Genocídio científico e cultural no Iraque
por José Steinsleger
No mar de textos e documentos que circulam no ciberespaço, chegou
às minhas praias um da Frente Democrática para a
Libertação da Palestina (FDLP) que começa assim:
"A Mossad (agência de inteligência israelense), com a
participação dos ocupantes estadunidenses no Iraque, conseguiu
até agora assassinar 350 cientistas nucleares iraquianos e mais de 200
professores universitários dos diferentes campos científicos,
segundo um relatório do Departamento de Estado dos EUA".
A densidade atroz da denúncia e a impossibilidade de conferir a fonte
levaram-me a guardar o documento, tratando com pinças as
afirmações de um grupo político com interesse directo nos
assuntos que comenta. Mas em Fevereiro último, um relatório
semelhante, de fonte mais crível, assegura: "O Pentágono
gastou 3 mil milhões de dólares na criação dos
'esquadrões da morte' que poderiam estar por trás dos
assassinatos de docentes..."
Em folha actualizada até 14 de Março último, o
Comité de Solidariedade com o Iraque do Tribunal de Bruxelas precisa as
circunstâncias nas quais foram torturados e assassinados 141 professores
de várias instituições e centros de ensino superior:
Universidade de Bagdad, al-Mustansiriya, Tecnológica e al Bahrein, todas
da capital iraquiana: Hilla (Babilónia), Mosul (Nínive), Diwaniya
(Quadisiya), Instituto Técnico, e de Basora (Basora), Saladino (Tikrit),
Baquba (Diyala), Ramada (Al-Anbar), Kufa (Nayaf), Mosul (Mosul), entre outras
instituições académicas.
Acerca da situação naquele que foi o mais intelectualmente
avançado país do islão, o redactor do relatório,
Dick Adriansens, diz: "O pessoal universitário iraquiano
está desesperado". A lista inclui nomes, apelidos e
direcções de reitores, decanos, biólogos,
sociólogos, médicos, historiadores, filólogos,
físicos, engenheiros, pediatras, linguistas, geógrafos,
economistas, educadores e cientistas nucleares que, lamentavelmente, já
no poderão colaborar com o novo "governo democrático do
Iraque".
Por sua vez, o Sindicato dos Jornalistas do Iraque apresenta uma
relação, actualizada a 4 de Maio último, de 109 afiliados
assassinados em diversas situações. Ambos os relatórios
corroboram o apresentado pelo colombiano
Fernando Báez
, que em Maio de
2003 visitou o Iraque com uma comissão da UNESCO.
Báez é biblioclastiólogo (de biblioclastia), nome que os
gregos davam à destruição de livros. Só a
Biblioteca Nacional de Bagdad (três pisos uniformes de 10.240 metros
quadrados construídos em 1977) perdeu com os bombardeios mais de um
milhão de volumes, dezenas de milhões de documentos impressos, a
quase totalidade dos arquivos microfilmados e do Arquivo Nacional do Iraque.
O perigo pergunta-se: por que as tropas de ocupação fizeram
vista grossa com os saqueadores das grandes bibliotecas do país? Quem
organizou os grupos de civis com apoio externo que em meio ao caos, ao humo e
às chamas entraram nos recintos climatizados que guardavam os
manuscritos mais importantes, pergaminhos, peças e placas de argila 2
mil anos mais antigas que o reino de David?
O antigo director da Biblioteca de Bagdad lamentou com nostalgia:
"Não recordo semelhante barbaridade desde os tempos dos
mongois" (1258, invasão de Bagdad, quando as tropas de Hulagu,
descendente de Gengis Kan, destruíram todos os seus livros
lançando-os no rio Tigre).
O líder xiita Al Sajid Abdul-Muncim al-Mussawi ordenou aos seus fieis
resgatar dos bárbaros quase 300 mil livros, que foram transportados em
camiões até a mesquita de Haq, "... onde se amontoaram em
fileiras intermináveis que em alguns casos chegavam até ao
tecto".
"Concluída a desastrosa pilhagem acrescenta Báez
não havia literalmente nada que fazer. O secretário da
Defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeld, a modo de desculpa perante estes
factos, comentou: 'as pessoa livre é livre para cometer desmandos e
isso não se pode impedir'."
Entre aqueles que livremente cometem "desmandos" não há
apenas militares e saqueadores. Os criminosos de guerra também contam
com o apoio implícito de intelectuais "livres" como Salman
Rushdie, Oriana Fallacci, Martin Amis, Bernard-Henry Lévy, Michel
Houellebecq, Giovanni Sartori e outros que, com a única finalidade de
vender mais livros, ignoram a consciência que a primeira
destruição de livros do século XXI ocorreu na
nação onde teve lugar a invenção do livro em 3200
antes de Cristo.
O original encontra-se em
http://www.jornada.unam.mx/2006/05/24/028a2pol.php
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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