O "tributo da estabilidade" de Chipre: Outro triste eufemismo
por Yanis Varoufakis
Chamaram-no de "tributo de estabilidade
("stability levy"),
quando queriam dizer um imposto sobre depositantes cipriotas de modo a
pouparem possuidores de títulos do governo de Chipre (incluindo hedge
funds que agora estão a fazer uma festa) bem como a minimizar perdas
potenciais a longo prazo dos contribuintes europeus. Com efeito, confrontada
com a perspectiva de emprestar a Chipre uma soma igual ao seu PIB, assim como
de salvar os seus bancos em estilo irlandês, a Eurozona retraiu-se. Eles
perceberam, após a Grécia e após a Irlanda, que alguma
coisa tinha de ceder (para além de condições
mínimas de trabalho e disposições de bem-estar social de
pessoas comuns) a fim de minimizar a dimensão do empréstimo
agregado. E escolheram atingir depositantes, a uma taxa de 9,9% se os seus
depósito excederem 100 mil euros e de 6,75% para depósitos
menores.
O espantoso é que, apesar de os povos da Europa estão doentes e
cansados das desigualdades brutais e da regressividade dos salvamentos
alimentados pela austeridade, eles não estabeleceram um patamar abaixo
do qual os depositantes mais pobres não seriam afectados. E que tenham
deixado incólumes os accionistas dos bancos (embora a somas envolvidas
nestes títulos fossem pequenas, foi absolutamente imoral pouparem-nos).
Não tenho dúvida de que esta decisão nos/os
assombrará durante décadas.
O acordo de Chipre, embora melhor do que impor (estilo Grécia/Irlanda)
todo o fardo por bem ou por mal sobre os contribuintes, é altamente
desestabilizador no médio prazo. A noção de que
alguém sacrifica depositantes de Chipre a fim de salvar os depositantes,
digamos, na Espanha, é de venda questionável. Além disso,
apesar da redução na nova dívida de Chipre (comprada pelo
saque de depositantes), seu ciclo de dívida recessiva prosseguirá
com crescente ferocidade quando as cadeias da austeridade (com as quais o
salvamento vem acompanhado) começarem a morder.
A Europa parece ter aprendido apenas parcialmente lições da
Grécia e da Irlanda. Os líderes da Europa pelo menos entenderam
que não podem empilhar um empréstimo gigantesco sobre uma
entidade insolvente (isto é, um estado insolvente que está
interligado a um sector bancário insolvente) e espera, através da
austeridade, estabilizar sua espiral de dívida deflacionária.
Alguns cortes
(haircuts)
são necessários (embora nunca suficientes) à partida. O
que eles não entendem é que limitar a dimensão do
empréstimo de salvamento é insuficiente para impedir a queda
livre, ainda que isto compre algum tempo extra no curto prazo. Terão de
aprender isso pelo caminho difícil nos próximos meses.
Em suma, a recente decisão sobre Chipre é um pouco melhor do que
aquela que foi imposta à Grécia, Irlanda e Portugal no sentido de
que a Europa tomou alguns passos (ainda que injustos e ineficientes) para
reduzir a dimensão do empréstimo. Contudo, ao permanecer em
negação da verdadeira causas da instabilidade da Eurozona (e de
Chipre) e ao recorrer a eufemismos envolvendo a palavra
"estabilidade" eles estão a dar à Crise uma outra volta
viciosa.
Postscript
A última vez que a Europa apelou à "estabilidade" numa
das suas decisões em cimeira foi quando criou o Mecanismo Europeu de
Estabilidade (MEE). Ele demonstrou-se tudo excepto estabilizador (pois sem o
BCE do sr. Draghi e suas intervenções LTRO-OMT, hoje não
haveria Eurozona). Agora temos um tributo de "estabilidade" em
Chipre. O seu efeito demonstrar-se-á igualmente desestabilizador no
médio prazo. Já é tempo de adoptarmos um outro olhar para
a estabilidade na Eurozona e assim fazer em termos de um olhar mais atento ao
MEE e de como ele deveria ser reconfigurado. Minha próxima mensagem
tratará do MEE e como colocar dentro dele, pela primeira vez, o
"E" para a estabilidade genuína!
17/Março/2013
Ver também:
http://auditoriacidada.info/article/o-impossível-acontece
O original encontra-se em
yanisvaroufakis.eu/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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