Será a Grécia ainda viável? (E a Europa ainda é?)
por Yannis Varoufakis
[*]
"Talvez seja historicamente verdadeiro que nenhuma espécie de
sociedade perece salvo pela sua própria mão"
(John Maynard Keynes)
[1]
A maior parte dos gregos, no fundo do coração, sabe que Keynes
estava certo. Nossa privação e indignidade actuais são
repercussões naturais dos nossos próprios erros passados e
falácias de omissão. A Grécia moderna tem estado a
contornar a borda de uma crise de dívida desde o seu início.
Depois de a sua mini revolução industrial do pós guerra
ter descarrilado durante a década de 1970, ela continuou a afastar-se do
abismo através de desvalorizações frequentes e
explosões de austeridade. A entrada na eurozona removeu o principal
instrumento de contenção em troca de promessas vazias de algum
mecanismo alternativo absorvedor de choques.
Durante quase uma década após o nascimento do euro, o capital
comercial da Europa do Norte continuou a fluir para países como a
Grécia em busca de retornos mais elevados do que as economias estagnadas
do centro podiam proporcionar. Uma aparência de convergência foi
então baseada sobre uma série de bolhas que mantiveram bem
escondidos os desequilíbrios estruturais subjacentes. Em países
como a Irlanda, a bolha inchou dentro do sector privado (com a conivência
do estado). Na Grécia, a mesma bolha apareceu dentro do sector estatal
(ajudada pela conivência dos urbanizadores e dos bancos privados).
Do Crash para o salvamento e para uma ferida que supura
Uma vez começado o estouro das bolhas (primeiro na Wall Street e nos
maiores bancos da Europa, então no Dubai, mais tarde na Grécia e,
finalmente, no resto da periferia), uma década pós moderna de
1930 estava sobre nós. Tal como em 1929, o Crash de 2008 desencadeou
a) O descarrilamento da divisa comum da respectiva era (o Padrão Ouro
então,
o euro hoje),
b) A implosão dos países com défice (os quais foram
forçados a arcar com o fardo do ajustamento), e
c) Ventos recessivos que correm por todo o mundo.
Se bem que estes desenvolvimentos sinistros fossem de âmbito universal, a
pergunta que permanece na boca de toda a gente é: Será que a
Grécia é viável? Será que os gregos acreditam ser
viáveis? Por que nunca cumprem os objectivos estabelecidos pela troika?
Estou muito receoso de que estas sejam as perguntas erradas. A questão
não é se a Grécia pode ser viável dentro da zona
euro mas sim se a zona euro, tal como actualmente construída, é
viável com ou sem a Grécia. Dito de forma diferente, a pergunta
que aqueles fora da Grécia precisam fazer é: Por que ainda
estamos a falar acerca da Grécia, dois longos anos após a sua
implosão?
Naturalmente, a razão é que os remédios caros aplicados
à ferida em supuração que é a Grécia
estão a agravar a infecção ao invés de
melhorá-la. Uma explicação é que a Grécia
foi um paciente recalcitrante que se recusou a tomar o remédio tal como
receitado. Há um grande elemento de verdade aqui. Contudo, a
incompetência do estado grego em introduzir as reformas acordadas
está a impedir-nos de ver a causa mais profunda: o modo como a eurozona
amarra junto os destinos dos nossos povos mediante um edifício que (a)
maximizou os desequilíbrios subjacentes e (b) não podia absorver
um choque como aquele do colapso financeiro de 2008.
Quando o elo mais fraco da eurozona se partiu, o seu governo acrescentou aos
erros passados do país um outro erro grave. Ele negou a sua bancarrota e
pediu empréstimos sob condições cujo cumprimento era
impossível. Nas palavras de Keynes:
"A aceitação insincera da Grécia... de
condições impossíveis as quais não pretendia
executar tornaram a Grécia quase tão culpada por aceitar o que
ela não podia cumprir quando a União Europeia em impor o que
não tinha o direito de exigir".
[Naturalmente, estas não são as palavras precisas de Keynes. Mas
estão muito próximas. Tudo o que fiz para produzir a
"citação" acima foi substituir "Alemanha" por
"Grécia" e "Aliados" por "União
Europeia".
[2]
]
Enquanto ponderava a implosão da economia social da Grécia, as
visões de Keynes quanto ao grande paradoxo que foi o Tratado de
Versalhes são bastante instrutivas. Tal como a Alemanha em 1920,
também a Grécia em Maio de 2010 aceitou rancorosamente sua
"punição" na forma de um "tratado" que
estabelecia exigências impossíveis. E tal como os Aliados
descobriram na década de 1920, a imposição destas
condições não só esgotou a capacidade da fraca,
derrotada e desmoralizada nação como, ai de nós,
está a demonstrar-se uma drenagem constante e um tormento para
nações fortes da Europa.
E agora?
Errar duas vezes em dois anos é imprudente. O segundo pacote de
salvamento, que encerra mais empréstimos e austeridade mais profunda,
juntamente com as fraudulentas negociações do
haircut
"voluntário", deve ser posto de lado. Até que um plano
racional esteja em vigor que torne viável tanto a Grécia como o
resto da eurozona, o estado grego não deve gastar nem um euro mais do
que arrecada em impostos, enquanto todos os reembolsos de empréstimos
são suspensos. Deve ser posto fim ao escândalo de pedir aos
contribuintes alemães, em nome da "solidariedade", para
garantir empréstimos que o estado grego transfere para bancos que
já sobrevivem graças à gentileza do BCE e dos
contribuintes.
Quanto à Alemanha, ela deve decidir rapidamente entre desintegrar a
eurozona e reforçá-la pelo acrescento à nossa união
monetária daquilo que tem estado a faltar desde o início: um
mecanismo para transferir excedentes para as regiões em défice na
forma de investimentos produtivos (em oposição a esmolas ou
empréstimos). Transformar estados fracassados como a Grécia em
desertos ensolarados dentro da eurozona, e forçar o resto da área
dessa divisa à espiral da dívida-deflação, é
o modo mais eficiente de minar a viabilidade a longo prazo do núcleo da
Europa. Mesmo se alguém pensa que a Grécia obteria os seus justos
desertos, será que os laboriosos alemães merecem receber ordem de
marcha nessa direcção? Não acredito que o façam.
05/Fevereiro/2012
[1] Chapter VI, p.238, The Economic Consequences of the Peace, Harcourt Brace
New York, 1920
[2] "Dr. Melchior: A Defeated Enemy" in Two Memoirs (1949), as
reprinted in Collected Writings, Vol. X: Essays in Biography, at p. 428.
É claro que substitui a palavra "Alemanha" pela palavra
"Grécia" e a palavra "Aliados" por "a
União Europeia"!
[*]
Autor de
The Global Minotaur America, The True Origins of the Financial Crisis and the Future of the World Economy
, Zed Books, Londres, 2011, 252 pgs., ISBN 978178032014.
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