Os problemas da zona euro e a dificuldade de saída
por Arturo Huerta González
[*]
Os problemas da zona euro decorrem das políticas emanadas da UME
Os países da zona euro abandonaram sua moeda, para trabalhar com o euro,
o qual passa a ser praticamente uma divisa para eles uma vez que a
política monetária é traçada pelo Banco Central
Europeu (BCE) e não pelos bancos centrais dos diferentes países.
Os governos não podem emitir a moeda, nem desvalorizá-la, nem
financiar o seu défice fiscal com ela.
Os que conceberam a UME (União Monetária Europeia) não
consideraram que ao trabalharem os países com moeda única os
diferenciais de produtividade entre eles levaria aqueles de produtividade mais
alta a terem superioridade competitiva frente aos menos produtivos, pelo que os
primeiros passariam a superavitários e os outros a deficitários,
com dívidas elevadas, que acabariam por desestabilizar tais economias.
Rapidamente evidenciou-se que não estavam dadas em todos os
países as condições produtivas, financeiras e
macroeconómicas necessárias para trabalhar com moeda única
e estabilidade dos mercados financeiros. Isso repercutiu-se em baixas dos seus
graus de investimento (por parte das classificadoras) e em altas das suas taxas
de juro para os países com altos níveis de endividamento, o que
actua em detrimento do crescimento, assim como das finanças
públicas e privadas, e passam a ter menos condições para
encarar as obrigações financeiras.
A UME não foi acompanhada de uma união da política fiscal
A UME não unificou a política monetária, comandada pelo
BCE. Todos os países membros passaram a trabalhar com uma só
moeda e, em troca, a política fiscal passou a ser determinada por cada
país, sem contar com o manejo da política monetária para
poder flexibilizar a política fiscal. Isso circunscreveu à
política fiscal tanto a receita tributária dos governos como a
sua capacidade de endividamento, tendo que recorrer ao mercado para isso, uma
vez que o BCE não compra directamente dívida emitida pelos
governos.
A dívida é maior no sector privado do que no sector público
Os países periféricos da zona euro passaram a ter défice
de comércio, não devido aos seus défices fiscais e sim,
sobretudo, pela falta de competitividade do sector privado que viu
diminuídas suas vendas e rendimentos ao ser deslocado sobretudo pelos
produtos alemães e de outros países que têm melhor
produtividade e competitividade do que eles. Isso levou a que as dívidas
do sector privado sejam maiores, na maioria dos países, que as do sector
público (Papadimitriou e Wray, 2011).
O défice fiscal e a dívida pública aumentaram não
tanto porque os governos hajam incrementado significativamente suas despesas e
sim, sobretudo, como consequência dos resgates bancários derivados
dos problemas de insolvência do sector público e privado, assim
como pela queda do rendimento de empresas e indivíduos, que reduziram a
arrecadação tributária e daí o défice.
Não há condições endógenas de pagamento
As políticas predominantes da UME não geraram
condições endógenas de acumulação para
manter a dinâmica de tais economias. Levaram-nas, sim, a um contexto de
alta vulnerabilidade, uma vez que têm défice de comércio
exterior, nas finanças do sector privado e do governo, passando a
depender do endividamento. O problema se agrava porque tão pouco geram
condições endógenas de pagamento.
Apesar dos resgates bancários, prosseguem os problemas de endividamento
e insolvência
A liquidez injectada na banca é mais par que esta faça frente
às obrigações que tem, assim como para cobrir seus
níveis de capitalização e cumprir com as demais
regulamentações impostas pelo BCE, pelo que será
difícil que tenha capacidade para comprar dívida dos governo e
possa expandir créditos a empresas para impulsionar a
produção e o emprego, pelo que não haverá
geração de riqueza e rendimentos para enfrentar o pagamento da
dívida, de modo que a insolvência, a instabilidade
bancária-financeira e a crise recrudescem. A problemática actual
não é uma crise de liquidez, é uma crise de
insolvência (Wray, 2011).
Enquanto predominarem as políticas económicas que geraram tais
problemas, assim como a política de ajuste fiscal restritivo,
prosseguirão os problemas de insolvência e instabilidade
bancária. Concedem-se grandes quantidades de liquidez e
empréstimos aos países devedores apesar de não terem
condições de reverter o défice fiscal e o do
comércio exterior.
O sector financeiro não quer mudança alguma das políticas
predominantes
Não há debate sobre as causas da crise porque não querem
que se realize mudança alguma da política predominante. Os
ganhadores desta política não querem mudança. É o
sector financeiro, e os que se estão a apropriar dos sectores
estratégicos dos países devedores, que insiste na disciplina
fiscal, que levou a reduzir a dimensão do Estado na actividade
económica, ao não ter condições endógenas de
acumulação e crescimento, o que leva as economias a dependerem
cada vez mais da entrada de capitais, para que a política continue
encaminhada a estimular a entrada de capitais, e lhe ampliem as
opções de investimento.
As economias periféricas da zona euro estão sujeitas a resgates
financeiros e aos fluxos de capitais
As políticas da globalização e da UME fragilizaram a
maioria das economias da zona euro, uma vez que actuaram em detrimento das
bases produtivas, assim como da balança de comércio externo, o
que as faz depender do comportamento dos fluxos de capital assim como da
disponibilidade creditícia. Isso levou a que muitas economias da zona
euro dependam dos créditos para financiarem seus desequilíbrios
macroeconómicas e financeiros, para permanecer dentro da UME, pelo que
têm de estabelecer as políticas económicas ditadas pelo BCE
e o FMI que actuam em favor do sector financeiro e continuam a agravar os
problemas produtivos e os desequilíbrios macroeconómicos.
Além disso promoveram-se as reformas estruturais, que levam à
privatização de empresas e activos públicos, assim como
dos serviços públicos, e a reduzir a participação e
dimensão do Estado na economia a fim de gerar poupanças
forçadas tendentes a cobrir as obrigações financeiras.
As políticas de resgate não resolvem os problemas da crise
A política de disciplina fiscal imposta pelo BCE e o FMI dá-se
num contexto no qual o sector privado não está a investir, nem a
incrementar o seu consumo, e as exportações estão a cair,
passando a actuar como política pró-cíclica que aprofunda
a contracção económica.
Os maiores fluxos para a banca não se traduzem em maior disponibilidade
creditícia nem em flexibilização da política
económica, pelo que prossegue a baixa competitividade e o défice
do comércio exterior na maioria dos países da zona euro, assim
como a contracção do mercado interno.
Não é através da redução de salários
que sairão dos seus problemas
Ao não terem moeda própria, os países não podem
desvalorizá-la para melhorar a competitividade, pelo que estão a
reduzir salários e benefícios laborais para diminuir o custo do
trabalho a fim de melhorar a competitividade para incrementar
exportações e travar importações, e assim reduzir o
défice de comércio exterior para enfrentar o pagamento do
serviço da sua dívida. Apesar disso, não conseguem
melhorar a competitividade frente ao seu vizinho, pois esse também
está a instrumentar a mesma política, pelo que não se
incrementam exportações e, em contrapartida, está-se a
contrair o mercado interno, o que leva as economias à recessão.
Propostas para melhorar as condições de pagamento dos
países devedores
Para que o sector público pague a sua dívida é preciso
trabalhar com superávite fiscal. Ou seja, a sua
arrecadação tributária deve ser superior às suas
despesas. Ao fazer isso, afecta as finanças do sector privado, uma vez
que passa a ser deficitário, pelo que o sector privado menos
possibilidade tem de enfrentar o pagamento da sua dívida. Para evitar
tal situação, é preciso que a economia trabalhe com
superávite de comércio exterior, pois este permitiria melhorar as
finanças do sector privado, assim como do sector público, os
quais teriam melhor capacidade de pagamento das suas dívidas. Contudo, o
superávite de comércio externo é difícil de
alcançar dada a baixa competitividade e a inviabilidade de desvalorizar
a moeda. É necessário que os países superavitários
aumentem salários e despesas públicas, para aumentar a sua
procura e as suas importações e que estas provenham dos
países deficitários, para que estes possam incrementar
exportações e passar de défice a superávite de
comércio externo a fim de que possam crescer e pagar o serviço da
dívida. Isso implica decisões políticas no âmbito
nacional e internacional difíceis de alcançar.
Vários países não têm condições de
prosseguir da UME
Não é possível para vários países com fortes
défices de comércio externo manterem-se na UME. Não
têm condições produtivas e financeiras, nem
macroeconómicas, para permanecerem dentro da UME. Sua permanência
sustenta-se com os fluxos creditícios que recebem e o problema cresce
porque não têm condições de assegurar o seu
reembolso.
A UME retirou aos países membros o manejo soberano da política
económica para configurar condições de crescimento, pelo
que viram deteriorada sua capacidade de acumulação.
A insustentabilidade da UME
A UME gerou poucos benefícios e muitos perdedores. O ganhador foi o
sector financeiro, na medida em que o euro converteu-se em moeda de curso legal
internacional, o que lhe permite expandir a moeda pois o resto do mundo a
poupa. Contudo, os perdedores foram os trabalhadores e os que procuram emprego,
assim como o sector produtivo, sobretudo aquele que tem uma produtividade
abaixo da média da zona euro e de outros países com êxito.
A recessão, o alto desemprego, a deterioração do
nível de vida da população na maioria dos países da
zona euro, não só compromete o prosseguimento do euro como
também compromete os partidos políticos, por não
responderem às exigências da maioria da população.
A saída da crise passa por políticas económicas diferentes
Há que recuperar o controle da moeda, para ter política
monetária, cambial e fiscal, para atender sua esfera produtiva,
incrementar a produtividade e competitividade, e reduzir o défice de
comércio externo, e portanto as necessidades de entrada de capitais,
assim como para gerar excedentes de recursos para cobrir suas
obrigações financeiras, tanto do sector público como do
privado.
Num contexto onde não há perspectivas de incrementar
exportações e não há procura por parte das
famílias, dado o desemprego e os baixos salários, o governo tem
que trabalhar com despesa deficitária para incrementar a procura, e o
mercado interno para estimular o investimento e a geração de
emprego.
Para evitar apostas contra a moeda, e grandes saídas de capital, e
fortes desvalorizações, os países terão que regular
o movimento de capitais.
A política macroeconómica não deve responder às
condições de confiança exigidas pelo sector financeiro.
Deve, sim, encaminhar-se para a promoção do crescimento
económico e do pleno emprego e, através disso, gerar a capacidade
de reembolso da dívida a fim de conseguir a estabilidade financeira e a
disponibilidade creditícia a favor de empresas produtivas.
Bibliografia:
- Papadimitriou, D., e Wray, R., 2011, "Euroland in Crisis as the Global
Meltdown Picks Up Spee", em Levy Economics Institute of Bard College, W.P.
Nº 693, Oct.
- Wray, R., 2011, "Waiting for the Next Crash: The Minskyan Lessons we
Failed to Learn", em Levy Economics Institute of Bard College, PPB,
Nº 120, Oct.
[*]
Professor da Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM).
Comunicação apresentada no XVI Seminário Internacional
"Los partidos y una nueva sociedad", 22-24/Março/2012, na
Cidade do México.
Esta comunicação encontra-se em
http://resistir.info/
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