"O plano de ajuda à Grécia era ilegal e
ilegítimo"
por Dominique Berns e Eric Toussaint
[*]
entrevistados por
Le Soir
Enquanto as negociações entre a Grécia e seus credores
estão no ponto morto, a Comissão de auditoria da
dívida,
estabelecida pelo Parlamento grego, revela seu relatório nesta quarta
e quinta-feira. O alvo: o "plano de salvamento" de Maio de 2010,
concluído em condições "de irregularidade, de
ilegitimidade e de ilegalidade", explica o coordenador científico
da Comissão, o economista belga Eric Toussaint.
A Comissão de auditoria denuncia o "plano de salvamento" de
Maio de 2010. Por que?
Porque há uma vontade conjunta do Fundo Monetário Internacional
(FMI), do Banco Central Europeu (BCE), da Comissão, em acordo com
vários governos chave, em particular o alemão e o francês,
e do governo grego, de deformar a realidade e de apresentar a
situação como resultante de uma crise grave das finanças
públicas. Era entretanto a dívida privada que colocava o problema
fundamental. Uma vez no euro, a Grécia e o sistema financeiro grego
beneficiaram maciçamente de empréstimos dos grandes bancos,
essencialmente franceses e alemães. Seguiu-se uma bolha do
crédito privado. Entre 2001 e 2009, os empréstimos dos bancos
gregos às famílias multiplicaram-se por sete e os
empréstimos às empresas por quatro; ao passo que os
empréstimos aos poderes públicos aumentavam somente 20%. Os
bancos gregos efectuaram uma política aventureira, emprestando a
médio e longo prazos e financiando-se a curto prazo. Em Dezembro de
2008, as autoridades gregas tiveram de injectar 5 mil milhões de euros
de capitais no sistema bancário e conceder 23 mil milhões de
garantias. Depois, em 2009, o PIB da Grécia caiu 4%; e agentes
económicos, famílias e empresas começaram a encontrar
dificuldades de reembolso. Em lugar de enfrentar a situação, o
novo governo do sr. Papandreu optou por dramatizar a situação das
finanças públicas.
Pouco após sua chegada ao poder, Papandreu anuncia que o défice
público representava cerca de 14% do PIB e não 6% como
afirmava seu antecessor...
O governo Papandreu fez pressão sobre o Gabinete Grego das
Estatísticas para agravar os números do défice e da
dívida. A dívida foi assim inchada em 28 mil milhões, nela
contabilizando 19 mil milhões de dívidas de empresas
públicas, 4 mil milhões de despesas em medicamentos de hospitais
e 5 mil milhões e
swaps.
Inicialmente, a direcção do Gabinete das Estatísticas
contestava a integração destes montantes. O Eurostat, o gabinete
europeu de estatística, igualmente. Depois o Eurostat aceitou. Ora, as
regras do Eurostat não obrigavam a integrar estes 28 mil milhões
na dívida. Dramatizar a situação das finanças
públicas permitia ocultar os problemas bancários.
Para evitar impor perdas aos credores estrangeiros dos bancos gregos?
Sim. Assim como se afastou a possibilidade de uma reestruturação
da dívida pública...
... Novamente para proteger os grandes bancos estrangeiros e lhes dar tempo
para reduzir sua exposição. Isto é conhecido.
O ex-representante grego no FMI, Panayotis Roumeliotis, informou-nos que
Jean-Claude Trichet, o [então] presidente do BCE, ameaçou Atenas
de cortar a liquidez aos bancos gregos a partir de Abril de 2010 em caso de
reestruturação. Os bancos gregos aproveitaram igualmente deste
adiamento: entre 2010 e a reestruturação de
Fevereiro-Março de 2010, sua exposição à
dívida grega passou de 43 mil milhões para pouco de 20 mil
milhões. Compreende-se porque tanto o sr. Papandreu como os srs. Trichet
e Sarkosy, a sra. Merkel e a direcção do FMI se puseram de acordo
em 2010 para excluir toda reestruturação da dívida. Ora,
num documento interno de Março de 2010, o FMI espera que as medidas de
ajustamento que vão ser impostas à Grécia provoquem uma
queda da actividade económica e uma explosão do rácio da
dívida pública em relação ao PIB de 150% em 2013.
Problema: as regras não permitem ao FMI autorizar um país a
exercer um direito de saque se a dívida não for
sustentável. Eis porque estas regras foram mudadas, sob a pressão
de países como a França ou a Alemanha, do BCE, da
Comissão, com o acordo dos Estados Unidos. Portanto foi tomada uma
decisão visando proteger os interesses de uma minoria privilegiada de
grandes bancos privados, em detrimento do interesse geral. E como contrapartida
a estes empréstimos maciços que transformaram dívidas
privadas em dívidas públicas, foram ditadas aos sucessivos
governos gregos medidas extremamente precisas em matérias de
pensões, de salários, etc, que deviam ser aprovadas a
mata-cavalos no Parlamento grego. Ora, os credores estavam conscientes das
graves consequências económicas e sociais que estas medida iam
provocar nomeadamente a violação de uma série de
convenções internacionais protegendo os direitos humanos, que a
Grécia assim como os Estados credores teriam devido respeitar.
Qual pode ser a utilidade deste relatório?
O direito internacional permite a um Estado colocar um acto soberano de
suspensão de pagamento sem acumulação de juros atrasados
portanto uma moratória unilateral se a dívida
estiver claramente marcada por ilegitimidade e se não puder ser
reembolsada senão violando as obrigações em matéria
de direitos humanos fundamentais. Mas a decisão caberá ao governo
de Alexis Tsipras.
[*]
Eric Toussaint: Mestre de conferências da Universidade de Liège,
presidente do CADTM Bélgica e membro do conselho científico do
ATTAC França.
Ver também:
La dette grecque est illégale, illégitime et odieuse selon le rapport préliminaire du Comité sur la dette
Hellenic Parliament’s Debt Truth Committee Preliminary Findings - Executive Summary of the report
O original encontra-se no jornal
Le Soir
de 17/Junho/15 e em
cadtm.org/Le-plan-d-aide-a-la-Grece-etait
Esta entrevista encontra-se em
http://resistir.info/
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