O novo Plano A da Alemanha:
Amputar a Grécia e Portugal, cauterizar e imprimir dinheiro
por Yannis Varoufakis
Enquanto a Grécia ardia e o parlamento da República
Helénica hipocritamente aceitava as condições de mais
um plano de ajustamento fiscal cuja aplicação é
impossível, no distrito financeiro de
Frankfurt comentava-se acerca de um novo e excitante Plano A alemão.
[1]
Pela primeira vez desde há dois anos, desde o princípio da crise
do euro, os capitães das finanças da Alemanha eram vistos como
que a redescobrir uma nova jovialidade. O novo optimismo provém de um
Plano que tem como base um reconhecimento adiado há muito e duas
opções estratégicas:
A epifania retardada da Alemanha é que, sem um grande redesenho da
arquitectura euro, um número (>1) de estados membros da eurozona
estão irremediavelmente insolventes. Quanto às duas
opções estratégicas, a primeira é a
conclusão de Berlim de que os políticos alemães não
têm estômago, ou interesse, num redesenho estrutural do sistema
euro.
[2]
A segunda opção envolve uma aposta maciça na tentativa de
salvar a eurozona contraindo-a forçosamente e, ao mesmo tempo,
autorizando o BCE a imprimir milhões de milhões
(trillions)
de euros para cauterizar o que resta quando os estados destinados à
amputação forem cortados.
O pormenor ainda não "concluído" refere-se à
identidade dos países aos quais vai ser mostrada a porta de
saída. A opinião consensual em Frankfurt era de que a
Grécia e Portugal são certezas. Poucos exprimiram o ponto de
vista de que Portugal está demasiado próximo da Espanha para
poder cauterizar efectivamente enquanto outros estavam relutantes quanto
à opinião da maioria a sugerir que a Irlanda também possa
ser libertada. A minha impressão é que o pensamento actual
concorda quanto à Grécia e Portugal, com um ponto de
interrogação quanto à Irlanda.
Mas vamos ver um assunto de cada vez:
A epifania: É a insolvência, estúpido!
Admitindo que haja uma zona cinzenta a separar uma insolvência de um
problema de falta de liquidez, a negação da Europa desde
há dois anos de que a Grécia tem estado insolvente ficará
na história como o erro supremo (embora poderosamente motivado).
Não tinha de ser esse caminho. Se em Janeiro de 2010 houvesse sido
concedido à Grécia um alívio da dívida (da
espécie que é agora admitida como certa) e se a Europa se
houvesse centrado na desordem do seu sistema bancário (ao invés
de colocar todos os seus ovos no cesto da austeridade-mais-empréstimos),
as coisas poderiam ter sido muito diferentes. Mas não foi assim. Ao
invés disso, a Grécia foi forçada a sangrar 15% do PIB
enquanto assumia uma dívida adicional de 20% sobre os seus ombros
cansados. Isto selou o seu destino de uma vez por todas. Quanto às muito
debatidas reformas, o destino das mesmas também foi selado naquele
momento: nenhumas reformas podem ser efectuadas de modo significativo numa
economia social em implosão.
Recorde-se como, a princípio, a Alemanha estava a insistir em que
não haveria salvamento, nem reestruturação da
dívida, nem alívio da taxa de juro. Uma por uma estas vacas
sagradas foram sacrificadas. Então chegou a noção de
reduções da taxa de juro, de reestruturação da
dívida (eufemisticamente chamada PSI), mais empréstimos. Era
demasiado pouco, demasiado tarde. Quando esta sucessão de
"concessões" alemãs fracassou em deter o movimento
inexorável para a insolvência, poucos dias após a Cimeira
de Outubro de 2011 (onde o PSI mais recente e o salvamento Mk2 foram
acordados), a Alemanha deixou de negar que a Grécia podia ser obrigada a
sair do euro. Foi naquele ponto que a Alemanha começou igualmente a
apregoar que a Grécia é um caso especial. Hoje esta litania
também acabou: Portugal é silenciosamente colocado no mesmo cabaz
do "demasiado difícil". Talvez a Irlanda também, embora
isto seja um ponto em discussão: muitos dentro da elite alemã
insistem em que a Irlanda, embora também insolvente, pode ser mantida
dentro das fileiras como um prémio por ter "internalizado" a
"lógica" da austeridade mesmo antes de os poderes da Europa
serem impostos à Ilha Verde...
Com efeito, dois anos de remédios errados, venenosos, obrigaram os
países excedentários a um impasse. Ao invés de reavaliar
os remédios que causam a gangrena da eurozona, eles estão agora a
virar-se para o seu tratamento de última instância:
Amputação dos membros mais gravemente afectados, seguida da
cauterização administrada pelo BCE. A única questão
pendente, no que os preocupa, é quanto da eurozona amputar.
A cauterização e o trauma de Weimar
Meus interlocutores de Frankfurt, além de questionarem o realismo da
contenção após os eventos traumáticos que
certamente se seguiriam ao corte dos "membros gangrenados", admitiram
que a cauterização custaria milhões de milhões e
envolveria uma incessante impressão de dinheiro pelo BCE. Do seu ponto
de vista, o BCE teria de tentar: (a) manter a flutuar os bancos da
Itália, Espanha, França, Bélgica, Alemanha e Holanda, e
(b) suavizar para os países cortados o tortuoso caminho para o
esquecimento (pela manutenção de pelo menos alguns bancos
funcionais durante o tumulto que certamente se seguirá).
A parte notável deste novo consenso é mostrar que o medo da
Alemanha da inflação induzida pela impressão de dinheiro
se desvaneceu face à Crise do euro. Ou talvez que sempre tenha sido uma
miragem. Que o suposto trauma de Weimar nada tem realmente a ver com a oferta
monetária sair do controle, com efeito hiper-inflacionário, e
tudo a ver com uma inclinação para reter o máximo controle
sobre a política económica da eurozona. Pois se transpirar que
Berlim na verdade deu o sinal verde para o BCE imprimir milhões de
milhões como meio de cauteriza o tronco podado da eurozona, bem como
preservar num estado de animação suspensa países como a
Grécia e Portugal, é claro que a convicção
germânica de que uma injecção de dinheiro recém
impresso seria desastrosamente inflacionária nunca foi verdadeiramente
acreditada.
A chave para este novo Plano, e o optimismo que inspirou dentro da comunidade
financeira alemã, é duplo: Primeiro, mostra que a Alemanha
está certamente relutante em redesenhar a enviesada arquitectura da
eurozona, em vista da sua revelada preferência por, Deus proiba!,
inflação em relação à
instituição de um mecanismo de reciclagem do excedente mais uma
unificação do sistema bancário da eurozona. Em segundo
lugar, sugere que a Alemanha ainda não está pronta para descartar
a França.
Este segundo ponto é crucial. Minhas fontes alemãs reconheceram
que a França não está preparada para os estritos
padrões alemães como parceiro da união monetária.
Eles consideram que a França é um retardatário
crónico, uma economia orientada fundamentalmente para o défice,
um estado cuja ambição constantemente, e irritantemente,
ultrapassa o seu potencial. Mas sentem que há uma necessidade
política de dar à eurozona, isto é, ao eixo
franco-alemão, uma última oportunidade. A França,
portanto, ainda é tolerada. E à Espanha e à Itália
também será dada uma outra oportunidade, por cortesia das muitas
LTROs
[NT]
que eles tomam (isto é, montes de dinheiro impresso pelo BCE para
bancos ítalo-espanhóis).
Se conseguirem isso, esperam terem conseguido salvar o projecto político
europeu (o qual tentarão argumentar que está nos trilhos, com
promessas de que os países amputados são sempre bem vindos de
volta uma vez que tenham as suas casas em ordem) e impedir a queda
maciça nas exportações que seria inevitável se a
Alemanha afrouxasse a corda para todos os países excepto aqueles com
excedentes semelhantes.
Será que funciona? Três razões porque não
funcionará
Qualquer governo grego ou português ou irlandês que sirva os
interesses do seu povo se recusaria directamente a colaborar. A ideia de que
sair da eurozona é uma simples questão de desvalorizar
está completamente errada. Ela confunde a visão correcta de que a
Grécia, Portugal e Irlanda teriam estado melhor fora do euro com a
visão inteiramente diferente, e catastroficamente errada, de que sair
é a estratégia óptima. Neste sentido, nossos governos
não têm razão para concordar com a estratégia de
amputação da Alemanha. Mas por outro lado, o governo grego
não tem qualquer razão que seja para optar pelo acordo do
Salvamento Mk2 (e os grilhões que a ele vêm anexados) ao
invés de um simples incumprimento dentro da eurozona (o qual estive a
advogar, juntamente com Wolfgang Munchau). E contudo isso foi feito. Por que?
Porque os políticos da Periferia não têm nem o
estômago nem o interesse em desobedecer a ordens emitidas do Norte. Aqui
está uma matéria para historiadores e psicólogos. Por
agora, devemos tomar isso como facto certo, infelizmente. O que me leva
à triste conclusão de que, muito embora a Alemanha não
tenha qualquer meio para obrigar certos países a saírem da
eurozona, no momento em que primeiros-ministros gregos, portugueses ou
irlandeses receberem suas ordens de marcha começarão
imediatamente a andar para a saída da eurozona.
Mas será que isto funcionará para a Alemanha do modo que os
financeiros de Frankfurt agora esperam? Há pouca
dúvida de que a impressão maciça de dinheiro pelo BCE pode
criar circunstâncias que protegerão o traseiro da eurozona do
tumulto do sector bancário, a seguir a duas ou três
"saídas". Afinal de contas, os "mercados"
mantiveram-se firmes por 48 horas depois de o Lehman ter sido
"amputado". E então? Analogamente, o novo Plano A da Alemanha
está condenado. Há três razões para isso:
A primeira razão é que, no curto prazo, tal como no caso do
Lehman, os optimistas de Frankfurt estão a assumir que conhecem aquilo
que não é conhecível (assim como, antes de 2008, assumiam
que haviam criado o risco sem risco). As interconexões entre os bancos
portugueses com os de Espanha, e dos bancos gregos com os da França e
Alemanha, são daquela espécie que só verá a luz do
dia quando forem atingidos por desastres. E quando eles aparecerem em pleno
Technicolor a sua visão será terrífica.
A segunda razão é que a injecção maciça de
liquidez para dentro dos bancos italianos e espanhóis, sem mencionar os
franceses e alemães, operará como grandes doses de cortisona
injectadas num paciente canceroso. Elas causarão alívio
temporário mas, ao mesmo tempo, darão aos tumores subjacentes
tempo para crescerem e tornarem-se mais asquerosos, maiores e mais mortais. Em
suma, o sector bancário remanescente da eurozona tornar-se-á uma
versão monstruosa dos bancos zumbis do Japão da década de
1990, fermentando em massa a crise bancária seguinte e incorporando o
vírus da recessão por toda a parte, desde a Espanha à
Alemanha, desde a França à Itália.
A terceira razão é estrutural. As perturbações da
eurozona decorrem da falta de um sistema pan-europeu de supervisão dos
bancos, de administração da dívida pública e de
planeamento para o investimento agregado. Nenhum destes três elementos
constituintes da Crise será tratado se a Grécia, Portugal e
possivelmente a Irlanda forem amputados mesmo que as feridas sejam
efectivamente cauterizadas. Isto significa que na Manhã Seguinte, a
Itália será a próxima Grécia e a Espanha
será o novo Portugal. Os desequilíbrios internos da eurozona,
após uma breve calmaria, começarão a levantar outra vez as
suas horríveis cabeças e, em conjunto com os bancos zumbis e o
ambiente recessivo, não se passará muito tempo antes que uma
outra rodada de amputações se torne "inevitável".
Epilogo
Despistada por longo tempo, agora a Alemanha tem um Plano. De acordo com este
Novo Plano, alguns países com défice serão amputados a fim
de dar ao eixo franco-alemão uma oportunidade final. O preço que
a Alemanha está disposta a pagar por isto é o descartar da sua
rejeição "psicológica" de impressão
hiper-enérgica de dinheiro pelo BCE. Assim cauterizadas, as feridas em
supuração da Grécia e de outros cessarão de
ameaçar a eurozona ou dar lugar a sugestões para um redesenho
fundamental da união monetária.
Quando este Plano sairá das sombras e será discutido em
público? Após o sr. Sarkozy, em quem a sra. Merkel investiu
muito, vencer a eleição presidencial francesa, foi a resposta que
me deram. Então, a Alemanha "subitamente" perceberá que
as condições impossíveis que o governo grego pretendeu
aceitar não foram cumpridas. E então a bola
começará a rolar. Tragicamente, ela manter-se-á a rolar
bem depois do ponto desejado por Berlim e Frankfurt. Mesmo se o contágio
for inicialmente travado pelo Super Mario, as causas mais profundas das actuais
perturbações da eurozona continuarão a actuar sem
empecilhos e, ainda que demasiado tarde, a Alemanha perceberá que as
amputações devem prosseguir até que tudo o que resta
anexado à sua economia sejam os países excedentários.
Então, tal como agora aceitou a inflação como o
preço a pagar pela execução deste Novo Plano A, a Alemanha
aceitará a necessidade da deflação profunda, seguindo-se a
perda de mercados de exportação, que virá como parte
integrante do próximo Plano: de descartar a França.
Por que não fazem como eu e Munchau sugerimos, em alternativa? Porque
eles preferem isto a recapitalizar seus bancos e porque no fundo do
coração sabem que sem uma SRM
[NT]
isto tudo é inútil. Eles esperam contra a esperança que a
Itália e Espanha... Eles podem mesmo estar desejosos de emitir Eurobonds
com eles mas não com os assemelhados à Grécia.
Na verdade, erram de vários modos. Primeiro, a
cauterização não funcionará. A gangrena irá
propagar-se. Segundo, mesmo que funcione, a Itália e Espanha finalmente
evocarão as novas Grécias do traseiro do euro. Terceiro, a LTRO
[NT]
está a preparar o euro para o Crash seguinte.
A LTRO recente, e a sua extensão vindoura, é o programa a
executar
(blueprint).
A Alemanha fez o que podia pela Grécia. Chegou o tempo de cortar perdas.
Identificar os países que ainda são potencialmente solventes e
actuar rapidamente. Como? Primeiro, aplainando o caminho dos
cronicamente insolventes para a volta às suas próprias divisas.
14/Fevereiro/2012
[1] Este artigo poderia ser intitulado "Carta de Frankfurt". Ao longo
dos últimos três dias estive em Frankfurt, a filmar para o Channel
4 um documentário sobre a Crise. O conteúdo do artigo reflecte
a impressão que tive em conversas com pessoas do establishment
financeiro.
[2] Um tal grande redesenho envolveria recapitalizações
bancárias e a unificação do sector bancário
europeu, pensamentos que enchem de horror a alma de banqueiros e financeiros
alemães. Políticos da Alemanha, em vista da esperada
reacção adversa, portanto não têm interesse em
redesenhar qualquer coisa...
[NT]
LTRO: Ionger-term refinancing operation, operação de
refinanciamento a longo prazo
SRM: supplier relationship management, administração do
relacionamento com o fornecedor
O original encontra-se em
yanisvaroufakis.eu/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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