interesses face ao poder e à voracidade do imperialismo
estadunidense.
O dilema destes processos e de muitos outros em diversas regiões do
planeta, que em um momento ou outro vai ser preciso resolver, é o de
saber se prosseguem na pesadíssima via do capitalismo ou se enveredam
pela alternativa do socialismo adaptado às condições de
cada país.
Por tudo o que fica dito, a presente comunicação tem o
propósito de partilhar as nossas reflexões em torno dos problemas
da construção do socialismo.
I. SOBRE O CONCEITO DE SOCIALISMO
Desde as suas origens nas primeiras décadas do século XIX, o
pensamento e os movimentos sócio-políticos socialistas não
se colocaram apenas objectivos puramente económicos, mas se propuseram a
criação de um novo tipo de sociedade. Em palavras de Gramsci, um
século depois, "uma nova civilização"; e para
Che Guevara, depois do triunfo da Revolução Cubana, a
criação do "homem novo".
O socialismo utópico
No decurso dos últimos dois séculos, foram formulados diversos
conceitos de socialismo. Nas condições históricas de um
ainda incipiente desenvolvimento do capitalismo e da luta de classes entre a
burguesia e o proletariado, os "socialistas utópicos"
(Saint-Simon, Fourier, Owen, entre os mais destacados) atacaram todas as bases
da sociedade existente e, apelando ao conjunto da sociedade e sobretudo
às classes privilegiadas, postularam para a substituir, sociedades
ideais futuras, cujas principais características seriam: a
supressão das diferenças entre a cidade e o campo, a
abolição da família, do lucro privado e do trabalho
assalariado, a proclamação da harmonia social e a
transformação do Estado em simples administrador da
produção. Na opinião de Marx, estas
"fantásticas descrições da "sociedade
futura" tiveram o grande mérito de servir como primeiros materiais
para instruir os operários, além de antecipar a
eliminação do antagonismo de classes numa época em que
esse antagonismo começava apenas a esboçar-se.
Ideias centrais de Marx sobre o socialismo
Karl Marx e Friedrich Engels reconheceram o enorme mérito destes
socialistas ao terem animado as primeiras lutas dos trabalhadores e ao
empenharem-se na busca da utopia, de uma sociedade onde prevaleceriam a
igualdade, a liberdade e a fraternidade. Mas também mostraram que o
carácter utópico dos seus projectos derivava do facto de
não serem fundamentados na compreensão objectiva do modo de
produção capitalista. A esta tarefa dedicou Marx mais de metade
da sua vida. Engels acompanhou-o intelectual e politicamente. Em
O Capital,
Marx expôs as leis de funcionamento do capitalismo que, por sua vez,
sustentaram a sua concepção das tendências futuras da
humanidade. Os dois pensadores não formularam um "modelo"
acabado da futura sociedade comunista, mas legaram-nos um esquema básico
da nova sociedade cujo advento previam, principalmente em
A Ideologia Alemã,
no
Manifesto do Partido Comunista,
na
Crítica do Programa de Gotha
e no
Anti-Dühring.
Para Marx e Engels, o desenvolvimento do capitalismo conduziria à luta
irreconciliável entre a burguesia e o proletariado. O mais
provável era que a revolução proletária viesse a
ter lugar nos países capitalistas mais avançados. A
revolução dependia, portanto, do amadurecimento de
condições objectivas e da vontade consciente e da
acção política do proletariado. A revolução
não Ievaria directamente à sociedade propriamente comunista. A
sua construção seria um processo de duas fases sucessivas.
Na fase socialista teriam lugar a extinção das classes e do
Estado, a conversão da exploração burguesa na
associação livre e igualitária dos trabalhadores, o
desaparecimento da oposição trabalho manual - trabalho
intelectual e campo - cidade. O culminar deste processo representaria a
passagem à segunda e superior etapa do comunismo. Na fase superior
comunista, o trabalho não seria já um meio de vida, mas sim a
primeira necessidade vital; o desenvolvimento sem entraves das forças
produtivas criaria abundante riqueza social, garantindo o livre e pleno
desenvolvimento de todos e de cada um dos seres humanos. O triunfo da
revolução proletária, assim como a passagem pela fase
socialista e o advento final do comunismo era concebido por Marx e Engels como
resultado da mais firme e consequente cooperação e solidariedade
do proletariado internacional.
Marx considerava a possibilidade de que a revolução tivesse
êxito na atrasada Rússia, mas na condição de que a
comuna rural fosse a base de uma organização superior da
sociedade e de que essa revolução fosse o sinal para a
revolução na Europa. Lénine e os bolcheviques tomaram o
poder, esperando que tal previsão se cumprisse. Não foi assim. A
revolução russa abriu então uma via que se afastava das
previsões de Marx e Engels sobre a revolução
proletária.
A obra teórica e a actividade política de Marx e de Engels e dos
primeiros marxistas, inspiraram a formação e o desenvolvimento
dos partidos políticos da classe trabalhadora durante a segunda metade
do século XIX, os quais concentraram a sua atenção no
desenvolvimento económico do capitalismo e na organização
da classe operária como uma força política própria.
Havia diferenças entre eles mas não grandes desentendimentos,
até que no quadro do desenvolvimento capitalista de finais daquele
século e nos anos que antecedem a Primeira Guerra Mundial, se deu a
divisão sem retorno da social-democracia europeia. Dela derivaram duas
concepções do socialismo e da estratégia para o
alcançar, que projectaram a sua influência até aos nossos
dias: por um lado, a que Lenine e os bolcheviques representavam; e por outro, a
defendida pela maioria dos partidos da Segunda Internacional influenciados
pelos social-democratas austro-alemães como Bernstein, Kautsky,
Hilferding, Bauer e outros.
O socialismo para a social-democracia europeia
Durante as últimas duas décadas do século XIX, a
social-democracia austríaca e sobretudo a alemã, converteram-se
em poderosos partidos de massas. Com a sua acção política
organizativa e parlamentar, promoveram uma forma característica de vida
para milhões de trabalhadores, que foi descrita como "um Estado
dentro do Estado", e cujo traço distintivo consistiu em conseguir
uma melhoria relativa do nível de vida, mediante reformas legislativas
paulatinas e lentas. Era o resultado do que os seus líderes denominavam
a "velha táctica provada", ou seja, a
participação eleitoral para ganhar mais lugares (no parlamento
burguês - N.T.) e assim introduzir reformas na legislação
burguesa. O efeito deste processo traduziu-se na prática da
revisão da teoria marxista, na qual se concebeu o socialismo mais como o
resultado de um processo gradual de reconstrução económica
e social, que como uma transformação revolucionária. Posto
em outros termos, mediante tais reformas graduais, o capitalismo se
transformaria em socialismo em algum ponto indeterminado do futuro.
Em termos gerais, esta concepção foi mantida peIa
social-democracia europeia até que se deu a viragem definitiva entre o
seu Congresso de refundação de 1951, realizado em Frankfurt, o
Congresso do Partido Social-democrata Alemão de 1959 em Bad Godesber, e
o seu Congresso Internacional de Oslo, em 1962. Do primeiro derivará a
consideração central de que "já não se tratava
de acabar com o capitalismo" porque este já tinha sido
"domesticado", já era "outra coisa", segundo Willy
Brandt. Do que se tratava era de inserir na economia, a partir do Estado, do
governo, doses de planificação, de investimento estatal, de
estímulos ao consumo e da distribuição menos injusta da
riqueza, principalmente. No segundo abandonava-se "oficialmente" o
marxismo, o que se reflectiu em três mudanças essenciais:
proclamou-se a ética cristã, o humanismo e a filosofia
clássica como fundamentos ideológicos do "socialismo
democrático"; em lugar de ser um partido da classe operária,
a social-democracia passava a ser um partido do povo; aceitava-se o sistema de
livre empresa, mas deviam fazer-se reformas para o racionalizar e melhorar os
seus efeitos sociais. Finalmente, no terceiro Congresso mencionado,
postulava-se que o futuro não pertencia "nem ao comunismo nem ao
capitalismo", mas sim ao que desde fins dos anos oitenta se enuncia
abertamente como "terceira via" e que é actualmente a linha
seguida peIa social-democracia internacional.
O socialismo em Lenine
Lenine formulou o problema assim: "A guerra imperialista trouxe os povos
dependentes para a história universal. E uma das nossas principais
tarefas consiste agora em reflectir como podemos colocar a primeira pedra para
a organização do movimento dos sovietes nos países
não capitalistas. Os sovietes são ali possíveis.
Não serão sovietes de trabalhadores, mas sovietes de camponeses
ou de artesãos". "A questão é: l. podemos
considerar acertada a afirmação de que os povos atrasados, que
agora se libertam (...), terão de percorrer necessariamente a etapa de
desenvolvimento capitalista da economia? A esta pergunta respondemos com um
não." ("Segundo Congresso da lII Internacional, 1920").
Qual poderia ser então o tipo de sociedade que neste caso ocuparia o
lugar da "etapa de desenvolvimento capitalista da economia? A resposta de
Lenine era: a sociedade socialista. Seguindo os escritos de Marx, Lenine
concebia o socialismo como a sociedade que acaba de sair das entranhas do
capitalismo e que Marx chamou "fase inferior da sociedade comunista".
Para Lenine, o primeiro elo da cadeia era a revolução
proletária vitoriosa. O primeiro requisito para ser uma verdadeira
revolução socialista, consistia em romper a "máquina
estatal existente" e não limitar-se simplesmente a apoderar-se
dela. Devia igualmente abarcar tanto o proletariado como os camponeses,
já que ambas as classes estão unidas pelo facto de que a
máquina burocrático-militar do Estado burguês as oprime.
Considerava que a transição de uma sociedade capitalista que se
desenvolve no sentido do comunismo é impossível sem um
período político de transição, e neste
período o Estado não podia ser outro senão a Ditadura do
Proletariado. Entre as transformações económicos que
deviam ter lugar no início do período de transição,
destacava: a transformação da propriedade privada capitalista
sobre os meios de produção em propriedade social, a
nacionalização dos bancos e monopólios capitalistas
(açúcar, petróleo, carvão, aço, etc.), assim
como a abolição do segredo comercial e o cancelamento de todas as
dívidas do Estado; de seguida, reorganizar a grande
produção partindo do que havia já sido criado pelo
capitalismo, mas aproveitando a própria experiência
operária e estabelecendo uma disciplina rigorosa, apoiada no poder
estatal dos operários armados. Este começo, baseado na grande
produção, conduziria por si mesmo à extinção
gradual da burocracia e à criação de uma ordem que
não se pareceria em nada com a escravatura assalariada; uma ordem em que
as funções de inspecção e contabilidade, cada vez
mais simplificadas, seriam executadas por todos e no futuro desapareceriam como
funções especiais.
No plano político, a máquina estatal destruída deve ser
substituída pela mais completa democracia, que representa uma
transformação gigantesca de umas instituições por
outras de tipo completamente diverso. Isto implica a supressão e
substituição do exército permanente e da polícia,
assim como das instituições especiais manipuladas por minorias
privilegiadas, no pressuposto de que as suas funções podem ser
directamente desempenhadas pela maioria da sociedade e pela milícia
popular armada. Quanto mais todo o povo intervier na execução das
funções próprias do Poder de Estado, tanto menor
será a necessidade desse poder, pelo que tenderá a desaparecer.
Dever-se-ia instaurar a completa elegibilidade e amovibilidade de todos os
funcionários, assim como a redução dos seus
salários ao nível do "salário do
operário". Para Lenine, a cultura capitalista tinha já
conseguido que a grande maioria das funções do Estado estivessem
sumamente simplificadas, pelo que podiam reduzir-se a simples
operações de registo, contabilidade e controlo,
funções totalmente acessíveis a todos os que soubessem ler
e escrever. Quanto às instituições representativas e de
elegibilidade, tinham que se transformar de lugares de charlatanice em
verdadeiras instâncias de trabalho, simultaneamente legislativo e
executivo. Estas simples medidas democráticas, ao mesmo tempo que
unificam os interesses de operários e camponeses, são a ponte que
conduz do capitalismo ao socialismo, mas só adquirem pleno sentido e
importância com a transformação da propriedade capitalista
dos meios de produção em propriedade social. Segundo Lenine, esse
era o Estado que se requeria e a base económica sobre que devia
assentar, na transição do capitalismo ao socialismo.
Lenine retomava literalmente Marx para descrever a fase que se seguiria
à consolidação da ditadura do proletariado, a fase
propriamente socialista. Nela, os meios de produção deixam de ser
propriedade privada de uns quantos e passam a pertencer a toda a sociedade; do
trabalho realizado por todos os membros da sociedade aptos a trabalhar,
desconta-se um fundo de reserva, outro fundo para repor os meios de
produção gastos e para ampliar a escala da
produção, e um fundo social para os gastos de
administração, escolas, hospitalar, asilos, etc.; uma vez
deduzidos estes fundos, cada operário recebe em serviços o que
entrega à sociedade, além de um certificado que confirma ter o
operário realizado tal ou qual quantidade de trabalho pelo qual recebe
dos armazéns sociais os artigos de consumo correspondentes.
A crise do regime czarista, o débil desenvolvimento do capitalismo russo
e a guerra imperialista criaram as condições para que os
bolcheviques tomassem o poder. Rosa Luxemburgo, que sempre manteve uma
particular confiança na criatividade e disposição de luta
das massas, celebrou o acontecimento e reconheceu as difíceis
condições em que teria de desenvolver-se a primeira
revolução proletária vitoriosa. Mas, desde os primeiros
anos do século XX, em que travou um combate sem tréguas contra a
ala direita da social-democracia alemã e austríaca, e a
crítica à organização leninista, foi amadurecendo
as ideias que a levaram a assinalar que na Rússia não se estava
construindo a ditadura do proletariado, mas sim a ditadura do partido. Em 1918,
Rosa Luxemburgo teve o mérito de ser a primeira revolucionária
marxista a fazer ver que as coisas não caminhavam bem nos começos
da experiência socialista. Uma década depois, Leon Trotsky
que em 1917 havia aderido às proposições
programáticas e estratégicas de Lenine elaborou no seu
livro
A revolução traída,
a crítica à degenerescência burocrática do Estado
soviético, o "Estado operário degenerado". Para
Trostsky, o estalinismo era a encarnação dos interesses da nova
casta burocrática nas condições de isolamento da
revolução e do cansaço e debilidade do proletariado russo.
O socialismo para Mao Tsetung e Deng Xiaoping
Retomando criativamente as teses de Lenine do início da "crise
geral do capitalismo" com a guerra mundial imperialista e a
Revolução Russa, vinte anos mais tarde, Mao Tsetung formula a
teoria da
Revolução da Nova Democracia
que seria a primeira fase da revolução proletária
revolução democrático-burguesa conduzida pelo proletariado
, a que se seguiria outra fase propriamente socialista nos países
coloniais e semi-coloniais, e que seria acompanhada por
revoluções socialistas nos países capitalistas
desenvolvidos, num processo de "desmembramento" progressivo do
sistema capitalista mundial.
Para Mao, as características da primeira etapa da
transição socialista, a etapa onde se estabelece a
"sociedade de nova democracia", seriam:
1- Uma sociedade com traços diferentes das repúblicas capitalistas
europeias e estadunidense que se apoiam na ditadura da burguesia, mas
também diferente da república socialista de estilo
soviético de ditadura do proletariado.
2- Uma sociedade sob a ditadura conjunta de todas as classes
revolucionárias do país dirigidas pelo proletariado, em que o
proletariado, o campesinato, os intelectuais e a pequena burguesia constituem
uma força política independente sob a direcção do
Partido Comunista.
3- Uma forma de Estado de transição que deve ser adoptada em
países coloniais e semi-coloniais.
4- Apresenta traços característicos do centralismo
democrático, com um sistema de assembleias populares a nível
nacional, provincial, distrital e cantonal, baseado no sufrágio
universal para eleger os respectivos governos, expressar a vontade do povo e
facilitar a direcção da luta revolucionária.
5- Como sistema económico, os grandes bancos, as grandes empresas
industriais e comerciais, e as grandes extensões dos
latifundiários devem ser propriedade do Estado, tendo como objectivo que
o capital privado não possa dominar a vida material do povo.
6- O sector estatal da economia será de carácter socialista e
constituirá a força dirigente em toda a economia nacional.
7- O Estado não
confiscará o resto da propriedade privada capitalista nem
proibirá o desenvolvimento daquela produção capitalista
que não possa dominar a vida material do povo, já que o atraso da
China necessita desta produção.
No início da década de 1960, Mao planeou dar por concluída
a etapa de
Nova Democracia
e dar início à etapa propriamente socialista. A China entrou num
período de estagnação e só depois da morte de Mao
adoptou as reformas que a estão Ievando a converter-se numa
potência económica mundial. Consideramos que este último
processo se identifica mais na teoria com o que Mao expôs como sendo a
etapa de
Nova Democracia.
A República Popular da China foi muito mais além das ideias e
previsões de Mao. Neste sentido, o contributo fundamental foi dado por
Deng Xiaoping. Desde finais dos anos setenta e até à sua morte,
Deng foi o grande estratega da modernização do "socialismo
ao estilo chinês". Os seus principais pressupostos são os
seguintes:
1- Utilizar o genuíno
pensamento de Mao Tsetung,
tomado na sua integridade, para dirigir o Partido, o Exército e o Povo,
e fazer avançar a causa do socialismo na China e a causa do movimento
comunista internacional.
2- Adoptar e Ievar a cabo as
Quatro Modernizações,
sobre a base do enorme entusiasmo da nossa gente, nos sólidos
fundamentos materiais e nos nossos enormes recursos, além da
introdução da tecnologia avançada hoje existente no mundo.
3- Superar a situação de pobreza na China, para que uma vez
realizadas as Quatro Modernizações, as suas
obrigações proletárias internacionais e as suas
contribuições para a Humanidade, e especialmente para o terceiro
mundo, possam ser maiores.
4- Os princípios e objectivos das Quatro Modernizações
foram
formulados pelos camaradas Mao Tsetung e Zhou Enlai. A tarefa política
mais significativa para a China é o sucesso das Quatro
Modernizações. A modernização representa uma nova
grande revolução. O objectivo desta revolução
é libertar e ampliar as forças produtivas. Sem ampliar as
forças produtivas, tornando o nosso país mais próspero e
desenvolvido, melhorando os níveis de vida do povo, a nossa
revolução é apenas conversa fiada.
5- No entanto, não desejamos o capitalismo, mas também não
desejamos ser pobres sob o socialismo. Cremos que o socialismo é
superior ao capitalismo. Esta superioridade deve ser demonstrada pelo facto de
que o socialismo proporciona condições mais favoráveis ao
desenvolvimento das forças produtivas do que o capitalismo.
6- Gozamos de quatro condições favoráveis para atingir a
meta
da modernização: primeiro, o entusiasmo, a iniciativa, a
inteligência e a sabedoria do povo chinês; segundo, recursos
naturais abundantes; terceiro, nos passados 30 anos lançamos os
fundamentos materiais preliminares para o desenvolvimento da indústria,
da agricultura, da ciência e da tecnologia; e quarto, devemos prosseguir
a política correcta de abertura ao mundo exterior.
7- Seria impossível alcançar os nossos objectivos sem a
cooperação internacional. Devemos fazer um amplo uso da
ciência avançada e dos progressos tecnológicos universais,
assim como do potencial financeiro exterior, de modo que possamos acelerar as
Quatro Modernizações. Esta oportunidade não existiu para
nós no passado. Temos vivido um período culminante recente, em
que aprendemos a utilizar esta oportunidade.
8- Não existe contradição fundamental entre o socialismo e
uma economia de mercado. O problema consiste no modo de desenvolver as
forças produtivas com mais eficácia. Tínhamos uma economia
planificada, mas com o passar dos anos, a nossa experiência provou que
ter uma economia totalmente planificada é, até certo ponto, um
obstáculo ao desenvolvimento das forças produtivas. Se combinamos
uma economia planificada com uma economia de mercado, estaremos numa
posição melhor para libertar as forças produtivas e para
acelerar o desenvolvimento económico.
9- Para finalizar a análise, a superioridade do socialismo deve
demonstrar-se por um maior desenvolvimento das forças produtivas.
Está agora claro que o caminho correcto é a abertura ao mundo
exterior, combinar uma economia planificada com uma economia de mercado e
introduzir reformas estruturais. lsto opõe-se aos princípios do
socialismo? Não, porque no decurso da reforma asseguraremos duas
condições: primeira, que o sector público da economia seja
sempre predominante; e segunda, que ao desenvolver a economia procuramos a
prosperidade comum, tentando evitar sempre a polarização.
10- As políticas de utilização de fundos estrangeiros,
permitindo que o sector privado se amplie não debilitarão a
posição predominante do sector público, que é uma
característica básica da economia na sua totalidade.
11- Por que insistem sempre alguns que o mercado é capitalista e somente
a
planificação é socialista? Na realidade ambos são
meios para desenvolver as forças produtivas, sempre e quando respondam a
esse propósito. Se servem ao socialismo são socialistas; se
servem ao capitalismo são capitalistas.
12- Para alcançar a independência política genuína,
um
país deve levantar-se da pobreza. E para o fazer deve assentar as suas
políticas económica e externa nas suas próprias
condições. Não deve levantar barreiras para se isolar do
resto do mundo. A experiência da China demonstra que um país
isolado em si mesmo é já em si uma desvantagem. Se deseja
transformar-se deve abrir-se ao mundo exterior e proceder a reformas no
país. Estas devem incluir a reforma da estrutura política, que se
situa no reino da super-estrutura. A política aberta que a China vem
prosseguindo actualmente é correcta e beneficiou grandemente o
país. E vamos prosseguir nessa direcção. Porque temos uma
grande capacidade para a assimilação e porque temos
políticas correctas, incluso se aparecerem alguns fenómenos
negativos, estes não poderão afectar os fundamentos do nosso
sistema socialista.
13- Educar o povo nos quatro princípios cardinais proporcionará
uma garantia fundamental para o progresso são da nossa causa. Estes
quatro princípios cardinais
são: manter o rumo socialista, manter a ditadura democrática do
povo, manter a direcção do Partido Comunista e manter o
marxismo-Ieninismo e o pensamento de Mao Tsetung.
O socialismo e o homem novo no pensamento de Che Guevara
Che Guevara assinala que na
Crítica do Programa de Gotha,
Marx coloca o tema do socialismo em termos de um processo
puro.
Para o Che, obrigado a reflectir no quadro da Revolução Cubana, o
socialismo
deve entender-se como uma nova fase que denomina
o primeiro período de transição da
construção do comunismo.
a qual transcorre no meio de violentas lutas de classe e contendo elementos
de capitalismo no seu seio, e para cuja superação, devem Ievar-se
a cabo dois processos fundamentais da construção socialista:
a formação do homem novo e o desenvolvimento da técnica.
Para o Che, o
homem novo
é um ideal não acabado que vai nascendo com a
construção do socialismo e que, portanto, nunca estará
completo, já que representa um processo paralelo ao desenvolvimento das
forças produtivas e à construção das novas formas
económicas. Por isso, é essencial escolher correctamente o
instrumento de mobilização das massas. Para o Che, esse
instrumento deve ser de índole fundamentalmente moral, sem esquecer
a correcta utilização do estímulo material, sobretudo de
natureza social. O importante é que, neste processo, o homem vá
adquirindo cada dia maior consciência da necessidade da sua
participação no desenvolvimento da sociedade, e de seguir a sua
vanguarda constituída pelo partido, que por sua vez deve caminhar em
estreita comunhão com as massas. Quanto à técnica, o
Che considerava que muito estava por fazer, mas que já não se
tratava
de avançar às cegas, mas sim de seguir em boa parte o caminho
andado pelos países mais adiantados e depois gerar a técnica
própria,
o desenvolvimento das próprias forças produtivas.
O Che explicava que quando a revolução tomou o poder em Cuba,
tanto no
sector industrial como no sector agro-pecuário, a política
seguida foi orientada para a solução dos dois problemas
económicos principais: o desemprego e a falta de divisas. Como
complemento se desenvolveram medidas revolucionárias redistribuidoras da
riqueza produzida, assim como uma política proteccionista contra a
importação de bens que pudessem ser elaborados em Cuba. O
desemprego foi eliminado, incrementou-se notavelmente o mercado nacional e
então os esforços principais se orientaram para a
diversificação, para auto-abastecimento de produtos
agrícolas e pecuários, o que colocou a economia agrícola
em sérias dificuldades pela quebra na produção de
açúcar, o principal produto de exportação e houve
que redefinir a estratégia produtiva agrícola.
De acordo com a concepção e experiência concreta do
Che, no socialismo aparece um sujeito multifacetado com caracteres
nítidos
as massas
que participa activamente na vida social, económica e política do
país, sempre que exista uma conexão estruturada entre o Estado e
estas, apoiada pela sensibilidade e pela intuição dos dirigentes.
As massas seguem a sua vanguarda, avançam em estreita conexão e
têm a vista posta no futuro e na recompensa de uma nova sociedade, onde o
importante não é o homem individual, mas sim o colectivo. A
direcção do processo tem que caminhar mais depressa, abrindo
caminhos, mas sem se afastar das massas, apoiando-se nelas e animando-as a
seguir o seu exemplo.
Na mesma orientação teórica de Marx e Lenine, o
Che concebe o poder político na construção do socialismo
como a
ditadura do proletariado.
Para levar a cabo correctamente esta construção, considera que
também se requerem instituições revolucionárias que
funcionem como um conjunto harmónico de canais, degraus e aparelhos bem
oleados, que permitam a tomada de consciência peIas massas, que atribua o
prémio ou o castigo no cumprimento ou incumprimento das tarefas, e que
facilite a selecção dos indivíduos destinados a constituir
a vanguarda.
No ideal socialista do Che, o trabalho deve adquirir uma nova
condição,
a mercadoria-homem deixa de existir e instala-se um sistema que atribui uma
quota pelo cumprimento
do dever social, os meios de produção pertencem à
sociedade e a máquina é apenas a trincheira onde se cumpre o
dever. Isto já não contribuiria para o trabalhador dar uma parte
do seu ser em forma de força de trabalho vendida, que já
não lhe pertence, antes significa uma emanação de si
mesmo, um contributo conscientemente voluntário para a vida em comum que
se reflecte no cumprimento do seu dever. O Che considerava que na
construção do socialismo devia fazer-se todo o possível
por dar ao trabalho esta nova categoria de dever social e uni-lo ao
desenvolvimento da técnica, o que teria como consequência o
aparecimento de condições para uma maior liberdade. Neste
sentido, o Che reiterava a tese marxista de que o homem alcança
realmente a sua plena
condição humana quando produz sem a compulsão da
necessidade física de se vender como mercadoria.
***As teorias de Lenine e de Mao, com as contribuições de
Estaline e de muitos outros teóricos e dirigentes
revolucionários, estiveram na origem dos processos
revolucionários e das experiências socialistas desde a
década de 1930 até ao derrube do bloco euro-soviético.
Apesar da variedade dos conceitos de socialismo, tem sido comum a todos eles a
fundamental importância dada à economia na
configuração da vida social em geral, tal e como expôs Marx
ao sustentar que o "modo de produção não deveria
considerar-se simplesmente como a reprodução da existência
física dos indivíduos. É mais uma forma concreta de
actividade destes indivíduos, uma maneira concreta de expressar as suas
vivências, um
modo de vida
concreto". Deste modo, a essência do projecto socialista nas suas
diversas versões foi sempre a transformação da propriedade
privada em propriedade social, que Marx enuncia como a "sociedade de
produtores associados" ou "modo de produção
associado".
II. ELEMENTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS DA TRANSIÇÃO DO
CAPITALISMO AO SOCIALISMO
Com a Revolução Russa de 1917 abriu-se uma época de
transição que parecia ter terminado com o derrube do
"socialismo real" na Europa oriental e na URSS. Pelo menos assim o
pretenderam os agoireiros do "triunfo definitivo do capitalismo sobre o
socialismo e o comunismo". Nos anos recentes, quando a modalidade
neoliberal do capitalismo se esgotou e o imperialismo estadunidense desencadeou
uma estratégia expansionista que colocou o sistema perante a
possibilidade de uma nova crise económica de proporções
semelhantes ou ainda maiores que a grande crise de 1929 - 1933, os processos de
transição estão recobrando um novo impulso. Por isso
é necessário examinar os elementos teóricos e
práticos da transição do capitalismo ao socialismo,
legados pelo pensamento marxista e peIas experiências socialistas.
1.
As experiências do chamado "socialismo real" durante o
século XX, assim como no pensamento socialista em geral, concentraram-se
fundamentalmente no problema do crescimento económico, e ainda mais
acentuadamente a partir das novas condiciones criadas peIa terceira
revolução científico-tecnológica iniciada na
década de 1980. Vários factores incidiram nesta
orientação, entre outros: 1) a proeminência da
acumulação de riqueza material própria do capitalismo, que
subordina as outras esferas da vida social; 2) o facto de que as
experiências de construção do socialismo tiveram lugar, na
maioria dos casos, em países atrasados e predominantemente
agrários, o que tornava necessária uma
industrialização rápida e extensiva; 3) o incremento da
pobreza nos países capitalistas como consequência da Grande Crise
de 1929-1933 e a persistente depressão ao longo de toda a década;
4) a expansão acelerada do auto-denominado "capitalismo
organizado" ou "Estado do bem-estar", nos principais
países capitalistas, a seguir à Segunda Guerra Mundial,
caracterizado pela intervenção estatal a grande escala, a
planificação parcial e elevados índices de crescimento
ininterrupto, e a necessidade imposta aos países do "socialismo
real" de competir com aqueles no que respeita ao nível de vida; e
5) o conflito e a competição entre as duas super-potências,
que consumiram imensos recursos na corrida armamentista e aero-espacial.
Mas, além destes cinco factores, outros três de grande peso
determinaram a preponderância da economia entre as
preocupações do pensamento e da prática socialistas:
1º)
o lugar central da produção material no próprio legado
teórico de Marx e Engels; 2º) a consideração
essencial de que a propriedade social dos principais meios de
produção é o principal mecanismo que permite eliminar a
dominação de uma classe sobre o conjunto da sociedade; e 3º)
a convicção de que uma economia eficiente é requisito
indispensável para conseguir os objectivos mais amplos do socialismo
como a eliminação da pobreza, os serviços sociais
extensivos e um elevado nível de educação e cultural e o
incremento do tempo livre para a realização individual e social.
2.
Empiricamente, as transições do século XX apresentaram-se
sob duas formas: 1) a
radical,
expressa na passagem do modo de produção capitalista ao modo de
produção socialista (independentemente da sua variedade e de que
o seu desenvolvimento posterior se tenha interrompido em casos importantes),
através da mudança violenta nas relações de
produção e nas relações entre as classes, e a
substituição de uma maquinaria estatal por outra, tendo esta
última outro carácter de classe; 2) a de conteúdo mais
limitado, sob a forma da passagem de economias coloniais a uma
situação pós-colonial.
3.
Marx estabeleceu a possibilidade de pensar o problema da
transição do capitalismo ao socialismo. Com ideias disseminadas
em vários dos seus textos fundamentais (o
Manifesto do Partido Comunista, O Capital, A guerra civil em França
e a
Crítica do Programa de Gotha,
entre outros), proporcionou um
esquema
para a
teoria da transição e geral
e também para a
teoria da transição para o socialismo,
mas não a própria teoria, nem muito menos as suas condicionantes
históricas.
4.
Marx não estabelece nem analisa uma "média
empírica", mas sim os modos de produção e suas
relações no que constitui a sua essência, por assim dizer,
em "estado puro". O que se pode designar por "impurezas"
existe sempre na realidade concreta, mas de acordo com Marx
não se pode considerar como característico de uma etapa de
transição pois, em caso contrário, teríamos que
aceitar que o mundo real é sempre constituído por economias de
transição e
portanto, o conceito de "economias de transição"
perderia todo o carácter específico, todo o significado.
5.
As "impurezas" não são "sobrevivências"
do passado, antes representam produtos do conjunto de relações
que têm lugar entre as estruturas reais da
formação económica da sociedade
ou
formação económico-social,
fundamentalmente das desigualdades no desenvolvimento das forças
produtivas e das relações sociais de produção
vinculadas a tais desigualdades.
6.
O problema teórico da transição tem que ser
essencialmente o da passagem de um modo de produção a outro, ao
processo inicial de constituição do novo modo de
produção, à análise das condições
básicas necessárias ao novo modo de produção para
iniciar a sua constituição no seio do modo de
produção dominante anterior; mas não só das
estruturas económicas, mas também das sociais e políticas.
O seu objecto de
análise
é a transformação e dissolução das
relações sociais de produção existentes, e por
necessidade
de toda a estrutura social. Não se trata da passagem
histórico-concreta, mas
sim
dos aspectos gerais do processo. Por esta razão, apresentam-se
diferenças importantes a respeito dos processos reais de
transição.
7.
A transição nunca é a sucessão de um modo de
produção puro a outro, mas sim a sucessão de um modo de
produção complexo com dominação, a outro igualmente
complexo com
dominação.
Esta sucessão não está submetida a nenhuma
linearidade,
pois a própria complexidade das estruturas a exclui. Dito de outra
maneira, não se pode estabelecer nenhuma lei de sucessão linear
historicamente
necessária
entre os modos de produção dominantes dos sistemas complexos.
8.
Esta complexidade estende-se à escala mundial, já que cada
formação económico-social nacional é em si mesma um
complexo de estruturas e constitui um
elo
dominante ou dominado da economia mundial, e as contradições que
se desenvolvem num país concreto não são apenas internas,
como também resultam da sua forma de inserção no complexo
económico e político mundial. Desta forma de abordar a
análise da transição deduziu Lenine o conceito de
"elo mais fraco".
9.
A dissolução de um modo de produção mais
não faz que criar as
condições
de aparecimento de outro modo de produção determinado. Tal
dissolução não cria a necessidade deste (novo modo de
produção), já que essa necessidade se
inscreve
mais precisamente nas transformações de uma estrutura muito mais
complexa - a formação económico-social - que a simples
estrutura económica; ou seja, também obedece às
transformações do conjunto da estrutura social e das estruturas
políticas, jurídicas e ideológicas. Deve entender-se,
portanto, que a dissolução do modo de produção
capitalista não cria a
totalidade
das condições para que lhe suceda o modo de
produção socialista; é também necessário que
se reunam as condições políticas e
ideológicas
para tal
sucessão.
10.
Uma formação
económico-social
real é uma
estrutura complexa de dominação,
é uma
combinação específica de vários modos de
produção
dos quais um é o
dominante.
Este modo de produção
dominante condiciona
o funcionamento e desenvolvimento dos modos de
produção
subordinados, mas por sua vez, estes influem reciprocamente sobre aquele,
modificando o seu funcionamento. Estas estruturas complexas não
são simples justaposições de diversos modos de
produção, mas
sim
estruturas complexas
únicas
ou
unitárias
dotadas de
causalidade estrutural própria,
submetidas em geral ao predomínio de uma estrutura específica que
corresponde à do modo de produção dominante. Por exemplo,
a França do século XIX ou o
México
do século XX, o que não
impede de as caracterizar
como
formações
económico-sociais capitalistas.
11.
Se
a presença simultânea e a interacção de
vários
modos de produção caracteriza qualquer
formação
económico-social real, também caracteriza as
formações económico-sociais de transição;
mas nestes casos, intervêm dois elementos suplementares fundamentais, que
são o
modo de dominação
e as
modalidades de eliminação
dos modos de produção não dominantes. Por exemplo, a URSS
no período de 1918-1921. Lenine assinalava a existência de cinco
sistemas ou estruturas económicas diferentes: economia patriarcal,
pequena economia mercantil, economia capitalista, capitalismo de Estado e
economia socialista. Isto expressava uma estrutura económica complexa,
mas ao mesmo tempo, uma formação económico-social de
transição para o socialismo; porque na opinião de Lenine,
a classe operária detinha o poder estatal e o controlo dos principais
sectores da economia. Nestas condições, incluindo um certo
desenvolvimento do capitalismo - na forma de concessões limitadas e
controladas ao capital estrangeiro ou na forma de certo progresso do
capitalismo interior - não poderia modificar a orientação
predominantemente socialista, em virtude precisamente do controlo
operário do Estado e das "alturas dominantes da economia".
12. A própria economia mundial que é a realidade
económica última constitui uma estrutura complexa
(mundial) de
estruturas complexas (nacionais). Isto implica que as
transformações estruturais e as etapas que uma
formação económico-social de transição pode
percorrer, só podem apreciar-se correctamente dentro da dinâmica
da totalidade estrutural mundial. Esta explica por que razão os
estádios de transição de cada formação
económico-social que levou a cabo a sua revolução
socialista podem ser qualitativamente diferentes dos estádios
"aparentemente análogos" percorridos pelos países que o
precederam no mesmo caminho. Em concreto, o que estava ocorrendo na URSS as
décadas de vinte ou trinta não tinha que ser necessariamente
semelhante ao que se passava na China, em Cuba ou no Vietname nas
décadas de sessenta e setenta do século passado, porque a
economia mundial era muito diferente em ambos os períodos.
13. As transformações económicas, sociais e de maneira
significativa, políticas e ideológicas no interior de cada
formação económico-social de transição para
o socialismo, modificam o carácter dominante anterior do modo de
produção capitalista. No entanto, este horizonte directamente
interno ou nacional fez perder de vista frequentemente o inevitável
carácter internacional do processo de transição do
capitalismo ao socialismo.
14. O
ritmo
de desenvolvimento da transição depende da
estrutura das conjunturas VERIFICAR
internas peIas quais passa cada formação económico-social
concreta, e da estrutura das conjunturas da economia e política
mundiais. Uma conjuntura que se apresenta como a fusão de um conjunto de
contradições internas e externas, gera condições
históricas de carácter revolucionário, tornando
possível a substituição de uma formação
económico-social por outra; é então que se abre um
período de transição.
Isto permite entender por que razão alguns países em que o
capitalismo não se desenvolveu ou o fez de maneira incipiente ou
débil, como consequência das contradições internas e
internacionais, tiveram conjunturas favoráveis, que lhes permitiram
"poupar" essa fase de desenvolvimento capitalista e passar à
constituição inicial do socialismo. Por isso é
indispensável a análise e a caracterização da
estrutura das conjunturas.
15. As transformações económicas, sociais e
políticas do período de transição são as do
momento imediatamente posterior a um corte histórico, à ruptura
da antiga totalidade estruturada; por isso, teórica e praticamente deve
entender-se como sendo o problema
"dos começos de um novo modo de produção".
16. Como mencionamos no ponto 2, depois da Revolução Russa de
1917, o século XX mostrará dois tipos principais de
transição: a de formações económico-sociais
dominadas pelo capitalismo ao socialismo, e a de países coloniais ou
semi-coloniais a uma situação pós-colonial. Aplicado
às formações económico-sociais
pós-coloniais, o termo "transição" apresentava
dois significados: a) que a
forma
anterior de dominação era modificada sem que se modificasse a sua
natureza, pelo que esta situação frequentemente desembocava em
formas variadas de
capitalismo de Estado;
e b) que em lugar do anterior, se apresentava uma situação de
equilíbrio momentâneo de forças das classes,
o qual podia desembocar ou não num
regime de coligação de classes,
mas o carácter altamente
instável
de tal regime não podia ser a base sociopolítica duma nova
formação social. Neste segundo caso, não se trata de uma
formação económico-social de transição, mas
sim de uma
situação de transição
caracterizada pela
ausência de transformações estruturais
nos planos económico, social e político. A problemática
exposta neste ponto sempre foi relevante dada a persistência na estrutura
capitalista mundial das relações imperialistas e do
neo-colonialismo, mas nos anos recentes vem tomando uma maior importância
em virtude dos processos de candidatura de coligações de
centro-esquerda ao poder político em países sujeitos a um virtual
domínio neocolonial, e cujo futuro próximo e a médio prazo
é incerto.
17. Nas formações económico-sociais de
transição para o socialismo, o período de
transição seria constituído por dois momentos: a) o
estádio inicial
ou período de instabilidade inicial; e b) o que Marx enunciou como o
período de
"consolidação social do modo de
produção".
O estádio inicial ou primeiro estádio do período de
transição, caracteriza-se pelo desmantelamento e a ruptura final
com a totalidade dominante anterior, a dominação do modo de
produção capitalista, e portanto o futuro da nova
formação económico-social não está
assegurado ou é ainda incerto. Por outro lado, a
consolidação da nova formação
económico-social ou fase de transição para o socialismo
propriamente dita, seria caracterizada peIa
ausência de adequação
relativamente extensa das novas relações sociais e das
forças produtivas, o que coloca certo tipo de contradições
entre a forma de propriedade e o modo real de apropriação; por
outras palavras, não se verificaram ainda as condições
para a
reprodução ampliada
das novas relações sociais. Sintetizando, o período de
transição seria composto por três processos com as suas
temporalidades respectivas: a) o estádio inicial; b) a fase de
transição em sentido estrito ou fase de inadequação
entre as novas relações sociais e as forças produtivas; e
c) a fase da reprodução ampliada da nova formação
económico-social socialista. Cada uma destas fases se caracteriza por
uma articulação específica dos níveis da
formação económico-social e das suas
contradições, e portanto, de um certo tipo de desenvolvimento
desigual destas contradições.
18. Na situação de inadequação entre as novas
relações sociais e as forças produtivas, a
dominação das novas relações sociais só pode
ser assegurada por
soluções de compromisso;
no caso da transição para o socialismo, recorrendo aos dois tipos
extremos que são o mecanismo do mercado (por exemplo, a NEP na URSS) ou
o mecanismo da planificação central (por exemplo, os primeiros
planos quinquenais). Estas soluções testemunham a profundidade
ainda muito grande das contradições internas. A sua
solução encontra-se no desenvolvimento das forças
produtivas, que assegurará a adequação entre as novas
relações sociais e as correspondentes forças produtivas.
Nesta direcção, o processo Ieva a que tanto o mecanismo do
mercado como a planificação central possam ser
substituídos por uma direcção coordenada da economia
através de mecanismos originais, em cujo centro se encontrará uma
planificação de novo tipo.
19. A forma de inadequação ou
não concordância
entre as novas relações sociais e as forças produtivas na
transição do capitalismo para o socialismo, é em termos
gerais a seguinte: a forma de propriedade dos principais meios de
produção é formalmente a de toda a sociedade, enquanto que
o modo de apropriação real é ainda o dos colectivos
limitados dos trabalhadores, já que só a nível destes
colectivos (empresas) se efectua a apropriação real da natureza.
A base material desta não-correspondência radica no insuficiente
desenvolvimento das forças produtivas. Apesar disso, o
maior
desenvolvimento das forças produtivas nos sectores estratégicos
da economia (energia, química, metalomecânica, transportes e
comunicações, entre outras) evidencia o aparecimento de um novo
modo de apropriação real, susceptível de ser ampliado ao
conjunto da sociedade.
20. O que caracteriza o período de transição no seu
conjunto não é principalmente a instabilidade da nova ordem
social nem a ausência de dominação das novas
relações de produção, mas antes a não
concordância relativamente ampla entre as novas relações
sociais já dominantes e o insuficiente desenvolvimento das forças
produtivas. E quanto mais débil for o nível de desenvolvimento
das forças produtivas no país considerado,
maior
será a não concordância citada.
21. Esta não concordância ou desfasamento tem importantes efeitos
na articulação dos diferentes níveis da
formação económico-social, em particular do nível
político. Em tal situação de não
concordância, o sistema económico apenas pode ser assegurado
através de
soluções de compromisso
específicas. Por exemplo, durante as primeiras décadas da URSS,
as
soluções de compromisso
de capitalismo de Estado, o mercado sob a NEP e a planificação
central com os primeiros planos quinquenais. Isto tem grande importância
para a análise das super-estruturas políticas do período
de transição, especialmente das
formas
da democracia e do papel da burocracia administrativa.
22. De acordo com o
grau inicial
de não correspondência e das
formas específicas
desta não correspondência em cada formação
económico-social de transição para o socialismo, o
período de transição será mais ou menos longo, e
será caracterizado por um papel diferente da maquinaria
burocrática e das formas diferentes da democracia socialista.
23. Portanto, é fundamental ter em conta o grau e as formas
específicas de não correspondência para colocar
correctamente um conjunto de problemas cruciais que, para concluir, aqui
só serão enunciados: o desenvolvimento desigual das forças
produtivas, o papel do mercado e da moeda, as relações entre as
empresas socialistas, o papel da pequena produção mercantil e da
produção propriamente capitalista nos primeiros estádios
da transição, a passagem da produção mercantil a
formas cooperativas, a organização da agricultura e da
indústria não estratégica, a aplicação e
desenvolvimento dos mecanismos de planificação, os níveis
de gestão burocrática e de gestão social da economia, as
relações entre as classes e entre as camadas ou estratos de uma
mesma classe, as relações entre a cúpula e a base do
sistema, o carácter antagónico ou secundário das
contradições internas.
***Não obstante a enorme ênfase posta na economia, o pensamento e
a prática socialistas sempre conceberam o crescimento económico
no contexto de uma reorganização mais integral da vida social.
Isto explica que desde os seus inícios, as diversas experiências
de construção do socialismo assumiram o compromisso ininterrupto
de ampliar, dentro dos limites impostos pelos recursos de cada país, os
serviços públicos como educação, saúde,
habitação, transportes públicos, diversos serviços
de bem-estar e facilidades para realização de actividades
recreativas, com notável êxito. A URSS, a República
Democrática Alemã e a Checoslováquia foram exemplares
neste aspecto; mas igualmente a superação do analfabetismo e
acesso da população aos serviços de saúde se contam
entre os êxitos mais notáveis das revoluções cubana
e no seu momento, a nicaraguana, apesar do seu atraso económico e da
hostilização e das intervenções directas por parte
dos Estados Unidos.
Uma economia socialista deve estar ao serviço da sociedade e ter como
objectivo prioritário o seu desenvolvimento. Da mesma forma, a
racionalização do processo de produção com o fim de
lograr o maior incremento no fluxo de bens materiais não deveria ser o
elemento de maior importância sem ter em conta outras
considerações igualmente significativas para o desenvolvimento da
sociedade socialista, como as condições laborais ou as horas de
trabalho, o meio ambiente e o eventual esgotamento dos recursos naturais, ou
avaliar se o incremento da produção eleva a qualidade de vida da
população.
Na situação actual em que o debate sobre a
construção do socialismo volta a ocupar o importante lugar que
lhe corresponde, somos obrigados a reflectir e avaliar a fundo o rico legado da
teoria e das experiências concretas ai propósito. E sobretudo
não devemos esquecer que o socialismo é um processo
histórico, pelo que ninguém pode prever de forma detalhada como
se edificará, ou como as gerações futuras
resolverão os problemas que o seu desenvolvimento futuro coloque.
III. BALANÇO DO CHAMADO SOCIALISMO REAL
A URSS e a Europa oriental
A conformação do socialismo de Estado e do chamado "campo
socialista" foi a cristalização final de processo iniciado
peIa Revolução Russa de 1917. O traço
burocrático-militar, presente na política externa da URSS,
conferiu um acentuado carácter imperialista ao seu próprio Estado
e às relações que estabeleceu com os países que
formaram o bloco soviético. O modelo teve as suas origens numa
concepção do poder, da sociedade, da democracia, da cultura e da
ideologia, a saber: consolidar as bases dos privilégios da "nova
classe", da burocracia. Produziu-se um íntimo conúbio entre
economia, política e cultura, entre matéria, ideologia e poder.
As características centrais do socialismo soviético foram a
estatização total da economia e a vida social, a completa
eliminação da democracia política e as liberdades civis, e
a ideologização extrema da cultura e da ciência. A
sociedade estruturou-se em torno de uma pirâmide administrativa de poder
("nomenclatura"), cujo vértice burocrático e militar
detinha enormes privilégios pelas funções que
desempenhava, converteram-na num grupo explorador. Neste quadro, o povo foi
excluído das decisões do poder, da gestão económica
e do direito à organização independente. Mas apesar disso,
obteve importantes conquistas em matéria de segurança e
serviços sociais. Também a mulher se viu favorecida, mas a
persistência da cultura patriarcal e o grande atraso na
produção de bens para o lar generalizaram a dupla jornada
feminina a ponto de eliminar praticamente o seu tempo livre e exclui-la da
actividade cívica e cultural a um nível maior que no capitalismo.
Este tipo de desenvolvimento estatal-burocrático afastou-se em
questões filosóficas, sociais e políticas fundamentais do
ideal socialista original e da teoria marxista clássica. Apesar disso,
para sectores muito amplos da intelectualidade e do movimento popular dos
países coloniais e atrasados foi muito atractiva, pois representava a
materialização "real" dos ideais e princípios
socialistas, e era vista como o único meio para alcançar um
desenvolvimento socialmente mais justo que qualquer outro face ao capitalismo.
Chegou-se a pensar, então, que este sucumbiria perante a superioridade
do sistema soviético.
Tendo como antecedentes a constituição e o desenvolvimento da
URSS, o bloco euro-soviético constituiu-se sem ter resultado de
revoluções socialistas. Ao terminar a segunda guerra mundial,
Estaline instalou governos pró-soviéticos e empenhou-se em
converte-los em cópias fiéis da URSS. A "Doutrina
Truman" (1947), que desencadeou a "guerra-fria", reforçou
a política externa do Kremlin. Apesar da
"desestalinização" do XX Congresso do PCUS (1956), a
situação prevaleceu até ao derrube do sistema socialista
em 1989-1991. O sistema era dominado peIa "nomenclatura" ou
"nova classe" (Djilas), a qual excluía o povo da tomada de
decisões, da gestão económica e do direito a organizar-se
de forma independente. Nos anos setenta, o sistema entra em
estagnação e sobrevém uma grave decomposição
social. No económico, o derrube obedeceu principalmente à baixa
produtividade do trabalho (excesso de pessoal, tecnologia obsoleta e falta de
incentivos) e ao parasitismo burocrático. No político, social e
cultural, a fusão do Estado e do partido anularia toda a possibilidade
de uma vida democrática. Nestas circunstâncias, a reforma do
sistema ficou limitada às iniciativas da cúpula dirigente.
A crise do estalinismo nos anos cinquenta, a ruptura sino-soviética e as
invasões da Hungria e da Checoslováquia foram apenas avisos de
uma crise maior, mas num contexto aparentemente mais favorável expresso
- entre outros factos - na revolução cubana, na guerra do
Vietname e na revolução cultural chinesa. Na década de
setenta, vários países do sudeste asiático, de
África e da América Latina foram sacudidos por movimentos
revolucionários conotados ou aliados ao campo socialista.
Simultaneamente, os acontecimentos internacionais dessa década foram
bastante desfavoráveis ao capitalismo e ao imperialismo: a derrota no
Vietname, o problema do petróleo e a crise mundial de 1974 -1975. No
entanto, em vez de isto ter constituído o prólogo do triunfo
mundial do socialismo de Estado, foi o início da sua queda.
Nos anos setenta, o socialismo de Estado não se comporta melhor que as
economias industrializadas do Ocidente. A economia da URSS e do campo
socialista entra numa etapa de declínio e estagnação.
Baixou acentuadamente o nível de vida da população e
apareceram sintomas muito graves de decomposição social, como a
generalização do alcoolismo, do absentismo laboral, da
corrupção administrativa e do mercado negro, fenómenos que
se tornaram visíveis na década seguinte. No plano externo, a
crise se expressou principalmente nas guerras entre países socialistas e
nos subsídios a governos envolvidos nelas, o que gerou o repúdio
do povo soviético e agravou ainda mais a frágil economia
soviética. No plano interno, estava-se perante o esgotamento do
padrão de desenvolvimento económico herdado da etapa estalinista
(sustentado na extrema centralização das decisões e
controlo, no desbaratar dos recursos materiais e da força de trabalho,
que privilegia a indústria pesada e militar em detrimento da agricultura
e da indústria de bens de consumo), sustentado a qualquer preço,
apesar de as condições terem mudado. Este padrão pode
funcionar nas difíceis condições de atraso, mas deixou de
funcionar ao aparecerem condições económicas, sociais e
culturais que requeriam um desenvolvimento sustentado na mudança
tecnológica, no incremento da produtividade do trabalho, a
descentralização das decisões e o uso cuidadoso dos
recursos naturais e do ambiente. Dito de outro modo, o campo socialista
não levou a cabo a necessária transição para o
socialismo desenvolvido.
No campo estritamente económico, este processo foi bloqueado
principalmente peIa baixa produtividade média do trabalho e sua
tendência descendente. Isto foi resultado tanto do excesso relativo de
pessoal e da utilização de tecnologia obsoleta em quase todos os
ramos industriais (à excepção do militar), como da falta
de verdadeiros incentivos ao trabalho e à eficiência (cumpriam-se
formalmente os planos, e premiava-se a lealdade política e o conformismo
social em sobreposição ao compromisso com o trabalho). A
acrescentar a isto, o parasitismo burocrático absorvia a maior parte do
excedente económico, a enorme despesa militar consumia grande parte do
produto nacional (entre 15 e 20%) e concentrava os melhores recursos
produtivos, em vez de financiar a reestruturação económica
e libertar recursos para melhorar as condições de vida da
população.
A rigidez da organização económica teve a sua
correspondente na vida política, social e cultural. Em todas as partes a
fusão do Estado e do partido coincidiu com a total supressão da
democracia. Este facto afectou particularmente os sectores mais dinâmicos
da população, generalizou o conformismo e impediu a
necessária transformação do sistema. Nestas
condições, as possibilidades de o reformar estavam confinadas
às iniciativas da própria cúpula dirigente. A esta
evolução interior juntaram-se as consequências das
transformações mundiais. Desde finais dos anos setenta a
revolução informática teve grande impacto sobre o
desenvolvimento das forças produtivas, as comunicações e
os modos de vida e de consumo. Surgia a nível mundial um novo tipo de
economia baseado na automatização, na flexibilidade, na qualidade
e na descentralização. Estes factos tinham lugar num mundo cada
vez mais internacionalizado e competitivo, que impunha a todos os países
a necessidade de se adaptarem ou de correr o risco de isolamento e de
decomposição económica e social.
As reformas tiveram lugar em meados dos anos oitenta, mas no quadro da crise
económica, do crescente protesto social e político e da
pressão das novas condições mundiais. Fracassou a
tentativa de reactivar a economia e ampliar o consenso social. Pelo
contrário, agudizaram-se as contradições entre as
forças apostadas na restauração capitalista, a
resistência da burocracia em perder os seus privilégios e a
débil oposição dos sectores que aspiravam a uma
mudança em direcção de um socialismo democrático.
Nestas circunstâncias, o derrube do socialismo foi inevitável.
China
A experiência da China seguiu um caminho distinto do soviético.
Convertido de facto em "colónia internacional", de natureza
semi-feudal e sem as condições para um desenvolvimento
capitalista próprio, o país teve que defrontar uma longa e penosa
guerra popular revolucionária (1927-1949) e encontrar o seu
próprio caminho: o PCCh compreendeu que não podia Ievar a cabo
uma revolução socialista "clássica". No texto
"Acerca da nova democracia", Mao Tse-tung caracteriza a
revolução chinesa como um processo em duas etapas sem ruptura:
"a ditadura da aliança de todas as classes revolucionárias
chinesas dirigidas pelo proletariado", e "a
reorganização da sociedade socialista na China". Depois da
guerra revolucionária, o país estava devastado. Procedeu-se
à colectivização do campo peIa via oposta a empregada na
URSS. A industrialização também seguiu um caminho
diferente: a indústria foi levada ao campo. No período do "
Grande Salto em Frente" (1958-1965) conseguiu-se impulsionar o
desenvolvimento económico e a democracia socialista mediante a
formação das comunas agrícolas (Ta chai) e industriais (Ta
ching). Não obstante, com o objectivo de corrigir o desenvolvimento de
tendências burguesas no partido e no Estado, Mao teve que impulsionar a
Revolução Cultural (1966-1967), a qual postulava duas
questões centrais: 1) corrigir as tendências para a
burocratização, e 2) rectificar o caminho da
construção socialista. A concepção integral do
socialismo chinês prevaleceu até à morte de Mao (1976). Nos
anos seguintes redefiniu-se o rumo. No final dos anos setenta, a China
empreendeu a mudança com fortes traços de
restauração capitalista.
O Presidente Deng Xiaoping (1979) delineou quatro princípios cardinais
que definiam o futuro desenvolvimento sob as normativas de: 1)
planificação socialista,
2)
ditadura do proletariado,
3)
liderança do Partido Comunista da China,
e 4)
continuidade ideológica baseada no marxismo-Ieninismo-pensamento Mao
Tse-Tung.
A República Popular da China abria-se ao mundo estabelecendo
relações com 115 países e aderindo a 12
organizações internacionais. A nova estratégia da China
ficou definida no Plano das
Quatro Modernizações,
cujos objectivos eram: revigorar os quadros políticos e profissionais;
uma maior produtividade rural; uma administração industrial
diferente e eficaz; a ampliação do comércio externo; o
desenvolvimento da ciência e da tecnologia e a criação de
uma grande corrente de investimento para o país. Os esforços do
Estado centravam-se numa economia socialista de mercado, que se associava a uma
política favorável ao investimento estrangeiro, à
expansão do mercado internacional e ao desenvolvimento das áreas
urbanas.
Introduziu-se na planificação uma maior
participação do mercado na economia. A China começou a
participar no mercado mundial, incrementou as suas exportações,
atraiu vultuosos investimentos estrangeiros, estabeleceu zonas especiais de
desenvolvimento económico, impulsionou os investimentos internos e
pôs a sua infra-estrutura ao serviço do desenvolvimento. Os
resultados foram impressionantes. Durante as décadas de oitenta e
noventa, o PIB cresceu a uma taxa média de 10% e o PIB
per capita
cresceu a uma taxa de 80%: duzentos milhões de pessoas superaram o
nível de pobreza e a China se converteu na segunda economia mundial,
ultrapassando o Japão, pelo menos em paridade de poder de compra. O
poderio económico da China permitiu-lhe superar da melhor maneira a
crise asiática de 1997-1998, que fustigou os mercados financeiros e cujo
epicentro se deu na Tailândia, com a desvalorização bath.
No 15º Congresso do Partido Comunista, em 1997, se reconheceu a iniciativa
privada como um sector importante na economia. Em Março de 1999 a
Constituição Chinesa reconheceu a propriedade privada o
princípio de legalidade. Em Outubro de 2003, a China se converteu no
terceiro país a colocar em órbita um ser humano. Este
lançamento, segundo palavras do presidente Hu Jintao, constitui um passo
histórico do povo chinês no seu empenho em alcançar o cume
da ciência e da tecnologia mundiais. A economia chinesa tem crescido nos
últimos anos (2003-2005) a uma taxa média de 9 por cento.
Vietname
A experiência socialista do Vietname teve um paralelismo com a China. Um
processo revolucionário vitorioso marca a etapa posterior, no
difícil contexto da "guerra-fria". A revolução
vietnamita estende-se dos primeiros anos do pós-guerra até 1975.
De facto, o processo revolucionário no Sul entrelaçou-se em 1960
com os primeiros passos na construção do socialismo no Norte. Em
1954 foi imposto à França um acordo de paz que deu origem ao
regime comunista no Vietname do Norte, que desde esse ano foi dominado por
três problemas centrais: a) a consolidação do poder, b) a
reconstrução e desenvolvimento económico, y c) a
reunificação do Sul para formar um Estado socialista
unitária. As acções fundamentais com vista à
construção do socialismo foram: reforma agrária em grande
escala, colectivização do campo e nacionalização
progressiva da indústria. A guerra revolucionária no Sul seguiu a
mesma senda do Norte. Em 1975 o povo vietnamita tinha logrado derrotar o
país mais poderoso do mundo. Apesar da devastação, o
triunfo e a unificação permitiriam avançar nos objectivos
iniciais da construção socialista: a reforma agrária e a
colectivização do campo, a reconstrução
económica e o impulso do desenvolvimento industrial. Os sucessos foram
importantes, embora limitados.
O colapso soviético induziu uma severa crise económica e
financeira na primeira metade dos anos noventa, que provocou uma crise
política. O governo e o Partido vietnamitas avançaram com um
conjunto de reformas. No plano económico: reordenar as empresas estatais
não rentáveis; dissolver entidades ineficientes; impulsionar e
fortalecer a economia mista; consolidar as cooperativas no campo; permitir ao
sector privado desenvolver-se, embora sob controlo do governo; e explorar ao
máximo as próprias forças para evitar assistência
estrangeira. Até agora estas reformas não ultrapassaram os
limites impostos pelo governo e favoreceram o desenvolvimento agrícola
(para abastecimento interno e exportação). O Vietname ainda
regista acentuados sinais de pobreza e atraso: pobreza rural elevada,
diferenças relevantes entre a cidade e o campo, a empresa estatal
é deficiente, a ciência e a tecnologia registam atrasos, etc.
Finalmente, no quadro da situação descrita, está-se
levando a cabo no Vietname um processo de renovação de
gerações muito acelerado. Um numeroso sector de jovens preparados
está tomando um papel preponderante nos comandos do poder
político e do Partido. O antídoto que se está aplicando
para que esse grupo não se converta numa tecnocracia, consiste no
requisito de que estejam solidamente forjados no campo ideológico e
político na linha da construção do socialismo.
Coreia do Norte
A experiência socialista da Coreia tem os seus antecedentes em dois
aspectos significativos: a prolongada ocupação japonesa da
Península e a sua situação geopolítica no contexto
da "guerra
fria".
De 1900 a 1930 organizam-se os primeiros grupos políticos para a
libertação do território nacional. A partir de 1930,
inicia-se a luta político-militar encabeçada por Kim Il Sung
contra a invasão japonesa. Em 1945, por acordo dos Aliados (URSS, EUA e
Grã-Bretanha), a Península foi dividida em duas partes. Nesse
mesmo ano foi fundada a República Popular Democrática da Coreia e
o Partido do Trabalho da Coreia, e instaurado um regime democrático e
popular. Entre 1945 e 1950 foi impulsionada a formação
generalizada de organizações de massas de carácter
nacional e sectorial, a transformação socialista da economia e do
Estado, e o fortalecimento das forças armadas.
A guerra de libertação (1950-1953) procurava expulsar os EUA e
consumar a unificação do país. O imperialismo
norte-americano reagiu com todo o seu poderio militar e económico.
Pretendia conquistar a Coreia do Norte para destruir o regime socialista e
implantar aí o capitalismo. A República Popular
Democrática da Coreia conseguiu estabelecer um acordo de paz. A Coreia
ficou devastada. De 1953 até à data se empreendeu a
reconstrução da sua infra-estrutura económica e das suas
cidades, e conseguiu-se criar emprego e habitação suficiente para
toda a população, assim como educação e cuidados de
saúde gratuitos. Os benefícios conseguidos incluem também
o fornecimento de água e electricidade. Desde 1945 a
industrialização privilegiou a indústria pesada,
considerando que essa orientação garantiria a longo prazo a
consolidação do regime socialista. No mesmo sentido
incorporaram-se ao cultivo a totalidade das terras aráveis
disponíveis. O nível de cultura geral elevou-se, conseguindo que
toda a população tenha acesso a praticar as artes, a literatura,
etc. A função central do partido consistiu em construir e manter
a unidade ideológica socialista. Essa foi a razão fundamental
para manter a via coreana do socialismo, apesar da constante agressão do
imperialismo, do derrube do campo soviético ou inclusive da sua
própria crise económica que entre 1996 e 2002 fez cair de forma
acentuada os níveis de bem-estar social já então
alcançados.
Depois de superar os problemas económicos desses difíceis anos, a
economia voltou a crescer e permitiu retomar programas estratégicos para
o desenvolvimento das forças produtivas, reforçar a defesa do
país e solucionar as carências nos níveis de consumo e de
vida do povo coreano. Isto significou a abertura de uma nova e vigorosa etapa
na construção do socialismo na República Popular
Democrática da Coreia.
Cuba
A revolução também marca profundamente a experiência
socialista cubana. A dependência económica da ilha relativamente
aos EUA durante a primeira metade do século XX, tornou-se praticamente
absoluta. A riqueza estava concentrada em poucas mãos, o desemprego era
muito grande, assim como era muito acentuada a falta de
instituições educativas e instalações de
saúde, assim como da rede de comunicações. A
corrupção envolvia toda a maquinaria governante. As
tensões e conflitos sociais eram intensos e frequentes. A ditadura de
Fulgêncio Batista (1952-1958), corrupta e brutal, precipitou a crise
revolucionária. A primeira tentativa (1953) fracassou, mas entre 1957 e
1959 a revolução triunfaria. Originalmente os seus objectivos
fundamentais não eram socialistas. A viragem radical da
revolução obedeceu pelo menos a dois aspectos centrais: a
mobilização das massas rurais e urbanas, que as sensibilizou em
defesa da revolução; e as pressões dos ataques perpetrados
pelo imperialismo norte-americano. Face ao bloqueio comercial dos EUA, Cuba
teve que estreitar relações económicas e de outro tipo com
a URSS. Nas quase três décadas que se seguiram, a
construção do socialismo foi marcada por avanços
diferenciados. Colectivizou-se o campo e modernizou-se a produção
de açúcar. Desenvolveram-se esforços para criar novas
indústrias e reduzir assim a dependência do açúcar.
As reformas sociais incluíram a melhoria da educação
pública, da habitação, da saúde, dos
serviços médicos e das comunicações. Da mesma
forma, promoveu-se firmemente a igualdade racial e os direitos das mulheres.
Impulsionou-se em grande escala a produção cultural e o acesso
à cultura. Combateu-se e reduziu-se a corrupção. O derrube
da URSS fez recrudescer os problemas da Ilha. A economia caiu entre 1989 e 1996
até um terço do seu nível. o governo empreendeu medidas
para reordenar a economia e explorar novas possibilidades de crescimento.
Facilitou-se a abertura comercial e financeira externa. Fixou-se como limite os
49% de investimento estrangeiro no capital das empresas. A
liberalização sob o esquema de economia mista abrangeu
praticamente todos os sectores e ramos económicos. A crise tinha sido de
tal magnitude que estas medidas tinham como objectivo primordial atender com
urgência os problemas alimentares da população. A abertura
externa foi acompanhada de um amplo e vigoroso processo de
liberalização parcial da economia interna. O governo e o povo de
Cuba empenharam-se nestes últimos anos em preservar as conquistas
sociais da revolução e da construção do socialismo:
a educação gratuita, a saúde e as possibilidades de
emprego para toda a população.
A reactivação e reformulação do poder popular foi
uma medida da mais alta prioridade. O seu aspecto mais destacado foi talvez a
reanimação dos Comités de Defesa da
Revolução (CDR's), conferindo-lhes funções de
carácter social como a atenção à saúde nas
comunidades, acções sanitárias, etc, além das
tradicionais funções de controlo e vigilância do processo
revolucionário. As mudanças a nível mundial em curso
estão impondo novos desafios a todas as regiões e países,
e muito especialmente àqueles que se empenham em preservar o projecto
socialista. A experiência da construção do socialismo em
Cuba não escapou a estas circunstâncias, mas o seu desempenho
depois de superar o "Período Especial" em 1996 foi coroado de
êxito.
Com efeito, depois da profunda queda da economia cubana a uma taxa média
anual de 7.8% no período de 1991-1995, as reformas introduzidas pelo
governo revolucionário permitiram retomar com novo ímpeto a senda
do crescimento, que entre os anos de 1996 e 2000 registou uma taxa média
anual de 4.6% e entre 2001 e 2005 foi de 4.2%. Isto tornou possível
avançar com amplos programas de infra-estrutura, de desenvolvimento da
ciência e da tecnologia, de extensão dos serviços
básicos para toda a população, assim como de abastecimento
massivo de bens de equipamento domésticos para as famílias
cubanas, o que representou um significativo aumento do seu nível de
vida. Também permitiu estabelecer acordos estratégicos de
cooperação com diversos países para apoiar o
desenvolvimento da saúde e da educação nesses
países, e para impulsionar o desenvolvimento das forças
produtivas em Cuba.
Com a chegada de Bush ao governo dos Estados Unidos e o atentado de 11 de
Setembro de 2001 contra as torres gémeas em Nova York, agravaram-se as
políticas do Império contra a Ilha com a intenção
de derrotar a Revolução Socialista. Foram empreendidas
acções grotescas para endurecer o bloqueio e asfixiar a economia
cubana, tais como: a centenas de milhar de cubanos residentes nos Estados
Unidos foi proibido visitar os seus familiares em Cuba, autorizando essas
visitas apenas uma vez em cada três anos e não a todos; Ia ajuda
familiar foi reduzida quase a zero; não se cumpriram acordos sobre a
emigração ilegal; foram recusadas propostas de
cooperação em temas vitais como a luta contra o tráfico de
drogas e de pessoas e para dificultar e impedir acções
terroristas; multiplicaram-se as calúnias, classificando Cuba de
país terrorista, inventaram-se mentiras sobre o fabrico de armas
biológicas e planos de guerra electrónica com o propósito
de interferir nas comunicações do governo. Os Estados Unidos
destinaram somas milionárias para interferir nas transmissões de
rádio e televisão com o uso de aviões, emitindo
transmissões contra-revolucionárias. O objectivo é tentar
arranjar pretextos para uma agressão genocida contra o povo de Cuba.
Em meados de 2003 eliminou-se o dólar nas transacções
entre empresas e se implantou um controlo de câmbios no Banco Central
para as operações externas. No passado, a
participação do dólar excedia os 90%, enquanto na
actualidade se mantém à volta de 30%, o que diminui
substancialmente o risco derivado das ameaças do governo dos Estados
Unidos. Durante o primeiro semestre de 2005 a Ilha enfrentou uma profunda seca,
Ia escassez de energia eléctrica e as consequências do
furacão Denis. No entanto, a capacidade de resistência e o retorno
da economia cubana a um novo ciclo de crescimento demonstrou as suas
capacidades. Em 2005 a economia cresceu a uma taxa de 11.8 % relativamente a
2004. Tal desempenho baseia-se no incremento dos ramos produtivos da economia,
entre os quais destacam a construção, as
comunicações, o comércio, os serviços, a
produção de crude nacional e gás, electricidade, a
ferrosa, a metalúrgica não ferrosa, a de
confecções, a alimentar e a de bebidas e tabaco. Os rendimentos
do turismo cresceram cerca de 11.5 % relativamente a 2004. Mesmo assim,
desenvolvem-se esforços para perfurar e por em operação
novos poços de petróleo e de gás que possibilitem ao
país um avanço para o auto-abastecimento. Se desenvolveu um
programa de melhoria das redes eléctricas do país, que inclui a
incorporação de uma instalação geradora de
electricidade de ciclo combinado e a adaptação de uma
instalação termoeléctrica, com o fim de que para o segundo
semestre de 2006 as famílias disponham do dobro de capacidade de energia
eléctrica, comparada com a que contam actualmente.
Em matéria de habitação conta-se actualmente com 7 mil 300
habitações terminadas se acabaram de se reparar Ias casas
afectadas pelo furacão Denis. Está programado construir mais de
10 mil novas das totalmente destruídas e se continuará a
construção de novas habitações, até
alcançar pelo menos 30 mil adicionais. Se ampliaram os utensílios
domésticos para as famílias cubanas. Se trabalha na
ampliação e remodelação da produção
de iogurte de soja, ovos, carne de porco, cacau, de chocolate de leite, de
café e de massas alimentícias. Se está investindo no
transporte de carga por caminho-de-ferro. Estão em processo de
aquisição equipamentos portuários, camiões de
transporte urbano, metais para vias-férreas, e equipamentos e
peças para camiões. De igual forma, para os sectores de
saúde e educação. Foram aumentados os salários em
alguns sectores da economia cubana. Nas exportações, destacam-se
pela sua importância o níquel, os medicamentos genéricos e
biotecnológicos, o tabaco e o açúcar, enquanto nos
serviços desempenham importante papel os serviços médicos
e o turismo.
Por último, como parte dos acordos derivados da ALBA (Alternativa
Bolivariana para a América, mecanismo para criar vantagens cooperativas
entre as nações participantes), criou-se uma filial
bancária de um banco cubano na Venezuela e foi autorizada a abertura da
filial de um banco venezuelano em Cuba. O acordo entre a República
Bolivariana da Venezuela e a República de Cuba, subscrito sob os
princípios da ALBA, constituiu um passo considerável no caminho
da unidade e da integração entre os povos da América
Latina e do Caribe. O projecto em marcha da Petrocaribe constitui outro passo
de fraternidade e solidariedade entre estes dois povos e governos.
***A reforma da URSS
começou
em meados dos anos oitenta, quando o declínio agudo da economia, o
crescente protesto social e político e a pressão internacional a
tornaram inevitável. Se tinha o propósito de transitar ao
socialismo desenvolvido, chegou tarde. A reforma fracassou rotundamente nos
seus propósitos de reactivar a economia e ampliar o consenso social. O
que sem dúvida provocou, foi o gerar de tensões entre um processo
de restauração capitalista em condições mais
adversas, a renúncia das forças que aspiravam a uma viragem na
direcção do socialismo desenvolvido, assim como o recrudescimento
dos movimentos independentistas e dos autonomismos regionais, e uma
situação caótica de decomposição social e
estatal. Com excepção da China, da Albânia, de Cuba, da
Coreia do Norte e do Vietname, estes processos estenderam-se a tudo o que fora
o campo socialista.
O mais significativo para os que mantemos o objectivo da luta pelo socialismo,
é que estes processos foram socialmente muito dolorosos e que de forma
alguma resolveram, nem é previsível que possam resolver, os
principais problemas do que foi o socialismo de Estado. Neste sentido, as
experiências concretas do "socialismo real" confirmam que todo
o projecto socialista com possibilidades de êxito está
necessariamente associado a quatro premissas fundamentais: 1) o estabelecimento
de uma organização económica eficiente baseada no continuo
desenvolvimento das forças produtivas; 2) a democratização
das decisões económicas, mas também e necessariamente
daquelas que incidem sobre a vida política, social e cultural em geral;
3) a disciplina laboral fundamentada em inquestionáveis
motivações materiais (incentivos económicos) e
psicológicas (a confiança do povo num projecto que sente seu
porque participa na tomada das decisões fundamentais); 4) a
conversão da ideologização extrema num sistema de valores
éticos e sociais decididos e compartilhados por toda a
população. O socialismo democrático como genuína
expressão do poder das massas populares, só será
possível com base na cultura socialista de massas, a qual é
absolutamente oposta à burocratização das vanguardas e aos
privilégios de qualquer tipo.
IV. O SOCIALISMO DO SÉCULO XXI
O capitalismo, que no passado representou uma força progressista face
aos sistemas económico-sociais que o precederam, ao entrar na sua fase
imperialista, mostra a sua incapacidade para enfrentar os problemas
fundamentais da humanidade como a pobreza, a fome, a exploração,
a opressão de tipo económico, racista e sexista, a
destruição da natureza e a ausência de democracia; e de
facto, se converteu na principal fonte desses problemas e do seu agravamento,
mais ainda na época actual de globalização neo-liberal.
Chegou-se a este ponto devido a cinco limitantes sistémicas: 1) a sua
instabilidade estrutural, resultante da contradição entre o
carácter social da produção e da sua
apropriação privada, o que torna inevitáveis as crises
recorrentes do sistema; 2) trata-se de um sistema assimétrico que produz
a concentração e centralização do capital e da
riqueza social em poucas mãos; 3) a economia global tem como elementos
dinâmicos as empresas transnacionais que são propriedade das
elites económicas do seu país de origem; 4) as empresas
transnacionais são excludentes relativamente a outras empresas, mas
sobretudo em relação às maiorias sociais, e o seu
carácter antidemocrático dá origem a que os resultados da
economia mundial não estejam em concordância com as necessidades
das populações; e 5) a mundialização do capitalismo
neo-liberal e do consumismo no chamado "primeiro mundo" são
ecologicamente insustentáveis para o desenvolvimento da humanidade.
As guerras, a recessão mundial, a miséria, a
dominação neo-colonial, não são obra do acaso,
são resultados inevitáveis do capitalismo porque este sistema
não conduz a que o ser humano actue de maneira ética e
crítica, antes fomenta sistematicamente os contra-valores
(egoísmo, individualismo, ambição pelo poder e
exploração entre os seres humanos); o resultado da dupla
deficiência estrutural da sociedade burguesa: ser anti-ética e
disfuncional para as necessidades das maiorias.
Com a recessão global do capitalismo em curso, os sonhos e mentiras dos
neoliberais sobre uma nova economia de mercado sem crises recorrentes nem
convulsões sociais, evaporaram-se. Os parâmetros que expressam a
saúde de uma economia já vinham indicando desde o ano 2000 a
tendência para a recessão global. As suas consequências para
os países neocoloniais são devastadoras: as suas economias
tornam-se estruturalmente inviáveis, perdem a sua capacidade para a
reprodução ampliada do capital e nenhuma medida, nem o maior
endividamento ou os recorrentes cortes orçamentais, as
privatizações a qualquer preço e a ortodoxia
monetária fiscal fundo-monetarista, podem romper o ciclo de
empobrecimento e de destruição neocolonial.
A mudança dos ciclos de
acumulação-desacumulação do capital mundial
não pode ser conseguida a partir dos espaços regionais
débeis da economia mundial como por exemplo, a América Latina e o
Caribe. De facto, nem mesmo as grandes potências têm a força
necessária para mudar por si sós as dinâmicas da economia
global; e não há nem haverá condições para
uma iniciativa concertada do Grupo dos 7, porque requereria uma viragem na
correlação de forças dentro da "alta burguesia.
O capitalismo deve ser substituído por um
sistema económico democraticamente planificado, equitativo e
sustentável.
Na época actual, a transição para o socialismo pode ser
favorecida pelas novas tecnologias (informática,
telecomunicações e biotecnologia, entre outras) e a sua
aplicação à economia, à administração
pública e à vida privada. Sobre este novo nível de
desenvolvimento das forças produtivas, um novo tipo de
relações sociais de produção e de exercício
democrático real do poder político elevaria significativamente o
nível de vida da população mundial. Isto traria consigo a
necessária igualdade de direitos económicos entre os povos, e
seria posto fim, tanto ao consumismo nos países industrializados, como
à fome nos países subdesenvolvidos; esta
equiparação nos níveis de vida entre todos os
países, com uma participação igualitária nos frutos
da técnica moderna, estaria directamente relacionada com a
construção a nível mundial dos princípios de
equidade, solidariedade, sustentabilidade, respeito e paz. Para avançar
nesta direcção, se requerem transformações
políticas e sociais impulsionadas pelos movimentos de massas e peIas
forças democráticas e socialistas, é em particular
necessária a substituição da democracia formal peIa
democracia participativa.
Desde sempre que no capitalismo nas suas diversas fases e modalidades, mas
também no chamado "socialismo real", não houve lugar
à participação democrática real da sociedade na
determinação das decisões económicas, sociais e
políticas fundamentais. As relações de
exploração capitalista, a lógica burocrática do
"socialismo real" tornaram impossível que a democracia formal
desse um passo em direcção à democracia participativa.
Estamos vivendo o esgotamento dos projectos históricos do capitalismo e
do chamado "socialismo real"; estamos na última fase da
sociedade de classes e, portanto, ante a responsabilidade de acelerar a entrada
numa nova etapa de transição para o socialismo sustentado na
democracia participativa de massas, que poderíamos enunciar como o
socialismo dei século XXI.
A democracia participativa refere-se à real capacidade da sociedade
poder decidir sobre os principais assuntos públicos em cada
nação; trata-se de uma ampliação qualitativa da
democracia formal. Essa capacidade não será exclusiva da esfera
política, mas será extensiva a todas as esferas da vida social
(governo, economia, legislação, saúde,
educação, relações externas, cultura, desporto e
ocupação de tempos livres). Trata-se da democracia
representativa. No processo de transição para o socialismo, e
sobretudo na construção do socialismo propriamente dito, a
democracia participativa deve ser acompanhada indissoluvelmente da democracia
social, entendida como a melhoria geral do nível de vida para toda a
sociedade. Isto é fundamental para o desenvolvimento da nova sociedade
socialista do século XXI.
Na América Latina e no Caribe está ressurgindo a praxis
consciente da humanidade em busca de um sistema social superior ao capitalismo,
e esta manifestou-se com a emergência de múltiplas
rebeliões e movimentos populares de massas, da Argentina ao
México. Nesta região é preciso defender a soberania
nacional e a integração autónoma, para conter o
ALCA e frustrar o Plano Colômbia, impulsionar o desenvolvimento da
democracia
participativa e da justiçai social, e apoiar e fortalecer o processo
bolivariano da Venezuela e da Bolívia. Descrevemos de seguida, muito
esquematicamente, o conteúdo e a orientação do processo
bolivariano da Venezuela.
A Revolução Bolivariana da Venezuela
Desde que acedeu eleitoralmente ao governo da Venezuela, Hugo Chávez tem
vindo a impulsionar o processo de Ia
Revolução Bolivariana,
o qual representa uma experiência inovadora do que pode vir a ser o
socialismo do século XXI. Quais os traços definidores deste
processo histórico concreto?
No plano interno, a utilização da poderosa alavanca do
petróleo para impulsionar o crescimento económico e
sustentá-lo a longo prazo, para ampliar a capacidade produtiva do
país e redistribuir mais equitativamente a riqueza mediante amplos
programas de infra-estrutura e de criação de empregos, a
extensão dos serviços básicos às classes populares
e a superação da pobreza.
Na Venezuela, a maioria dos serviços básicos eram privados, pelo
que se tornavam necessárias estruturas paralelas para que a maioria da
população tivesse acesso aos serviços
indispensáveis. O governo de Hugo Chávez realiza Missões
de ajuda ao desenvolvimento das comunidades mais pobres, nas áreas da
saúde, da educação (em 28 de Outubro de 2005, após
de cinco anos de incansáveis esforços, a República
Bolivariana da Venezuela foi declarada peIa UNESCO "Território
Livre de Analfabetismo") e alimentação, além de um
amplo programa nacional de habitação. Mediante sólidos
processos de capacitação, estes serviços são postos
de pé peIa própria população que deles necessita, o
que possibilita que os tornem seus, os defendam e constituam assim a base da
construção do
poder popular.
Cuba apoiou decididamente a construção do poder popular na
República Bolivariana da Venezuela, enviando milhares de jovens cubanos
a participar nas Missões de educação e saúde.
Outra linha fundamental de acção do projecto popular de Hugo
Chávez consiste na criação de micro-empresas e
cooperativas como instrumento para reduzir a pobreza e o desemprego,
através de um vasto programa de formação.
No plano externo, Hugo Chávez retomou com entusiasmo o sentido de
fraternidade e solidariedade que deve prevalecer entre os povos da
América Latina e do Caribe, pondo à disposição o
enorme potencial petrolífero da Venezuela para impulsionar a
integração económica da região e modificar a
correlação de forças frente ao imperialismo estadunidense.
Outros exemplos nesta mesma direcção são a
reprodução da experiência das Missões educativas
(com a participação directa de jovens venezuelanos) na
Bolívia e na República Dominicana, o projecto Telesur, Petrosur,
Petroamerica, o Banco do Sul, a Universidade do Sul, e desde logo a
ALBA em contraposição à estratégia imperialista de
integração representada pelo ALCA.
Ao que atrás se expõe, há que acrescentar a
estratégia de alianças e mecanismos de cooperação
com Cuba e a China, e com países que têm governos de
centro-esquerda como Espanha, Brasil, Uruguai e Chile, e de esquerda como a
Bolívia, ou anti-neoliberais, como a Argentina.
Com isto, a
Revolução Bolivariana
mostra que entende o
carácter internacional
do processo de transição para o socialismo, e a sua
importância decisiva na construção dei socialismo na
Venezuela, assim como o seu efeito recíproco com os outros países.
Perante o fracasso e os desastrosos efeitos do capitalismo neoliberal, Hugo
Chávez defendeu repetidamente que só o socialismo pode trazer
justiça social e aliviar a pobreza, mas apenas se despojado dos lastros
burocráticos e do dogmatismo ideológico, e superando os erros do
passado. Há que orientar a
democracia participativa
e revolucionária para o socialismo, e discutir sobre a
construção do socialismo desde as assembleias de bairro
até aos parlamentos.
Nas experiências socialistas anteriores apresentaram-se elementos
significativos que limitaram o seu funcionamento, como a ausência de
participação real do povo nas decisões, a falta de
pluralismo, o estatismo de a economia, o não reconhecimento de direitos
humanos e das liberdades de expressão e manifestação. Em
função destas experiências, o processo da
Revolução Bolivariana
defende que o socialismo do século XXI deve conceder uma grande
relevância à
ética socialista,
deve recuperar o sentido ético da vida, da solidariedade e da
generosidade; deve ultrapassar o individualismo, o egoísmo, o
ódio e os privilégios, que se contam entre os principais
obstáculos para a construção de uma nova sociedade, de uma
sociedade socialista. De maneira destacada e como uma das mais altas
prioridades do processo revolucionário, se deve eliminar o
fenómeno da corrupção, que ainda que seja um problema que
imperou no "socialismo real", tem as suas raízes no
capitalismo pela ânsia desmedida de lucro. Portanto, entre as directrizes
políticas fundamentais para o socialismo do século XXI, a
democracia participativa
deve ocupar o lugar central na construção do
poder popular.
Há que centrar tudo no povo, o partido governante deve estar subordinado
ao povo e não o contrário.
Nas sociedades capitalistas contemporâneas coexistem a extrema pobreza e
a extrema riqueza. O processo de construção do socialismo deve
conjugar a igualdade com a liberdade Por isso, em matéria
económica o projecto socialista do século XXI deve impulsionar as
ideias da propriedade colectiva, a banca popular, a empresa de
produção social e as unidades de produção
comunitária, junto à planificação central e ao
controlo das áreas estratégicas, e ao uso regulado do mecanismo
de mercado, com o fim de desenvolver as forças produtivas sem descurar o
melhoramento do nível de vida do conjunto da sociedade.
As pressões, ameaças e ingerências dos Estados Unidos para
derrotar Hugo Chávez e deter o avanço da Revolução
Bolivariana não cessaram, mas foram aliás, totalmente
infrutíferas e além disso injectaram no processo doses adicionais
de radicalidade e de apoio popular. Com o apoio do povo venezuelano, o
Presidente Hugo Chávez ganhou o referendo revogatório de 15 de
Agosto de 2004, promovido peIas forças políticas de direita. Foi
uma demonstração contundente de que a maioria da
população assumiu como sua e defende consequentemente a
Revolução Bolivariana.
Já assim o tinha feito em Abril de 2002, quando se deu a intentona
golpista apoiada pelo governo estadunidense. Mais tarde, em 2003, a direita
tentou novo golpe, com a greve patronal e a sabotagem de dois meses à
empresa petrolífera estatal, que causou perdas de 14 mil milhões
de dólares à economia venezuelana. Isto demonstra que o projecto
económico, social e político chavista conta com o apoio popular,
ainda que diversas forças políticas e algumas estruturas do
Estado tenham pretendido impedir que se fosse a fundo nas
transformações que a sociedade venezuelana necessita. Essas
forças e estruturas não desejam mudar as estruturas capitalistas.
Hugo Chávez defendeu abertamente que
o socialismo é a única alternativa
ao neoliberalismo e ao capitalismo, e que a sua construção
não deve depender de um líder "porque toda a
revolução é um processo molecular, que se desenvolve numa
atmosfera de luta de classes, um processo cuja duração não
é previsível, que exige uma organização
revolucionária preparada para a luta prolongada". Por isso, entre
as debilidades do processo revolucionário na Venezuela, conta-se o facto
de o próprio Chávez suportar nos seus ombros as massas populares
e a burocracia chavista, pelo que faltando o presidente, poderia vir abaixo o
projecto bolivariano de transição para o socialismo
e apenas restaria um projecto de contornos social-democratas.
V. PROPOSTA DE EIXOS ESSENCIAIS DA REFORMULAÇÃO ACTUAL DO
PROJECTO SOCIALISTA
No decurso de pouco mais de século e meio desde as ideias fundadoras de
Marx e Engels, os socialismos e os socialistas abordaram de formas diversas as
questões essenciais do socialismo, tais como: o sujeito
revolucionário, os movimentos populares, os partidos, os Estados e o
sistema mundial, mas sempre desde a perspectiva do modo de
produção. A redefinição do projecto socialista tem
que pensar estas questões e muitas outras desde essa perspectiva, mas
também desde a perspectiva do modo de vida. E é assim porque
não haverá socialismo depois se não se construir desde
já, em todos os planos da sociedade. O novo modelo social será
resultado apenas da construção consciente desde o presente pelos
socialistas e peIas lutas dos povos do mundo.
Se, desde o nosso tempo, os socialistas se empenharem em desenvolver
práticas democráticas, éticas e solidárias de
carácter socialista, fundadas no conhecimento científico e em
consonância com o movimento da realidade, construiremos o socialismo. Mas
se não o fazemos desde já, não o construiremos. Neste
sentido, é imprescindível resgatar a dialéctica
indivíduo-sociedade, porque: a) sem a relação
dialéctica entre teoria e prática, sem a prática de massas
e a sua sistematização, sem consciência de massas, sem
movimento revolucionário de massas, em síntese, sem a
aplicação da linha (de acção) de massas não
pode haver socialismo; b) não se trata de um processo linear e sempre
ascendente, e portanto, automático, mas há nele avanços e
retrocessos, fluxos e refluxos, êxitos e fracassos.
O socialismo sempre esteve e continuará estando em debate. Queremos
finalizar esta comunicação propondo que a
reformulação actual do projecto socialista deva estabelece no seu
núcleo os seguintes dez eixos essenciais:
1. O socialismo a que aspiramos deve ser superior ao capitalismo em termos de
justiça social, eficiência e racionalidade económica, maior
democracia e participação social, e desenvolvimento da cultura.
Também deve atacar os fundamentos ideológicos do chamado
"socialismo real", de que se destacam: burocratismo, autoritarismo,
voluntarismo e paternalismo demagógico e ideológico.
2. Proceder ao balanço crítico e auto-crítico, e abordar a
partir de novas perspectivas questões centrais das experiências
socialistas que foram derrotadas e das que afortunadamente continuam em curso,
tais como: a vinculação precisa entre planificação,
mercado e auto-gestão; entre propriedade pública e gestão
social; entre os diferentes níveis de desenvolvimento económico;
entre qualidade e quantidade e eficiência do trabalho; e entre trabalho
especializado de administração e controlo popular sobre os
funcionários e as relações de poder.
3- Abandonar as velhas ideias e encarar o estudo do novo contexto, e
prepararmo-nos para construir as formas concretas do socialismo do
século XXI ao longo de um prolongado processo histórico, moldado
pelos novos traços e contradições do sistema dominante.
4- Estudar seriamente as mudanças na divisão e
organização social do trabalho, as formas de
comunicação social, as relações entre
géneros, etnias e gerações, as novas necessidades e
exigências sociais, porque na época actual devem fazer parte dos
ingredientes essenciais da reformulação do projecto socialista.
5- A redefinição do projecto socialista terá que
cristalizar-se num movimento social que abarque as diversas forças e
figuras sociais do trabalho, respeitando as suas próprias
tendências e modalidades de acção, luta e
organização.
6- Assumir a grande relevância que têm as condições
específicas em cada país na formulação
programática e estratégica da luta pelo socialismo e no processo
da sua construção.
7- Vincular as necessidades históricas do desenvolvimento social com as
exigências concretas dos sectores oprimidos.
8- Desenvolver a transformação democrática do Estado, dos
serviços públicos e das instituições civis.
9- Impulsionar um novo tipo de
desenvolvimento das forças produtivas que conjugue o progresso
tecnológico, o crescimento económico, a protecção
do ambiente e a melhoria da qualidade de vida.
10- A reformulação do projecto socialista deve incluir um
programa
de reivindicação de políticas de emprego e rendimento
dignos para todos, de impulso e ampliação crescente da democracia
participativa e da democracia social, assim como de extensão da
educação em todos os níveis e da cultura a todo o povo, da
defesa e respeito absoluto dos direitos humanos.
11- Criar redes cada vez mais amplas de auto-organização,
consciencialização, gestão e controlo a partir da base,
para ir construindo desde agora as vias e as estruturas de um autêntico
poder popular.
12- Os eixos fundamentais da estrutura do socialismo do século XXI devem
ser: PRODUTIVIDADE, EQUIDADE, LIBERDADE, DEMOCRACIA, FRATERNIDADE E
SOLIDARIEDADE, na economia, no poder e no saber.
Com base em tudo o que atrás se expôs, afirmamos que a grande
tarefa da etapa actual é impulsionar a transição e a
construção para o socialismo do século XXI.
[*]
Responsáveis do
Partido do Trabalho
(México). Comunicação apresentada no
X Seminário "Os partidos e uma nova sociedade", Cidade do
México, 17-19 de Março de 2006.
Tradução de Carlos Coutinho.
Esta comunicação encontra-se em
http://resistir.info/
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