Grécia: o caminho é e não é sempre em frente
Dentro de alguns dias a Grécia vai a votos. O que podemos esperar?
É anunciada a vitória do Syriza, isto é da franja mais
radical da Social-Democracia grega que a pulso toma o lugar do Pasok e
recompõe as forças de governação da esquerda do
sistema (capitalista). Não é portanto de espantar que tenha vindo
a lume que uma antiga ministra da economia do Pasok (sim, de um governo
Papandreu) se tenha aliado ao Syriza. São pormenores, mas são
pormenores que contam: esta última foi a responsável pelo primeiro
plano de austeridade (de 2009 se não estou em erro).
O que esperar desta social-democracia recomposta? É difícil
antever algo mais que capitulação face aos fundamentos
ideológicos que regem a Europa. Membro do Partido de Esquerda Europeu o
Syriza tem vindo a demonstrar uma hostilidade crescente para com o KKE (Partido
Comunista Grego) e para com as forças progressistas que procuram fazer
frente às forças do capital europeu e grego. Poderão
objectar que não: que esta esquerda dita radical está apostada em
defender os interesses dos trabalhadores e do povo grego, que as
esperanças depositadas num governo do Syriza são justificadas e
que a política será necessariamente anti-austeridade e
anti-troika. A questão que se impõe então é
até onde estão prontos a ir?
A dúvida legítima impõe-se, ela também: será
que um partido como o Syriza, que apoia os fundamentos desta
construção europeia, a mesma construção que
permitiu o ascendente do capital europeu, a consequente repressão e
austeridade que a classe trabalhadora e os povos hoje sofrem, terá como
prioridade fundamental os interesses mais profundos da classe trabalhadora, ou
capitulará perante os fundamentos da construção com a qual
está (e quer estar) comprometido? Basta pensar que a não
rejeição do
MEE
[1]
manieta a política económica e financeira de qualquer governo
grego, basta lembrar que as formações que compõem o Syriza
apoiam o tratado de Maastricht, etc
As prioridades parecem estar bem estabelecidas se atendermos à
hostilidade desta formação para com o KKE e à proximidade
crescente que vai ganhando com a burguesia (grande) grega. A vontade de formar
um governo verdadeiramente patriótico e progressista não parece
ser uma realidade (até pelo presente envenenado que lançou na
direcção do seu pretenso aliado).
Querer salvar a Europa é tão megalómano como
abstractamente bonito, mas a questão é: Salvar a Europa para
quem? Uma crítica cuidada da construção europeia leva
à conclusão de que quando a social-democracia grega diz querer
salvar a Europa o que está realmente a dizer é que quer salvar o
sistema do capitalismo europeu tal como o conhecemos. Este processo de
salvamento reveste-se, é sabido, tanto de ganhos pontuais
para os trabalhadores (que, enquadrados devidamente, nunca são de
desprezar) como de ganhos estruturais para os capitalistas. Em última a
análise estarão dispostos a sacrificar os interesses dos
trabalhadores gregos para salvar a Europa (isto é o sistema
do capitalismo).
A verdade é que politicamente o Syriza concorre para salvar o sistema
capitalista (em geral, mas também na sua declinação
particular actual a aliança da burguesia grega com a burguesia
europeia). A questão que sobra é: quanto tempo até o povo
grego ver deitadas por terra as suas ilusões de uma
superação peremptória da actual situação
política e económica? Assim, as eleições de domingo
17 de Junho não serão uma solução concreta, elas
são apenas mais uma etapa na luta do povo grego.
Passemos ao KKE, partido que tem sido alvo da fúria de toda a burguesia
europeia, da calúnia de todos os meios de comunicação, e
do desdém de todo e qualquer intelectual pequeno-burguês encantado
com a perspectiva auto-ilusória de uma reforma (isto é de que
tudo mude para que no fundo os fundamentos e o rumo concreto não mude).
O porquê de tais reacções é facilmente
explicável pela influência deste junto da classe trabalhadora
grega e pelo seu já heróico papel na resistência face
às actuais políticas. A unidade é, e será
certamente, a tarefa que se impõe neste momento ao KKE, trazer à
unidade o que puder ser trazido e combater aquilo que fizer frente aos
interesses profundos dos trabalhadores gregos respondendo concretamente aos
desafios que das novas realidades que se lhe vão abrindo a cada momento.
Sem ganhar a confiança dos trabalhadores e do povo grego, sem que estes
vejam nele uma formação responsável capaz de caminhar ao
lado da classe trabalhadora e de elevar a sua consciência, sem o
esforço profundo de construção de tal unidade nenhuma
solução é possível. Os comunistas gregos
terão de estar à altura da complexidade dos acontecimentos. Os
meandros da táctica podem facilmente fazer ruir a estratégia.
Mais do que ninguém estes estarão consciente dos problemas e das
condições concretas das tarefas que se lhes apresentam e
não nos cabe prescrever receitas abstractas e polidas para a sua luta.
Se a táctica é questionável a estratégia é
firme e a solidariedade é um dever. De uma coisa podemos ter a certeza:
nenhuma solução transformadora é possível para a
Grécia sem o KKE, tão simplesmente porque nenhuma
solução é possível fora da luta de massas. Ser
solidário também é confiar que os comunistas gregos
encontrarão o seu caminho e imprimirão à sua luta a
direcção necessária para a superação da
actual crise.
05/Junho/2012
[1] MEE:
Mecanismo Europeu de Estabilidade
[*]
Um dos organizadores do
Congresso Marx em Maio
O original encontra-se em
olhequenao.wordpress.com/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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