França acelera ratificação do MEE

por Rudo de Ruijter [*]

No dia 2 de Fevereiro de 2012 a nova versão do Tratado do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) foi assinada pelos representantes legais (Embaixadores do Comité dos Representantes Permanentes, CoRePer) dos 17 países da zona euro. [1]

Anteriormente Alain Juppé havia apresentado um projecto de lei com tramitação acelerada para fazer com que o tratado fosse ratificado pela Assembleia Nacional [2] .

Em França, a sessão de ratificação está prevista para 21 de Fevereiro de 2012.

Fim do poder supremo do parlamento

Como tenho denunciado nos meus artigos sobre o MEE, este tratado põe fim à soberania nacional dos países membros e reduz de modo significativo o poder dos parlamentos nacionais, em particular o seu poder supremo, o de decidir acerca do orçamento dos seus respectivos países. O tratado que será associado ao MEE reduzirá ainda mais as possibilidades dos governos nacionais para gerirem seus países e enfrentarem os problemas.

Comprometer-se financeiramente sem conhecer as condições

Se os países da zona euro ratificarem o tratado do MEE [3] , eles comprometem-se com contribuições financeiras. Contudo, não poderão beneficiar das contrapartidas pois estas serão condicionadas por um outro tratado que não é ainda definitivo (e portanto não está assinado e nem ratificado). Curioso? Sim. Esta contribuição financeira não é de pequeno montante. Com os números actuais tratar-se-ia, no arranque, de um montante quase comparável aos impostos sobre os rendimentos anuais. Este montante é devido em cinco fatias anuais. Mas já está previsto que só alguns dias após a ratificação francesa, no mês de Março, é que as necessidades financeiras para o MEE venham a ser reavaliadas. Montantes várias vezes superiores já foram anunciados.

Procedimento acelerado, informação incompleta

Devido à tramitação acelerada há todas as razões para temer que os deputados não tenham tempo suficiente para tomarem conhecimento de algumas informações essenciais, que lhes são escondidas.

Em particular, pode-se temer que a maior parte dos deputados continue a ignorar:

1. Que o euro não pode funcionar numa zona tão heterogénea:

Eis a razão:

Nada impede os consumidores nos países de fraca produtividade de preferirem produtos melhores e mais baratos vindos de países com produtividade mais alta. Isto implica um fluxo permanente de euros dos países fracos para os países fortes. Segue-se que aos países fracos faltam euros permanentemente e têm de tomar emprestado sempre mais para poderem dispor dessa moeda. (Antes do euro, estes países podiam desvalorizar a sua moeda de modo a tornar os produtos de importação mais caros para os seus habitantes e tornar os produtos de exportação mais baratos para os compradores estrangeiros. Isto travava as importações, aumentava as exportações e restabelecia a produtividade do país).

Na zona euro os países participantes têm excessivas diferenças nas condições que determinam a produtividade, como por exemplo o clima local, a situação geográfica, a fertilidade do solo, o volume de água doce disponível, a presença ou não de fontes de energia, as distâncias a percorrer e as dificuldades de transporte. Estas condições determinam em grande medida o fracasso ou o êxito de actividades económicas. A Grécia, a Itália, a Espanha e Portugal (para não mencionar senão alguns) jamais se assemelharão à Alemanha.

Além disso, o Banco Central Europeu dispõe de uma única taxa de juros para 17 economias diferentes. Uma mudança desta taxa, a qual sempre foi dito que é importante para orientar a economia, não pode senão beneficiar alguns países ao passo que os demais deverão sofrer as consequências. Monetariamente esta zona não é administrável.
2. Que o método dos "fundos de socorre", que consiste em sobrecarregar com mais dívidas países que já têm demasiado, não tem sentido.

Os projectos que os prestamistas financiam não beneficiam a população nos "países beneficiários". Estes projectos geralmente são executados por empresas estrangeiras, que muitas vezes vêm com o seu próprio pessoal. O dinheiro não chega a entrar nestes países, mas vais para estas empresas estrangeiras. E como o dinheiro não é gasto neste países, eles não dispõem do mesmo e portanto não o poderão reembolsar. De facto, os países "beneficiários" apenas imergem mais em dívidas.
3. Que o MEE, enquanto tratado internacional, tem prioridade sobre a legislação nacional, o que quer dizer, em particular, que o parlamento não dispõe de um direito de veto aquando dos aumentos de capital do MEE.

Convém ler muito cuidadosamente o artigo 10, que é redigido de tal modo que um ignorante pode acreditar que os "procedimentos nacionais aplicáveis" significam um direito de veto. Contudo, mesmo se fosse este o caso, não aceitar os aumentos do capital do MEE significaria sair do MEE e por definição sair do euro, e por definição sair da União Europeia. (Bruxelas, na sua insolência, amarrou todos os tratados juntos para dar medo de dizer não. O General De Gaulle já não está aí, então quem ousa?
4. Que os cortes orçamentais destroem inutilmente a economia e as conquistas sociais.

A disciplina orçamental nada tem a ver com uma necessidade qualquer de cada país tomado individualmente. Nenhum dos países membros da zona euro tinha problemas inultrapassáveis no momento da sua adopção do euro, apesar das ultrapassagens orçamentais e apesar das suas dívidas.

Em todos os estados membros o governo está na base de muita actividade económica. Os cortes orçamentais reduzem esta actividade e põem as pessoas no desemprego. Aparentemente, estas cabeças da Troika pensam que miraculosamente estes desempregados encontrarão um emprego mais produtivo. Ao contrário, o mais previsível será ter de sustentar milhões de pessoas na penúria com uma população activa cada vez mais reduzia. A eles virão acrescentar-se os expatriados dos outros países em dificuldade, que esperam encontrar um emprego – mesmo mal pago – nos países considerados mais ricos.
5. Que existe uma solução dá enormes resultados...

Você conhece a alternativa, que consiste em retornar ao escudo de antigamente. É uma possibilidade. Como a criação de escudos não custa quase nada e como são trocados por todos os euros em circulação no país, isso faz um lindo bolo de euros. Aquela história de que deixar o euro custo caro é arqui-falsa. Passa-se o mesmo quanto àquelas histórias assustadoras de que a cooperação europeia seria interrompida se se deixasse o euro.

Reintroduzir o escudo é um bom passo. Mas se se quiser evitar que as crises financeiras continuem a devastar a nossa sociedade, será preciso ir um pouco mais longe. A causa profunda destas derrapagens do mundo financeiro é o crescimento desmesurado e exponencial da massa de dinheiro. Ele é provocado pela multiplicação do dinheiro pelos bancos privados. Os bancos privados criam dinheiro sob forma de haveres cada vez que emitem empréstimos. E quanto mais eles emitem empréstimos, mais ganham em juros.

A solução portanto é criar um Banco Central do Estado (não convirá chamá-lo BCE, mas sim Banco do Estado Português), que será o único habilitado a criar dinheiro. (Este é o modo como a maioria das pessoas pensa que isso funciona mas, ai de nós, actualmente não é o caso). Neste novo sistema, os bancos privados actuais não terão o direito de criar dinheiro a partir do nada e poderiam – se quisessem – tornar-se guichets do Banco do Estado. Eles não receberiam mais juros mas, em seu lugar, uma compensação pelos seus serviços. Se eles aceitarem, os utilizadores poderiam mesmo manter as suas contas actuais.

Para uma explicação fácil, leia o artigo Das dívidas de Estado à moeda de Estado .
Parlamentares sob pressão

Normalmente os representantes do povo devem poder votar livremente e sem serem postos sob pressão. Se se analisar as informações muito subjectivas e alarmistas que lhes são dadas e o pouco tempo que lhe é deixado para se informarem mais correctamente, há um risco evidente de que o voto de 21 de Fevereiro de 2012 não respeite nem a ética nem as regras democráticas. Passa-se o mesmo quanto à ausência de referendo para saber a opinião do povo sobre a transferência de soberania para o MEE.

E se se recusar o MEE?

Se nossos representantes recusarem o MEE, devemos deixar o euro. Será que se perderão mercados? Não, ao contrário, o país torna-se mais competitivo sem os custos desmesurados do euro. Será que isso põe fim à cooperação europeia? Certamente que não, a Europa não pode dispensar-se de uma forma de cooperação e isso continuará, qualquer que seja a moeda destes membros.

Viva a Europa

Se a Europa quer ser uma comunidade de pessoas que trabalham junto respeitando as diferenças de cada um, ela não deverá deixar o mundo financeiro desviar suas aspirações. Não aceitaremos uma ditadura bruxelense, nem sob o pretexto de que é preciso salvar o euro, nem sob o pretexto de que é preciso salvar os bancos, nem sob qualquer pretexto que seja.
13/Fevereiro/2012
Referências:

[1] Texto do novo Tratado do MEE (de 2/Fevereiro/2012)
http://www.european-council.europa.eu/media/582898/11-tesm2.pt12.pdf
video de 3'51'': http://www.youtube.com/watch?v=EIHC34exwZ4

[2]. Projecto de lei de Alain Juppé em tramitação acelerada para a ratificação francesa do tratado.
http://www.assemblee-nationale.fr/13/projets/pl4336.asp

[3] Segundo o artigo 48 do tratado não há necessidade de que todos os países membros o ratifiquem. Basta que aqueles que detêm o conjunto de 90% das subscrições do capital declarem-se de acordo. O número de subscrições por país está na tabela II sob o texto do tratado. (Eles portanto já consideraram a eventualidade de a Grécia e/ou outro país pequeno deixarem o euro ou recusarem-se a aceitar).

[4] www.consilium.europa.eu/uedocs/cms_data/docs/pressdata/en/ec/127633.pdf (Não mais disponível? Cópia aqui )

Ver também:
  • Assinado o Tratado que cria o Mecanismo Europeu de Estabilidade
  • Ficha informativa sobre o Tratado MEE (explica as principais alterações entre o Tratado inicial e o Tratado alterado, pdf)
  • Tratado sobre a Estabilidade, a Coordenação e a Governação , 31/Jan/2012
  • Governação económica em gráficos (páginas web da Comissão)
  • MEE, o novo ditador europeu , 16/Out/2011
  • MEE, um golpe de estado em 17 países , 22/Out/2011.
  • Voto N.º 84/XI (2.ª) de saudação ao reforço da coordenação de políticas económicas na UE e à criação de uma agência europeia de dívida , Diário da Assembleia da República, II série B, 18/Dezembro/2010

    [*] Investigador independente, courtfool@orange.nl

    O original encontra-se em http://www.courtfool.info/fr_MES_Ratification_acceleree_en_France.htm


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
  • 15/Fev/12