por Eric Toussaint
entrevistado por Despina Papageorgiou
Enfrentou sozinho a multidão; desapertou a gravata e desabotoou a
camisa. "Eis-me aqui, se quiserem matem-me. Matem o vosso presidente, se
estão assim tão descontentes, se são assim tão
valentes!" O homem de cabelo escuro e feições vincadas
gritou estas palavras, indiferente à ira da multidão. Era o
presidente do Equador, Rafael Correa, e em frente dele estavam os
polícias que, a pretexto de protestar contra os cortes de
salários, estavam de facto a tentar um golpe para derrubá-lo. Por
detrás dessa tentativa estava a oligarquia do país, que ainda
hoje se opõe a um presidente que libertou o seu país de uma
"longa noite neoliberal" conduzida pelo FMI-Banco Mundial e que goza
actualmente de uma popularidade de cerca de 70%.
Três anos antes, em 2007, um grupo de especialistas entrou nos seus
quartos do hotel e ficaram estupefactos: todas as caixas de documentos do
Ministério da Economia, pertencentes ao período anterior à
presidência de Correa, haviam pura e simplesmente desaparecido. Esses
especialistas eram membros da Comissão de Auditoria da Dívida do
Equador, que fora formada após a eleição de Correa. A
Comissão era formada por doze peritos do Equador e seis estrangeiros. Um
deles era o cientista político e historiador belga Eric Toussaint.
Toussaint fala hoje à revista
Crash
e descreve como se materializou mais uma vez no Equador o mito de David
vencendo Golias, apesar das dificuldades esperadas. Após 14 meses de
trabalho árduo, a Comissão de Auditoria da Dívida publicou
as primeiras conclusões, declarando ilegítima uma grande parte da
dívida. A seguir, o governo cancelou essa parte, pagando aos credores
apenas 35 cêntimos por dólar. Washington teve um ataque
Dez anos antes, o Equador era caracterizado como uma "república das
bananas". Hoje, segundo o jornal britânico
Guardian,
pode ser "o local mais radical e entusiasta onde viver". Há
mais benefícios sociais, os pobres recebem subsídios e cuidados
de saúde totalmente grátis. As despesas públicas
também subiram. A percentagem de pessoas que vivem abaixo do limiar da
pobreza desceu para 28,6% (2011) em comparação com 37,6%
(2006).
Eric Toussaint é professor na Universidade de Liège
(Bélgica), fundador e presidente da Comissão para a
Abolição da Dívida do Terceiro Mundo (
CADTM
) e autor de numerosos livros. Trabalhou voluntariamente para a Comissão
de Auditoria da Dívida do Equador. Tem os conhecimentos e a
experiência para garantir que há um caminho alternativo. Desde que
haja vontade política.
Contactámos Eric Toussaint via e-mail ("não vais
encontrá-lo em nenhum número de telefone específico, ele
está sempre a viajar", informaram-me). Obviamente estava
interessado no caso grego. Liguei-lhe no dia seguinte para o hotel na
Croácia, onde ia tomar parte num fórum internacional sobre o
futuro da Europa.
Eric Toussaint declara categoricamente à
Crash
que a dívida criada por causa do Memorando é totalmente
ilegítima e/ou odiosa. Também afirma publicamente que tanto ele
como a sua organização apoiam quaisquer
esforços na Grécia para uma Comissão de Auditoria da
Dívida. "É mais fácil analisarem a vossa
dívida do que aconteceu com o Equador", diz. "Portanto,
avancem!"
Será que o novo governo após as eleições de
17 de Junho vai dar ouvidos à chamada de atenção do
professor? Um anterior aviso a outro governo grego caiu em orelhas moucas.
"Avisámos George Papandreou a tempo! Antes de a Grécia
recorrer ao FMI, o ex-primeiro-ministro grego pediu conselho a Rafael Correa
baseando-se na sua própria experiência sobre como
tratar da questão da dívida, contou o ministro dos
Negócios Estrangeiros do Equador, Ricardo Patino, num discurso em Quito
(conforme citado por L. Vatikiotis). "O primeiro-ministro grego falava
muito", continuou Patino. 'Oiça', disse Correa, "Há uma
coisa que você não deve fazer e uma coisa que tem que fazer
obrigatoriamente, para não pagar. Não pode ir ter com o FMI. E
tem que criar uma Comissão de Auditoria da Dívida'. Então
Papandreou fez exactamente o contrário!...
A conversa com Eric Toussaint começou com a questão das
eleições gregas
[1]
. Fiz notar que a proposta para a
constituição de uma Comissão de Auditoria da Dívida
Grega voltou a aparecer no período eleitoral. "Mas é
significativo", disse eu, que
"a proposta tenha sido rejeitada pelos
dois partidos que governam a Grécia há décadas. Por que
eles não querem analisar a dívida e por que sabotam as tentativas
para o seu cancelamento?"
"É evidente que o PASOK e a Nova Democracia não estão
interessados em apoiar uma auditoria, porque uma auditoria demonstraria a sua
responsabilidade na dívida do país. Ambos têm uma pesada
quota de responsabilidade pela dívida nos anos entre 1990 a 2000, e pela
nova dívida com o Memorando. Para mim é uma dívida
ilegítima".
Deve referir-se aqui que uma dívida ilegítima é uma
dívida (a) que foi acordada sem o consentimento da nação,
(b) o dinheiro foi gasto contrariamente aos interesses da nação e
(c) o emprestador tinha conhecimento desses dois factos. O termo é
atribuído ao professor russo de direito Alexander Sacks, que de facto
alterou a pergunta fundamental de "se o país pode pagar a sua
dívida" para "se o país deve pagar a sua
dívida".
"Como explica que a dívida é ilegítima?",
perguntei a Eric Toussaint.
"Talvez seja melhor começar pela nova dívida, de Maio de
2010 até hoje. As regras estabelecidas pela Troika são uma
violação dos direitos económicos e sociais dos
cidadãos gregos, conforme ilustrado pela redução dos
salários e das pensões, pela violação dos direitos
económicos e sociais do povo grego. Por exemplo, o primeiro Memorando
não foi devidamente ratificado pelo parlamento grego; o procedimento
para o Memorando não foi democrático. A Troika diz que têm
que aceitar. Se não aceitarem as regras, não recebem ajuda. Tudo
isto é completamente contra o princípio da democracia na
governação de um país. Portanto, para mim, esta nova
dívida em 2013 vai representar a parte principal da dívida
pública externa da Grécia. Esta nova dívida é
ilegítima e deve ser cancelada.
Também temos que analisar a dívida dos anos 1990 a 2000, a
dívida ligada à preparação dos Jogos
Olímpicos, e também a dívida ligada às
condições para a entrada da Grécia na zona do euro. Entrou
uma grande quantidade de dinheiro proveniente da Alemanha e de bancos privados
de países nucleares da UE. É evidente que entrou na Grécia
uma grande quantidade de dinheiro sob a forma de dívida pública
ou privada. Os bancos privados da Alemanha, da França, da
Bélgica, da Holanda e do Luxemburgo, avalizaram esses empréstimos
porque lhes eram vantajosos. E eles sabiam que, se ocorresse algum problema,
seriam resgatados pelo Banco Central Europeu. Por isso também podemos
discutir, podemos questionar a legitimidade deste tipo de
empréstimo".
De facto, os bancos foram resgatados pelo BCE com juros a 1%...
O BCE concedeu empréstimos (em Dezembro de 2011 e em Fevereiro de 2012)
num total de um milhão de milhões de euros (1 000 000 000 000
) com juros a 1% para ajuda aos bancos europeus. Os principais bancos da
Alemanha, da França, da Bélgica, do Luxemburgo, da Holanda, da
Áustria e também os bancos gregos e italianos receberam esse
dinheiro.
E agora os países pedem emprestado a esses bancos a altos juros
"Eles recebem o dinheiro com uma taxa de juro de 1% e depois emprestam
esse dinheiro aos países periféricos com juros de 4, 5, 6 ou 7%.
No direito comercial, quando esses empréstimos são financiados
por créditos garantidos a 1%, estão a ser infringidos os direitos
comerciais. Esses emprestadores enriquecem de forma abusiva".
Então a dívida não passa de um instrumento usado pela
elite financeira e política para apadrinhar e controlar a
população e impor determinadas políticas?
"É evidente que a Troika está a usar a dívida grega
como um instrumento, como uma ferramenta, para impor uma política que
viola os direitos humanos da população grega. A Grécia
está a ser usada como exemplo para chantagear outros países
como Portugal, a Irlanda, a Itália, a Espanha e para impor
o mesmo tipo de política a outros países. A Grécia
não é excepção. A Grécia é um
laboratório onde está a ser aplicada a nova terapia de
choque".
Isso leva-me à pergunta seguinte. Num dos seus artigos recentes,
escreveu "A Europa recebe terapia de choque tal como a América
Latina nos anos 80e 90". Acha que a Europa também está a
entrar numa "longa noite neoliberal"?
"Obviamente. O paralelo é evidente. Nos anos 80 e 90, o FMI, em
conjunto com o Banco Mundial e o Clube de Paris, impôs essa terapia aos
países da América Latina, e também a outros países
do Terceiro Mundo, na Ásia por exemplo, a Indonésia, as
Filipinas, a Coreia do Sul depois da crise asiática de 1997.
Portanto, não foi só na América Latina, mas por toda a
parte no Terceiro Mundo. Podemos estabelecer uma comparação com a
terapia de choque aplicada na Rússia, na Polónia, na Hungria e na
Alemanha de Leste durante a reunificação nos anos 90. Quais
são então essas políticas? Privatizações,
como é o caso actualmente na Grécia, aumento do IVA, impostos
indirectos sobre a maioria da população, despedimentos nos
serviços públicos, redução de salários,
etc."
A receita clássica do FMI
"Exactamente. O que estão a fazer na Grécia foi implementado
há 20 ou 30 anos nos países da América Latina, da
Ásia e da África e nos países do bloco
ex-soviético".
E os resultados são óbvios
"Falharam porque isso não criou crescimento nem emprego. Mas a
verdadeira motivação não é o crescimento da
economia; a verdadeira motivação do FMI e dos outros elementos da
Troika, o BCE e a Comissão Europeia, é NÃO proporcionar o
crescimento. Sabem perfeitamente que, com este tipo de política, a
Grécia não pode recuperar a nível económico.
Sabem-no perfeitamente bem. Não são estúpidos. São
inteligentes. Estão a usar a crise estrategicamente para reduzir os
salários e os níveis de vida da população, porque
querem um país e um mundo de lucros sempre crescentes para as grandes
empresas. É essa a verdadeira motivação. Querem ajudar e
fortalecer as grandes empresas financeiras como o Goldman Sachs, o Deutsche
Bank, o JP Morgan e todos os grandes bancos privados na Europa e nos EUA.
Uma pessoa, que não é um economista de esquerda, Joseph Stiglitz,
premiado com o Nobel de 2001, escreveu no seu livro "Globalization and its
Discontents" que, se analisarmos superficialmente as políticas do
FMI, podem parecer absurdas e destinadas ao fracasso, mas, se considerarmos que
o FMI está a apoiar e a servir os interesses do capital financeiro,
percebemos que essas políticas são de facto coerentes e
inteligentes".
E estão a tentar convencer a Grécia de que é a
única forma de prosseguir, mas, como o senhor sabe bem, temos exemplos
de países que cancelaram parte da dívida ilegítima. Um
desses exemplos, claro, é o Equador, onde o senhor participou na
Comissão de Auditoria da Dívida. Pode dizer-nos em breves
palavras como esse esforço evoluiu, como é que deu fruto?
"Primeiro temos que dizer que teve 100 por cento de êxito. E
não houve retaliações. O que o Equador fez: elegeu um novo
presidente em Novembro de 2006, que, por decreto presidencial, criou uma
Comissão de Auditoria da Dívida em Julho de 2007 para analisar a
dívida do período de 1976 a 2006. Escolheu 18 especialistas, 12
do Equador e 6 estrangeiros. Eu fui um dos seis estrangeiros. Também
pediu a órgãos do Estado para fazerem parte da Comissão, a
Comissão Anti-Corrupção, o Gabinete Geral de
Contabilidade, o Ministério da Justiça, o Ministério das
Finanças".
Então, o governo apoiou totalmente esse esforço.
"Trabalhámos durante 14 meses e, ao fim desses 14 meses, em
Setembro de 2008, entregámos ao governo as nossas conclusões e
recomendações. Depois de dois meses de deliberação,
decidiram suspender o pagamento da dívida sob a forma de
obrigações".
É espantoso, levaram apenas 16 meses, 14 para o trabalho mais dois para
o governo agir
"Foram 14 meses para analisar e dois meses para discutir no seio do
governo o que devia ser feito. Tivemos várias reuniões com o
governo durante esses 14 meses e depois das nossas conclusões, mas o
governo tomou a decisão final de suspender os pagamentos das
obrigações. Após oito meses da suspensão do
pagamento, conseguiram forçar os detentores das obrigações
a aceitar uma redução de 65% do valor. O Estado, o Equador,
comprou as obrigações com desconto. Por cada título
avaliado em 1 000 dólares, pagou 350 dólares".
Mas imagino que tiveram dificuldades, quer dizer, vocês enfrentaram
credores internacionais, os bancos e o sistema. Foi divulgado num artigo que
desapareceram dos vossos quartos caixas com documentos do Ministério da
Economia.
"É evidente que, enquanto estávamos a trabalhar, os que
tinham estado no poder antes da eleição do novo presidente e que
tinham subornado, ou assinado contratos ilegais que contribuíram para o
endividamento do país, não queriam dar-nos toda a
documentação de que necessitávamos para o nosso trabalho.
Até certo ponto isso foi difícil, mas por fim conseguimos obter
toda a documentação de que precisávamos.
No caso da Grécia, acho que em certa medida é mais fácil
porque há mais informação disponível. Conhecemos as
condições impostas pela Troika, por exemplo; essas
condições não são segredo nenhum. Podemos analisar
exactamente o que a Troika fez com a Grécia nos últimos dois
anos. Portanto não precisamos de ter acesso a segredos de Estado".
A dívida do Equador subiu de 1,174 mil milhões de dólares
em 1970 para 14,25 mil milhões de dólares em 2006. Portanto, era
mais pequena do que a dívida da Grécia. Por isso perguntei a Eric
Toussaint:
Dado que a Grécia se encontra na zona euro e a sua dívida
é maior do que a do Equador, acha que seria mais difícil a
Grécia eliminar a parte ilegal da sua dívida?
"Acho que é mais fácil analisar a dívida grega do que
a dívida do Equador, porque esta última era mais complicada e
dizia respeito a muito mais contratos do que no caso da Grécia. No caso
do Equador, tivemos que analisar um a um os contratos do país com o
Banco Mundial, o FMI, o Banco Inter-Americano de Desenvolvimento, os 20
países do Clube de Paris, mas também a sua dívida
(obrigações) para com os mercados.
No caso da Grécia, a maior parte da dívida é sob a forma
de obrigações ou empréstimos da Troika. Por isso acho que
é mais fácil. No caso do Equador, a dívida podia ser
relativamente mais pequena, mas havia mais de 100 contratos. Por isso foi mais
difícil de analisar".
Lembro-me do que o governo de Correa declarou, através do então
ministro das Finanças, Ricardo Patino e respeitou esta
declaração: 'Não aceitamos o que outros governos
aceitaram. Ou seja, que a nossa política económica seja ditada
pelo FMI. Consideramos isso inaceitável'. Serão os gregos capazes
de fazer o mesmo? Perguntei a Eric Toussaint:
O povo grego tem medo que, se analisarem e depois cancelarem a dívida
ilegítima, pode haver retaliação dos mercados e acabem por
nem sequer ter o que comer. No caso do Equador, não houve
retaliação. Há alguma possibilidade de
retaliação no caso da Grécia?
"Temos que ser claros. Eu disse que não houve
retaliação, mas temos que nos lembrar que o Equador deixou de
recorrer aos mercados para financiar as suas políticas. Portanto
não houve retaliação, mas é evidente que se
deixarem de pagar a dívida aos bancos privados, demora anos até
que os bancos aceitem financiar-vos outra vez.
Mas o que acontece é que a Grécia, nas condições
actuais, tem que encontrar métodos alternativos de financiar as suas
políticas e o seu desenvolvimento. A Grécia tem que combinar a
suspensão dos pagamentos da dívida com uma análise da
dívida e com a reforma da sua política fiscal. Tem que
implementar uma política de impostos que se paute pela regra da
igualdade. Devo mencionar, por exemplo, que na Grécia a Igreja, assim
como o sector da defesa e o sector da navegação, estão
isentos de impostos. As diversas instituições e sectores do
país têm que contribuir com os impostos.
É necessário elaborar um orçamento não apenas do
dinheiro externo, mas também do dinheiro proveniente do país. E,
claro, não me refiro a impor um IVA mais alto aos pobres. Apenas digo
que os sectores que não contribuem para o orçamento também
deve contribuir".
Enquanto isso, a população grega conseguirá sobreviver?
A resposta deixa-me sem respiração:
"Se deixarem de pagar, terão dinheiro! Se não usarem o
dinheiro para pagar aos bancos, poderão usar esse dinheiro para pagar os
salários, aumentar as pensões, pagar aos funcionários
públicos, criar emprego, estimular a economia. Foi isso mesmo que fez a
Argentina depois de deixar de pagar a sua dívida em 2001. Desde 2001 que
não pedem financiamento aos bancos privados e aos mercados. E a
Argentina está a dar-se muito bem. O que a Argentina e o Equador fizeram
foi conseguirem recuperar-se impondo maiores impostos às grandes
empresas. Insisto: não significa que a Grécia deva pedir à
maioria da população, aos pobres, que paguem mais impostos. Digo
que as grandes empresas privadas devem contribuir".
É significativo que, apesar do facto de o Equador ser um país
exportador de petróleo, o país recebesse poucas receitas dessas
exportações, visto que as empresas petrolíferas
multinacionais ficavam com a parte de leão desses lucros. Isso mudou
quando, em Julho de 2010, por uma lei aprovada pelo governo de Correa, a quota
do Estado nas exportações de petróleo passou de 13% para
87% sobre as receitas brutas do petróleo. Saíram do país 7
das 16 empresas petrolíferas, e foram substituídas por empresas
estatais. As restantes mantiveram-se. O aumento das receitas do Estado no
petróleo foi de 870 milhões de dólares em 2010.
Além disso, os impostos imediatos, lançados principalmente
às empresas, aumentaram de 35% em 2006 para mais de 40% em 2011. O
projecto exigiu uma forte vontade política no seu confronto com os
grandes interesses. Houve também um choque com a elite interna. Isso
leva-me à seguinte questão:
Também teríamos que abrir as contas bancárias das pessoas
que geriram a dívida. No Equador também fizeram isso.
"Se quisermos denunciar os casos de suborno, etc, é evidente que a
lei deve iniciar o procedimento e o Ministério das Finanças deve
chamar determinadas pessoas a responder a perguntas concretas sobre a riqueza,
como obtiveram essa riqueza, de onde receberam o dinheiro que têm e a
fortuna que acumularam. Uma Comissão de Auditoria precisa da ajuda dos
responsáveis pelo controlo dos impostos e também do departamento
da justiça".
Referiu-se a subornos. Quer dizer que tem a certeza que há subornos.
"Nalguns casos. Há. Pode não ser o problema principal, mas
é evidente que houve contratos financiados por empréstimos,
contratos para compra de equipamento à Siemens, etc. O departamento da
justiça na Grécia já mostrou que, no caso da Siemens
Hellas, houve uma enorme quantidade de subornos a políticos na
Grécia para aprovação do contrato com a Siemens. Isso
não é segredo. É bem conhecido".
No Equador, também descobriram subornos feitos por empresas
multinacionais e bancos. Pode dar-nos alguns exemplos, além da Siemens?
"Houve pessoas no governo durante os anos 90 e até ao ano 2000 que
receberam dinheiro para assinar contratos com os bancos, para aceitar
condições favoráveis aos banqueiros".
Está a dizer que foram oferecidas luvas para que os funcionários
aceitassem condições favoráveis a empresas e não
aos cidadãos do país?
"Exactamente".
Lembra-se de alguns casos?
"O Citigroup, mas o JP Morgan também esteve envolvido. O JP Morgan
é muito conhecido agora porque perderam 2 mil milhões de
dólares há dez dias com o CDS.
E também houve a participação de advogados em Nova Iorque
que se especializaram em aconselhar bancos e governo e que também
receberam os seus intermediários na corrupção".
É evidente que Correa efectuou pelo menos até certo ponto
a "Revolução do Cidadão", que anunciou
quando chegou ao poder. O presidente do Equador é o "golo na
própria baliza" do ocidente; apesar de ter sido formado em
universidades europeias e americanas algumas delas bastiões da
Escola de Chicago quando chegou ao poder, pôs em prática
exactamente o oposto do que lhe tinham ensinado. Mas actualmente é alvo
de críticas até da esquerda, com a acusação de que
não percorreu o caminho todo.
Tem conhecimento de algum avanço do presidente Correa quanto à
abolição da divida ilegítima?, perguntei a Eric Toussaint.
"No caso do Equador, teve 100% de êxito. Encontrei-me com o
presidente do Equador em Janeiro de 2011, dois anos depois do trabalho da
Comissão de Auditoria. Ele disse-me que tinha tido 100% de êxito
porque não tinha havido absolutamente nenhuma retaliação
contra o Equador. E estava a pensar em suspender outras partes do pagamento da
dívida externa. Veremos o que é que ele vai fazer".
Há críticos que dizem que o Equador não percorreu o
caminho todo, que não continuou com a auditoria da dívida com
base em conclusões mais recentes da Comissão
"Na altura estavam isolados, por isso é natural. Mas podiam ter
feito mais e sabem disso. Portanto continuam a pensar noutras partes do
pagamento da dívida".
Mas, entretanto, o Equador toma emprestado da China, a
taxas de juro altas.
"Há determinados acordos entre o Equador e a China, para
petróleo e exploração de petróleo e recebem
empréstimos de algum dinheiro de empresas da China",
Eric Toussaint diz que não é representante da presidência
do Equador e que apenas aprova as decisões políticas positivas e
critica as negativas.
A China tem sido o emprestador número um ao Equador após o
incumprimento em 2008. O Estado acordou um empréstimo de 2 mil
milhões de dólares com o Banco de Desenvolvimento da China. Mas
parece que as condições do empréstimo não reduziram
as despesas sociais: o Equador tem a percentagem mais alta em
relação ao PIB de despesas sociais (10%) de toda a
América Latina e Caraíbas.
Em que condições pode a Grécia seguir o exemplo do Equador?
"Há dois cenários. Se, após as
eleições, um governo conservador prosseguir a política da
Troika, é impossível imaginar que esse governo apoie uma
auditoria honesta. Esse é o primeiro cenário. O outro
cenário é se nas próximas eleições for
eleito um governo progressista de esquerda. E, se for um governo progressista,
democrático e soberano, revogará o acordo com a Troika e
então deve iniciar uma auditoria da dívida. Portanto, sim, neste
caso, será muito positivo. Um governo desses saberá como revelar
o que aconteceu realmente com a dívida grega. E, no primeiro
cenário, se continuarem com um governo que respeite o acordo com a
Troika, o que deve ser feito é uma Auditoria de Cidadãos,
totalmente independente do governo. Exprimo publicamente que em ambos os casos,
se as pessoas quiseram efectuar uma verdadeira auditoria de cidadãos
à dívida, apoiaremos essa opção. Seria
possível no primeiro cenário e, no segundo cenário, em que
um governo progressista suspenda o acordo com a Troika e queira auditar a
dívida, apoiaremos essa iniciativa com entusiasmo".
Supondo que a Grécia cancele uma parte da dívida
ilegítima, isso pode desencadear uma "revolução"
europeia contra a dívida?
"Se a Grécia fizer isso, vai haver muita gente em Portugal e em
Espanha e esperemos que na Irlanda e na Itália, que apoiará essa
decisão. E também terão apoiantes em países como a
França, a Alemanha, a Bélgica, o Reino Unido. Estamos activos
nesses países e temos uma campanha de solidariedade com a Grécia.
A nossa campanha recebe um apoio significativo. Não diria, na verdade
não seria realista dizê-lo, que em todos esses países as
pessoas compreendam já o que está de facto a acontecer. Mas
há uma parte significativa da opinião pública que entende
que as condições impostas à população grega
são totalmente inaceitáveis, enquanto muita gente noutros
países europeus está à espera de ver o povo grego aparecer
como exemplo de um país que reconquistou a sua soberania e ser assim uma
inspiração para uma força alternativa na Europa".
Com esta perspectiva, concluímos a nossa conversa com Eric Toussaint. As
suas últimas frases mantiveram-se muito tempo no meu espírito: a
Grécia poderá liderar a saída da "longa noite
neoliberal" da Europa?
"Vou fazer uma proposta irrecusável" foi a famosa frase do
"Padrinho" Marlon Brando no conhecido filme. Do mesmo modo, segundo
parece, a Grécia está a ser vítima de chantagem para
cumprir o Memorando. Mas a chave para entender a posição da elite
internacional contra o país reside nas palavras do juiz para com os
membros da Mafia nesse mesmo filme: "A maçã podre pode
deteriorar todo o cesto"
De acordo com o exemplo da 'maçã podre' (que Noam Chomsky
usou tantas vezes), a razão por que os EUA castigaram Cuba não
foi por Fidel Castro ser uma verdadeira ameaça para eles. O seu
principal receio era que a 'maçã podre' o líder
cubano pudesse inspirar outros e criarem um efeito de dominó que
'apodrecesse' o cesto todo. Com efeito, à medida que subia a
'maré vermelha' de líderes apostados em terminar com o 'Consenso
de Washington', Washington vivia o seu pior pesadelo.
No caso da Grécia, se a "cobaia ocupar o laboratório'
como diz Costas Douzinas , se a Grécia anular a política da
Troika e provar que as democracias não têm becos sem saída,
e não existem soluções únicas, a Europa pode
avançar para a democracia. Neste caso, claro, as 'maçãs'
não apodrecerão. Apenas amadurecerão
15/Junho/2012
[1] Esta entrevista foi concedida antes das eleições gregas de
17/Junho.
O original encontra-se na revista grega
Crash,
número de Junho, a versão em inglês em
http://www.cadtm.org/Eric-Toussaint-You-can-cancel-the
. Tradução de Margarida Ferreira.
Esta entrevista encontra-se em
http://resistir.info/
.