Dragui, ou o fracasso da Europa
por Juan Torres López
[*]
Quando há pouco mais de dois anos Mario Dragui acabou com a
especulação que fazia subir tão perigosamente o
prémio de risco de vários países europeus, dentre eles a
Espanha, foi aclamado como um herói ao conseguir travá-la com uma
simples frase: "Farei o que for necessário para salvar o
euro, e será suficiente". Escrevi neste mesmo diário que em lugar de
aplauso merecia ser processado porque acabava de demonstrar que o Banco Central
Europeu podia ter evitado o custo financeiro tão impressionante que se
estava a gerar para os governos e que toda a Europa se encaminhasse de novo
para a recessão e a crise (
Dragui debe ser procesado
).
Agora torna a passar-se praticamente o mesmo. Aplaudem Dragui e o BCE por ser
valente e colocar as taxas de juro num nível histórico, supondo
que assim vão facilitar que o crédito flua finalmente às
empresas e que isso permita levantar a economia europeia. Mas mais uma vez se
vão equivocar aqueles que tenham a ingenuidade de acreditar que as
coisas vão ser assim.
Na realidade, esta medida
in extremis
do BCE é a manifestação palpável do seu fracasso e
o de toda a Troika na hora de manejar a crise.
A aplicação de políticas de austeridade quando a economia
carecia de alimentação nos seus principais motores (o consumo, o
investimento privado e as exportações) foi
"pro-cíclica", ou seja, agravou a falta de actividade e criou
mais encerramentos de empresas, mais paralisação e mais
dívida, levando a economias a uma nova fase de recessão. Quiseram
aliviar os males do enfermo tirando-lhe a vida e agora percebem que está
sem remédio e aplicam uma medida que parece radical e contundente mas
que, sem dúvida, vai ser mais uma vez ineficaz. Ou melhor dizendo,
favorável só aos grandes fundos especulativos que vêm
apostando na baixa de taxas há meses.
Será ineficaz, em primeiro lugar, porque as autoridades europeias
não fizeram praticamente nada para resolver o mal de fundo do sistema
financeiro europeu que não é outro senão a quebra
generalizada dos bancos. Portanto, qualquer dinheiro a mais que estes recebem
(tal e como tem sucedido até agora) será utilizado só, na
imensa maioria, para tentar sanear seus balanços e aumentar
artificialmente suas contas de resultados, tal como têm feito até
agora.
Em segundo lugar, porque, ainda que com essas taxas mais baixas se conseguisse
que os bancos aumentassem o crédito a empresas e famílias,
não se conseguirá que o custo efectivo deste financiamento seja
suficientemente baixo quando chegue a eles. Os bancos, graças ao seu
impressionante poder de mercado, continuarão a aplicar margens brutais
que impedirão que se resolva realmente o problema do financiamento ao
conjunto da economia.
Em terceiro lugar, porque a carência de ganhos (de clientes nas empresas
e de rendimento disponível nas famílias) obriga-os a dedicarem-se
de preferência a reduzir dívida (a "desalavancar-se",
como se diz na gíria). De modo que, enquanto não se tomarem
medidas que garantam que a actividade real e a procura efectiva aumentem para
que assim se encaminhem ganhos suficientes para os bolsos das empresas
produtivas e dos consumidores, as políticas de taxas de juro
continuarão a ser inúteis para fazer que a economia europeia
levante voo. Poderão levar o cavalo à água, talvez, mas
não poderão fazer com que beba.
As autoridades europeias afundaram conscientemente a Europa com o único
objectivo de salvar bancos e grandes empresas e agora não vão
poder levantá-la utilizando o mesmo procedimento.
Albert Einstein dizia que "a loucura é fazer a mesma coisa repetida
vezes esperando obter diferentes resultados". E isso é o que se
passa com Dragui e o resto das autoridades europeias: estão loucos se
acreditam que vão conseguir algo diferente fazendo o mesmo de sempre,
por mais lucros na bandeja da banca e das grandes empresas.
A Europa necessita de outra terapia diferente que não cabe no
âmbito do capitalismo neoliberal que promovem e impõem
(certamente, de modo cada vez mais anti-democrático) as autoridades
europeias.
Em primeiro lugar, é prioritário que se resolva o problema da
dívida artificialmente gerada pela política do BCE e pela
acção especulativa dos fundos financeiros. Todas as
instituições e políticas europeias funcionam para criar
dívida (desde o momento mesmo em que se impediu que o banco central
financie a custo zero os governos naturalmente sob critérios
estritos de estabilidade a médio e longo prazo) e isso juntamente
com o grande poder político acumulado pela banca é a fonte
da crise actual e das que vão continuar a produzir-se.
Em segundo lugar, é imprescindível que se recupere a actividade
real, os mercados de bens e serviços, e para isso é
obrigatório forçar uma repartição diferente do
rendimento para que as empresas (e sobretudo as pequenas e médias)
voltem a ter clientes às suas portas e possam contratar novos
trabalhadores. A desigualdade crescente é a fonte da recessão
actual e não se poderá evitar que seja recorrente enquanto
não for combatida com decisão.
Em terceiro lugar, é necessário rectificar a
orientação produtiva imposta na Europa nas últimas
décadas reconduzindo a actividade sectorial, o modo de produzir e
consumir, e reforçando os mercados locais e internos para acabar com a
estúpida estratégia de competitividade que, como se vê dia
a dia, não é senão uma máquina de empobrecimento
mútuo.
08/Setembro/2014
Ver também:
BCE passa a conceder empréstimos aos banqueiros privados com juros reais negativos
[*]
Catedrático na Universidade de Sevilha, no Departamento de Teoria Económica e
Economia Política.
O original encontra-se em
juantorreslopez.com/impertinencias/dragui-o-el-fracaso-de-europa/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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