Tudo indica que esta carnificina de Gaza, que segundo seus autores pretende
acabar com os terroristas, conseguira multiplicá-los. Desde 1948, os
palestinos vivem condenados à humilhação perpétua.
Não podem nem respirar sem autorização.
Perderam a sua pátria, as suas terras, a sua água, a sua
liberdade, perderam tudo. Nem sequer têm direito a eleger os seus
governantes.
Quando votam em quem não devem votar, são castigados. Gaza
está a ser castigada. Converteu-se numa ratoeira sem saída.
Algo semelhante ao que ocorreu em 1932, quando o Partido Comunista triunfou
nas eleições de El Salvador.
Banhados em sangue, os salvadorenhos expiram o seu mau comportamento e desde
então viveram submetidos a ditaduras militares. A democracia é
um luxo que nem todos merecem
São filhos da impotência os foguetes caseiros que os militantes do
Hamas, encurralados em Gaza, disparam com má pontaria sobre as terras
que haviam sido palestinas e que a ocupação israelense usurpou.
E o desespero, à margem da loucura suicida, é a mãe das
bravatas que negam o direito de Israel à existência, gritos sem
nenhuma eficácia, enquanto a muito eficaz guerra de extermínio
está a negar, desde há anos, o direito à existência
da Palestina.
Já pouca Palestina resta. Passo a passo, Israel está a
apagá-la do mapa. Os colonos invadem e atrás deles os soldados
vão corrigindo a fronteira. As balas sacralizam o roubo, em
legítima defesa. Não há guerra agressiva que não
diga ser guerra defensiva. Hitler invadiu a Polónia para evitar que a
Polónia invadisse a Alemanha. Bush invadiu o Iraque para evitar que o
Iraque invadisse o mundo. Em cada uma das suas guerra defensivas, Israel
devorou outro pedaço da Palestina, e os almoços prosseguem. A
devoração justifica-se pelos títulos de propriedade que a
Bíblia concedeu, pelos dois mil anos de perseguição que o
povo judeu sofreu e pelo pânico que geram os palestinos à espreita.
Israel é o país que jamais cumpre as recomendações
nem as resoluções das Nações Unidas, o que nunca
acata as sentenças dos tribunais internacionais, o que se burla das leis
internacionais, e é também o único país que
legalizou a tortura de prisioneiros. Quem lhe deu o direito de negar todos os
direitos? De onde vem a impunidade com que Israel está a executar a
matança de Gaza? O governo espanhol não terá podido
bombardear impunemente o País Vasco para acabar com a ETA, nem o governo
britânico terá podido arrasar a Irlanda para liquidar o IRA.
Acaso a tragédia do Holocausto implica uma apólice de eterna
impunidade? Ou esse sinal verde provém da potência mandona que
tem em Israel o mais incondicional dos seus vassalos?
O exército israelense, o de armamento mais moderno e refinado do mundo,
sabe a quem mata. Não mata por erro. Mata por horror. As
vítimas civis chamam-se danos colaterais, conforme o dicionário
de outras guerras imperiais. Em Gaza, de cada dez danos colaterais, três
são crianças. E somam milhares os mutilados, vítimas da
tecnologia do esquartejamento humano, que a indústria militar
está a ensaiar com êxito nesta operação de limpeza
étnica.
E como sempre, sempre o mesmo: em Gaza, cem a um. Por cada cem palestinos
mortos, um israelense.
Gente perigosa, adverte o outro bombardeamento, a cargo dos meios
maciços de manipulação, que nos convidam a acreditar que
uma vida israelense vale tanto como cem vidas palestinas. E esses meios
também nos convidam a acreditar que são humanitárias as
duzentas bombas atómicas de Israel, e que uma potência nuclear
chamada Irão foi a que aniquilou Hiroshima e Nagasaki.
A chamada comunidade internacional, existe? Será algo mais que um
clube de mercadores, banqueiros e guerreiros? Será algo mais que o nome
artístico que os Estados Unidos se põem quando fazem teatro?
Perante a tragédia de Gaza, a hipocrisia mundial brilha mais uma vez.
Como sempre, a indiferença, os discursos vazios, a
declarações ocas, as declarações altissonantes, as
posturas ambíguas rendem tributo à sagrada impunidade.
Perante a tragédia de Gaza, os países árabes lavam as
mãos. Como sempre. E como sempre, os países europeus esfregam
as mãos. A velha Europa, tão capaz de beleza e de perversidade,
derrama uma ou outra lágrima, enquanto secretamente celebra esta jogada
de mestre. Porque a caça de judeus foi sempre um costume europeu, mas
desde há meio século essa dívida histórica
está a ser cobrada aos palestinos, que também são semitas
e que nunca foram, nem são, anti-semitas. Eles estão a pagar, em
sangue contante a sonante, uma conta alheia.
(Este artigo é dedicado aos meus amigos judeus assassinados pelas
ditaduras latino-americanas que Israel assessorou).
O original encontra-se no semanário
Brecha,
do Uruguai, e em
http://www.resumenlatinoamericano.org
, Nº 1159
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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