O colapso da União Europeia: Voltar à soberania nacional e a europeus felizes?

por Peter Koenig [*]

Imagine: a União Europeia entrava em colapso amanhã – ou qualquer outro dia em breve. Os europeus dançariam nas ruas. A UE tornou-se um buraco enorme de medo e terror: sanções económicas, penalizações, crescente militarização, a abolição dos direitos civis para a maioria dos europeus.

Um punhado de tecnocratas não eleitos, representando 28 países, muitos deles impróprios para servir no sistema político dos seus próprios países, mas com ligações suficientemente boas para conseguirem emprego em Bruxelas, decidem o futuro da Europa, em pequenos grupos e muitas vezes em gabinetes secretos.

Tomemos o TTIP (parceria de investimento e comércio transatlântica) – sob a pressão dos seus mestres em Washington, atrás de portas fechadas, sob o maior segredo – e provavelmente contra seu próprio interesse como pessoas – um pequeno grupo de delegados da Comissão Europeia (CE) sem escrúpulos, sem qualquer respeito pelos seus concidadãos, sem consideração pelos seus filhos, netos e filhos dos seus netos, só interessado nos momentâneos louros e nas recompensas do colonialista, usurpador e guerreiro Número Um, os Estados Unidos do Caos e Matança, estão prontos para colocar 500 milhões de europeus e seus descendentes em perigo.

Não há palavras para dizer dos horrores que a TTIP faria ao povo da Europa, apenas baseando-nos no pouco que sabemos das 248 páginas trazidas a público pelo Greenpeace Netherlands acerca das negociações ultra clandestinas que ocorrem. “Negociações” é o termo mais injusto imaginável, dado que todas as regras são impostas por Washington, o mesmo que com o TPP (Parceria Transpacífica, envolvendo 11 países do Pacífico e os EUA – mas não a China e a Rússia).

Embora as negociações TPP estejam terminadas, nenhum dos 11 parceiros do Pacífico, nem o Congresso dos EUA aprovaram o Tratado. Há esperança que mesmo se as “negociações” secretas entre os traidores da Comissão Europeia e Washington chegarem ao fim, pelo menos alguns dos 28 Estados-Membros poderão não as aprovar. Para ser válido, o Tratado precisa ser aprovado por unanimidade. O novo candidato preferido pela direita austríaca à Presidência da República, Norbert Hofer, já disse que não assinaria o TTIP. Observações semelhantes foram feitas pelo ministro francês de comércio externo, Matthias Fekl, que disse: "Não pode haver um acordo sem a França e muito menos contra a França".

Sob o TTIP, os cidadãos da Europa iriam perder em todas as frentes. Os europeus tornar-se-iam literalmente súditos de um império de empresas transnacionais, liderado pelos EUA. Os países da UE deixariam de ser nações soberanas – ainda menos que do que já o são sob os atuais ditames de Bruxelas. Como os documentos secretos do TTIP revelam, o acordo seria o dobre de finados para a Europa. Eis o que Susan George, filósofa e analista política e presidente do Comité de planeamento do Instituto transnacional em Amesterdão tem a dizer:

“A comida que importamos seria tratada quimicamente, seria modificada geneticamente, não teria rótulos indicativos. Não saberíamos exatamente o que estava na nossa comida. Poderíamos comprar galinha que tivesse sido lavada com cloro, poderíamos ter carne criada com hormonas, poderíamos ter alimentos biossintéticos feitos com genes de uma planta e de um animal, e isto não seria indicado no rótulo da embalagem”.

"Na área da agricultura é muito provável que perderíamos grande número de agricultores, porque se baixarmos as tarifas da agricultura teremos uma inundação do que é americano [OMG altamente subsidiados] milho e cereais básicos arruinando muitos agricultores, exatamente da mesma forma que os camponeses do México foram arruinados pelo "Acordo de livre comércio da América do Norte", o NAFTA."

"Na área da saúde, as empresas farmacêuticas querem livrar-se dos medicamentos genéricos. Já conseguiram forçar as empresas de medicamentos genéricos a repetir todos os ensaios clínicos já realizados com o mesmo medicamento idêntico, mas com nome de marca. Para torná-lo um medicamento genérico, têm que começar tudo de novo: ensaios clínicos, testes cegos e assim por diante. Então a medicina tornar-se-ia muito mais cara."

Mas ainda mais importante:

"O TTIP permite dar às transnacionais liberdade para processar os governos se não gostarem de uma lei que o governo aprove. Temos agora muitos exemplos, porque em centenas de tratados bilaterais este sistema judiciário privado existe. Por exemplo, o governo do Egito criou o salário mínimo e uma importante empresa, Veolia, da França, processou-os porque teriam que pagar mais aos seus trabalhadores. Este caso ainda não foi decidido, mas, por exemplo, num caso já decidido o Equador recusou autorização a que uma companhia de petróleo dos EUA pudesse perfurar numa determinada região. O governo disse: esta é uma área protegida e vocês não podem perfurar aqui. E a empresa disse, ah, vamos processa-los; e ganharam. O Equador tem uma multa de 1,8 milhões de milhões de dólares, muito dinheiro para um país pequeno e bastante fraco."

"Isso simplesmente significa que tribunais privados estariam acima das leis e dos tribunais das nações soberanas, não sendo deixada qualquer soberania; nem mesmo a pequena independência que Bruxelas ainda não destruiu. Todos os povos da UE estariam sob as regras de um império anglo-americano de transnacionais."
[1]

E depois há o TISA, o "Acordo de comércio de serviços", de que menos pessoas estão cientes. Está também a ser 'negociado' em segredo, envolvendo 23 membros da OMC (Austrália, Canadá, Chile, China Taipé, Colômbia, Costa Rica, a UE (28 países), China Hong Kong, Islândia, Israel, Japão, Coreia, Liechtenstein, Maurícia, México, Nova Zelândia, Noruega, Paquistão, Panamá, Peru, Suíça, Turquia e Estados Unidos). Ao todo, estamos falar de cerca de 50 países; 49 deles inclinam-se para se submeterem a uns Estados Unidos, de guerra, crimes e dominação. Não é preciso muita imaginação para perceber que, mais uma vez, Washington é quem manda. Na verdade, as conversações TiSA, à semelhança das da TTIP, estão infiltradas por agentes das transnacionais dos EUA e lobistas, representantes do império empresarial dos EUA e, claro, da Wall Street.

De acordo com a OMC, o TiSA iria abrir o mercado para o "comércio nos serviços", significando privatizações de todos os serviços públicos e sociais, como saúde, educação, sistemas de segurança social, pensões, transporte, serviços postais, telecomunicações, abastecimento de água e saneamento, eliminação de resíduos sólidos – e mais todos estariam sujeitos à aquisição pelas transnacionais.

Basta olhar para a Grécia, esforçando-se por pagar a sua mal gerada dívida, vendendo o seu capital social nacional ou o capital vital em detrimento dos pobres, até agora a maioria dos gregos, que dependem disso. Uma vez que um país assine estes acordos de comércio, não há via de retorno. O país abre os seus sectores sociais e públicos à procura de rendas pelas empresas privadas.

Como no TTIP, se um governo numa fase posterior, perceber que a privatização, digamos de serviços da água, não trouxe os benefícios prometidos para o povo, não pode voltar e renacionalizar ou municipalizar este serviço. A remunicipalização de serviços de água acontece atualmente em França, o país com os sistemas de abastecimento público de água mais privatizados, em todos os lugares.

Em 2012, o governo e os municípios das grandes cidades decidiram retomar estes serviços públicos vitais. Isto está atualmente em curso. Sob as regras TiSA não seria possível. Pior, uma vez o TiSA assinado, um país não pode criar exceções para qualquer sector específico incluído na lista de potencial 'liberalização', por exemplo, saúde, educação e outros serviços sociais essenciais. Tribunais de arbitragem empresarial, semelhantes aos da TTIP, seriam criados para o TiSA. Estas "negociações" estão ocorrendo em Genebra, sob os auspícios da OMC – em segredo – em conformidade com as regras, paus e cenouras, impostas por – é fácil adivinhar: Washington.

Se a UE colapsasse hoje, tanto o TTIP como as conversações TiSA seriam paralisadas. Qualquer um dos 28 Estados-Membros, ou melhor ainda, dos 19 países da zona euro, poderia derrubar a UE. Um Grexit, um Brexit, um fiasco emergindo das próximas eleições na Espanha – ou uma decisão firme de um governo quanto ao não pagamento da sua divida imposta (principalmente) pela troika, poderia fazer cair como um castelo de cartas o esquema de pirâmide monetária do dólar – e apagar uma vez por todas a escravizante hegemonia dólar-euro.

As dívidas podem ser renegociadas em moedas nacionais restauradas. Lembremo-nos que o euro tem apenas 15 anos de idade. Portanto voltar às moedas nacionais não deve ser dramático, mas antes um suspiro de alívio – alívio da armadilha da dívida e o alívio da opressão das botas de Washington e Bruxelas.

Imagine-se o que o colapso da UE e da zona euro significariam para o povo grego. No entanto, é dito que mais da metade dos gregos estão ainda rigidamente agarrados ao destrutivo euro; aposto, que o seu colapso traria centenas de milhares a dançar nas ruas. O Syriza poderia esquecer os atualmente em negociação 3 mil milhões de euros adicionais de austeridade e cortes no orçamento – ainda menos pensões e mais altos impostos para os pobres.

A libertação da dívida grega não virá da troika da UE/CE. Pelo contrário, o ministro alemão das finanças, Wolfgang Schaeuble, tem sempre palavras duras para a Grécia, como se estivesse a ameaça-la empurrar para fora da UE. Uma ameaça vazia, como todos devem saber. Washington, e também os donos da Alemanha, não permitirão um Grexit, um Brexit ou uma saída de qualquer membro da UE. Washington precisa da UE "intacta" para eventualmente servir como parceiro escravo no TTIP e TiSA.

O que aconteceu e continua a acontecer à Grécia pode servir como exemplo (aprendizagem) para outros países do sul "fracos" que se seguirão – a menos que, sim, a menos que, a Grécia ou outro país sob as stressantes imposições económicas e financeira da CE-troika agarre o touro pelos chifres e tome uma decisão drástica: saída da UE e da zona do euro, impulsionando a economia local com moeda local e negociando os termos da dívida ilegal e fraudulenta que foi imposta. Isso poderia levar ao fim da nefasta-zona euro – e da UE criada pelos EUA.

Estejamos cientes que a UE, como existe hoje, não é a invenção dos europeus; é uma construção pensada imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, pelos EUA, a fim de manter a Europa sob seu controle – e para criar um zona tampão face ao comunismo, à União Soviética. Funcionou até agora. Essa ideia ainda prevalece, como vemos todos os dias com a Rússia e o seu líder demonizado e caluniado pelos media ocidentais. Sejamos francos, se não fosse a lucidez estratégica e prospectiva do Presidente Putin nós – a Europa – estaríamos pela terceira vez em 100 anos, enredados numa guerra mundial. E se deixarmos que esta via imposta por Washington continue, a Europa tornar-se-á uma zona escrava dos interesses anglo-americanos. Basta olhar para TTIP e TiSA.

Uma verdadeira federação de países soberanos europeus, talvez até mesmo com uma moeda comum e um verdadeiro banco central, poderia ser uma solução viável a longo prazo para a Europa. Mas, e isto é o mais importante, essa Europa teria de ser concebida por europeus verdadeiros honestos – estarei a sonhar? – e sem absolutamente nenhuma influência dos EUA. Nenhuma.

Qualquer um dos 28 Estados-Membros poderia devolver a felicidade aos povos da Europa; poderia eliminar a dor, frustração, medo e ansiedade, poderia restabelecer a soberania nacional, poderia trazer o orgulho nacional e local, em vez de economia global como prioridade, saindo da UE, abandonando o euro, estabelecendo o poder do povo nas mãos de um governo democrático e soberano.

A simples saída de um país – Grécia, Portugal, Espanha, Irlanda, Reino Unido, França… pode escolher qualquer um, poderia fazer parar a máquina feroz da dívida, abrindo a oportunidade de ingressar num novo, mais justo e mais igual regime monetário – o nascente espaço económico da China, Rússia, BRICS, SCO (organização de cooperação de Xangai) e o EEU (União Econômica da Eurásia).

Por certo o tempo é importante. Não é por acaso que Obama é pressionado para a conclusão rápida da vergonhosa assinatura do TTIP. A predatória assinatura desses acordos, TTIP, TiSA, TPP, é um item chave da agenda da Presidência de Obama; do seu legado empresarial e militar – a expansão da NATO em parte pode depender disso.

Uma vez estes tratados assinados, não há via de retrocesso. Se o TTIP for ratificado apesar de toda a lógica, e se posteriormente a UE se desfizer, mesmo assim cada país seria ainda responsável com os termos do acordo. Portanto, é essencial o tempo para o colapso da UE antes da assinatura do TTIP e TiSA

Esta radical solução pode parecer excessiva mesmo para adversários da UE e do Euro. Muitos deles ainda procuram, esperam e sonham com uma UE reformada. Ainda vivem sob a ilusão de que "as coisas" podem ser trabalhadas. Acreditem, não podem.

Este mefistofélico empreendimento inventado pelos EUA, chamado União Europeia com uma moeda comum igualmente inventada pelos EUA – a zona euro – chegou ao fim. Está quase a chocar com o proverbial iceberg. O navio UE-Euro é pesado demais para se desviar do desastre.

É preferível a Europa ganhar tempo para se recompor; tendo cada nação o objetivo de recuperar soberania política e econômica – e, talvez possamos prever para daqui a um par de gerações uma nova Europa unida de Estados soberanos federais, independentes, totalmente desligada dos jogos diabólicos do Império anglo-americano.

[1] O texto completo do artigo de Susan George pode ser lido em www.defenddemocracy.press/... bem como o meu republicado recentemente em www.globalresearch.ca/...

[*] Economista e analista de geopolítica. Antigo quadro do Banco Mundial trabalhou intensamente em todo o mundo nas áreas de meio ambiente e recursos hídricos. Escreve regularmente para a Global Research, ICH, RT, Sputnik, PressTV, meios de comunicação chineses 4, TeleSUR, The Saker Blog e outros sites da internet. É autor de Implosion – An Economic Thriller about War, Environmental Destruction and Corporate Greed , um livro de suspense económico sobre a guerra, a destruição ambiental e a ganância empresarial – com base em factos e em 30 anos de experiência no Banco Mundial em redor do globo. É também co-autor de The World Order and Revolution! – Essays from the Resistance .

O original encontra-se em www.globalresearch.ca/...


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
18/Mai/16