Qualquer semelhança com o BE português não será
coincidência
O que é "a Esquerda"? Dez observações
por Antonis
1. Na Grécia, "a Esquerda" existe desde 1951, desde a
fundação naquele ano da Esquerda Democrática Unida (EDA).
Como categoria do pensamento político, no período anterior a 1950
não tinha significado no país. O "anarquismo" era muito
mais importante como descritor da ideologia nos princípios do movimento
operário grego do que "a Esquerda" sem mencionar o
significado, para uma política anti-burguesa, de expressões como
"Bolchevismo" e "Terceira Internacional". Estruturalmente,
a condição prévia para o nascimento de "a
Esquerda" era a auto-censura da designação de um sector da
população como "comunista" em consequência do
terror de Estado. "A Esquerda" nasceu sob condições de
repressão estatal, como uma troca de nomes defensiva, como uma
pseudo-denominação com objectivos de auto-protecção.
2. A derrota do Exército Democrático da Grécia (EDG), em
combinação com o terror de estado e a repressão,
também criaram as condições prévias para a
pseudo-categoria de "a Esquerda" (como uma abstracção
nominalista, ao invés de um designador concreto de uma tendência
dentro
de um partido socialista de trabalhadores uma utilização
com uma genealogia inteiramente diferente) adquirir o seu próprio
significado substantivo. Ela criou, para dizer mais simplesmente, a
possibilidade de uma secção dos comunistas fazerem
realmente
(e não apenas superficialmente) a transição para a
"ideologia democrática", a qual nas condições da
inabalável dominação capitalista significa necessariamente
a transição para o lado da democracia burguesa. "A
Esquerda" é o resultado da efectiva rendição de uma
secção dos comunistas ao vitorioso estado burguês.
3. Economicamente falando, "a Esquerda" significa a
reivindicação de "uma distribuição da riqueza
mais justa", ou do "produto social". Ela
nunca
significa a luta para mudar o modo de produção, nunca a
mudança de relações produção, nunca a
socialização dos meios de produção. Já em
1875, Karl Marx mostrava, no seu
Crítica do programa de Gotha,
quão contraditório é o próprio conceito de uma
"justa distribuição" da riqueza dentro do capitalismo.
O cultivo da ilusão de que as apostas de "a Esquerda" eram
porventura algo mais do que esta vaga reivindicação de uma
"distribuição mais justa" era um tanto activado pela
coexistência compulsória, sob o regime de terror de estado da
década de 1950, de sociais-democratas e comunistas. Esta
coexistência foi utilizada para promover confusão e gerar placebos
agradáveis para um movimento desarmado e derrotado.
4. Porque a suprema reivindicação de "a Esquerda"
é uma "distribuição mais justa" da riqueza
capitalista acumulada, a Esquerda por definição está do
lado da Reforma contra a Revolução.
5. Porque a crise financeira do capitalismo torna extremamente estreitas as
margens para satisfazer a reivindicação da
"distribuição mais justa", "a Esquerda"
não pode ter conteúdo económico que seja diferente daquele
dos partidos burgueses em tais períodos. Ela pode adquirir um tal
conteúdo só em períodos de desenvolvimento
económico das taxas de acumulação capitalistas, sempre sob
a condição prévia de que ela tenha na sua
perspicácia meios de exercer pressão de modo a que lhe seja
permitido aparecer como um "provedora" para a classe trabalhadora e
como um "negociadora" no seu interesse. Mas a subversão do
socialismo realmente existente significa que tais meios não existem,
tanto durante crises financeiras como durante período de desenvolvimento
capitalista. Consequentemente, não se pode esperar de "a
Esquerda" vir a obter um conteúdo económico que a diferencie
de qualquer formação política burguesa no futuro
próximo.
6. Dada a ausência de um conteúdo económico distinto na
categoria de "a Esquerda", tanto na Grécia como no exterior, a
palavra evoluiu, a partir das décadas de 1960 e 1970, para uma categoria
da
superestrutura
.
7. A primeira esfera fundamental dentro da qual "a Esquerda" obteve
um conteúdo foi a
estética
, em todas as suas formas. Por esta razão, hoje continua mais
fácil localizar a "Esquerda" no cinema, poesia, pintura,
imagística, retórica, do que num programa económico da
"Esquerda" que seja diferente da generalidade dos programas
económicos burgueses. Após a década de 1960, "a
Esquerda" tornou-se predominantemente uma
categoria estética
, uma proposta para uma estética.
8. A segunda esfera fundamental na qual "a Esquerda" obteve um
conteúdo, durante o mesmo período, e enquanto estava a ser
disseminada no terreno da estética, foram os "direitos
sociais", concebidos como direitos individuais baseados na
"diferença". Estes, inevitavelmente, são direitos que
pressupõem uma norma que eles simultaneamente questionam. Todos os
movimentos sociais de "a Esquerda" criados desde a década de
1950 são determinados por esta contradição entre o
não-questionamento da existência de uma norma a
aceitação da estabilidade e da sustentabilidade, efectivamente,
do modo de produção capitalista e o seu questionamento ao
nível ideológico e retórico, bem como a
contradição decorrente entre a rejeição da
normatividade
como tal
e o esforço para fazê-la mais "inclusiva" do que fora
no passado.
9. Em períodos de recessão, as vitórias dos "novos
movimentos sociais" não só desaparecem como revelam-se
miragens. Como não é possível qualquer desvio das
necessidades da acumulação capitalista, assim os "direitos
sociais" revelam-se serem destituídos de substância ou
absolutamente "seguros" para o sistema social, mesmo durante
períodos de repressão social. Esta é a era na qual o
casamento gay pode ser percebido como uma reivindicação muito
menos radical do que o direito a uma casa ou a cuidados médicos, porque
estes últimos têm um custo para o capital, ao passo que o primeiro
exige apenas um "ajustamento ideológico" no estado
burguês.
10. "A Esquerda" é o aspecto essencial e orgânico da
"Grande ilusão" de um importante sector dos estratos
médios e baixos. Estes estratos tiraram conclusões erradas quanto
à natureza do sistema capitalista ao limitarem suas
observações ao período no qual os ritmos de
desenvolvimento económico e a pressão tornada possível
pelo socialismo realmente existente permitiu que a reivindicação
de uma "distribuição mais justa do produto social"
tivesse algumas limitadas consequências práticas para a qualidade
da vida diária em sociedades ocidentais. Hoje, a única utilidade
de "a Esquerda" é promover a confusão quanto à
natureza real de uma categoria que historicamente é muito mais
importante e substantiva a Social-Democracia e assisti-la na
reprodução da elites intelectuais e tecnocráticas que a
utilizam para ganhar legitimidade popular, levando portanto à sua sempre
maior deslegitimação aos olhos de estratos populares, com todas
as graves consequências políticas que isto pode ter para a
conversão destas últimas à Reacção.
Não é preciso dizer que todo o debate, na Grécia e no
exterior, a respeito do que é "a Esquerda real" e de que
partido político "realmente" exprime algo
destituído de qualquer conteúdo económico real
é desorientador em termos definicionais. O único objectivo de um
tal debate é a perpetuação da paralisia política e
da impotência dos estratos sociais mais baixos.
15/Agosto/2015
O original encontra-se em
leninreloaded.blogspot.pt/2014/06/blog-post_6471.html
e a versão em inglês em
indefenseofgreekworkers.blogspot.pt/2015/08/what-is-left-ten-remarks.html#more
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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