As "lições da Grécia" que eles tiram
por Juan Torres López
[*]
O governador do Banco de Espanha voltou a intervir na vida pública,
fazendo gala de que é uma das grandes figuras da política
espanhola e não um simples técnico como ele e os seus colegas
dizem de si próprios. E fê-lo também, mais uma vez,
defendendo as posições patronais e dos grandes bancos e grupos
financeiros a que serve. Mostrando igualmente que nem ele nem a
instituição que governa são independentes como diz o seu
estatuto.
Agora afirma que há que "extrair lições da
Grécia". Uma recomendação muito sensata que todos
deveríamos seguir se não fosse porque as lições que
ele extrai são do mesmo tipo das que extrai de qualquer
circunstância que seja, chova ou faça sol.
O governador não diz que é preciso tirar lições da
política dos governos conservadores que levaram a Grécia à
ruína. Uma política que é a mesma que a sua
instituição defende.
O governador não recomenda que retiremos lições da
especulação que engordou às custas da economia grega nos
últimos meses através de fundos especulativos que não
procuram saneá-la nem dar-lhe mais estabilidade e sim ganhar milhares de
milhões ainda que seja ao custo de tudo explodir.
O governador não tem que aprender nem recomenda aos demais que aprendam
a controlar os bancos para que não voltem a provocar a crise que obrigou
os governos de meio mundo, entre eles o grego, a terem de endividar-se
até as sobrancelhas enriquecendo assim a banca privada que provocou a
crise.
O governador não recomenda que retiremos lições do mau
funcionamento da zona euro, da falta de coordenação
política ou da ausência de instituições e mecanismos
que permitam fazer frente aos desequilíbrios que, como no caso grego, se
podem verificar.
O governador não tira conclusões da falta de controle dos bancos
que roubaram o povo grego, ou da cumplicidade do Banco Central Europeu com os
banqueiros que enriqueceram ocultando os números do défice grego.
O governador tão pouco extrai lições da cegueira dos
supervisores que como ele não apreciaram o que ia acontecer apesar de
serem tão prontos a autoproclamarem-se depositários da verdade e
de terem à sua disposição meios privilegiados para
acompanhar a conjuntura económica.
O governador não tira lições da borbulha
imobiliária e financeira que banco centrais como o seu deixaram que se
expandisse.
O governador não nos diz para tirarmos lições da deriva
regressiva das políticas fiscais dos últimos anos.
O governador não extrai lições do incremento da
desigualdade dos últimos tempos, nem o preocupa que a poupança se
tenha estado a dirigir para a especulação.
O governador não extrai lições do que estão a fazer
os bancos com o dinheiro público em lugar de utilizá-lo
para financiar a economia usam-no simplesmente para melhorar os seus resultados
e repartir dividendos multimilionários aos seus accionistas.
O governador não extrai lições do que acontece quando os
mercados se debilitam pela precariedade no emprego e pelos baixos
salários.
O governador não tira conclusões do facto de que os bancos
multiplicam artificialmente a dívida graças ao sistema de
reservas fraccionárias que produz instabilidade permanente e as crises
financeiras recorrentes.
O governador não tem nada a aprender do facto evidente de que a plena
liberdade de movimentos de capital está gerando a etapa de maior e mais
daninha instabilidade financeira da história.
O governador não extrai lições da opacidade em que actuam
os bancos e os grandes financeiros e de a sua própria
instituições ocultar a situação real dos bancos
espanhóis, enganando a cidadania.
O governador não extrai lições dos problemas colocados
pela cada vez maior concentração do poder financeiro e da banca e
dispõe-se a entregar numa bandeja aos banqueiros espanhóis parte
do mercado que até agora era controlada pelas caixas económicas.
O governador olha para outro lado e não é capaz de extrair
lição alguma do que implica não dispor de banca
pública e deixar o financiamento imprescindível da vida
económica nas mãos dos bancos privados.
Não. De nada disto extrai lição alguma o governador.
As lições que segundo ele é preciso extrair do caso grego
é que na Espanha devem-se rebaixar os direitos sociais reduzindo a
despesa pública, e os direitos e salários dos trabalhadores
reformando as leis que regulam o mercado de trabalho.
Essa é a única lição que segundo o governador do
Banco de Espanha, assim como segundo o patronato e os banqueiros, os
espanhóis devem aprender.
Uma lição falsa com a qual consumam um vergonhoso engano dos
cidadãos porque ocultam à cidadania que o se passou ou o que se
passe com as contas do Estado ou no mercado de trabalho não é
causa e sim efeito do ocorrido no sector financeiro e no mercado de bens e que
portanto é nestes espaços que se deve actuar. Concretamente,
reduzindo os direitos, os privilégios e o poder dos financeiros, dos
banqueiros e do grande patronato e não dos trabalhadores.
Conseguirão o que se propõem se a cidadania não se
mobiliza os enfrenta com decisão. Mas eu não perco a
esperança de que assim seja e de que, na Grécia, aqui e em toda a
parte, algum dia se ponha em evidência o latrocínio que os
banqueiros estão a levar a cabo e a cumplicidade vergonhosa destes
funcionários que em vez de servir do Estado e os cidadãos
trabalham ao seu serviço.
[*]
Professor Catedrático da Universidade de Sevilha, coordenador de
www.altereconomia.org
O original encontra-se em
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Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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