Aumento da desigualdade do rendimento nos EUA:
Desagregador, deprimente e perigoso
O fosso entre os rendimentos anuais dos 10 por cento de cidadãos
estado-unidenses do topo e aquilo que os outros 90 cento obtêm
ampliou-se drasticamente durante os últimos 30 anos. O desenvolvimento
económico do país tem sido cada vez mais desagregador. O
Professor Emmanuel Saez, da Universidade da Califórnia-Berkeley, um dos
principais peritos nesse campo, resume os factos no seu sítio web, do
qual o gráfico abaixo foi gentilmente extraído.
Este gráfico mostra como nos EUA os 10 por cento que ganham de
rendimentos do topo, após os anos 1970, levam para casa uma fatia cada
vez descomunal do total do rendimento nacional. Estes 10 por cento do topo
já detinham 30-35 por cento do total do rendimento nacional desde o
princípio dos anos 1940 até os anos 1970. A partir daí,
eles ficaram sempre com mais até alcançarem o seu nível
actual de 45-50 por cento.
A desigualdade de rendimento e especialmente a desigualdade em
ascensão rápida provoca inveja, ressentimento e
tensão numa sociedade. Elas estão por trás dos sinais mais
visíveis de hostilidades amargas no interior dos EUA. Exemplos: insultos
durante painéis da rádio, debates grosseiros em
órgãos legislativos, explosões indecentes em festas por
políticos boquirrotos, resultados eleitorais surpreendentes.
Não há mistério acerca da razão porque a
desigualdade de rendimento se tornou muito pior. Os salários reais dos
trabalhadores médios cessaram de aumentar a partir dos anos 1970 (depois
de terem aumentado durante um século ou mais). Enquanto isso, a
produtividade daqueles trabalhadores continuou a elevar-se: eles produziram
cada vez mais bens e serviços para os seus patrões venderem.
Contudo, o patronato já não tinha mais de aumentar
salários para deles obter produção extra. O patronato e
aqueles que o apoiam (accionistas, administradores de topo, profissionais, etc)
portanto "ganhavam" sempre mais porque os rendimentos dos
trabalhadores estagnaram.
A maior parte dos trabalhadores americanos não entendeu, nem foi
informada, a razão porque estava a ficar sempre mais para trás do topo dos 10
por cento mais ricos. Eles não entenderam que o seu declínio
decorria das condições sociais alteradas que acabavam com a
tradição dos salários a aumentarem com a
elevação da produtividade. A primeira dentre estas
condições foram os computadores, que substituíram muitos
empregos, e os patrões que transferiram cada vez mais empregos para fora
dos EUA em localizações com salários mais baixos. A
segunda, que havia milhões de donas de casa e novos imigrantes a
procurarem trabalho pago nos EUA após os anos 1970 em
consequência da necessidade e do desejo de vida melhor. O mercado de
trabalho dos EUA experimentou então uma combinação de
retracção da procura por trabalhadores assim como mais
trabalhadores à procura de empregos. O patronato, desde os
negócios comuns até à Wall Street, aproveitou-se das
condições alteradas. Cessaram de aumentar os salários
pagos aos seus empregados estado-unidenses. Nada de pessoal; era apenas
negócio; era o modo como o sistema funcionava.
Os locais de trabalho computorizados dos patrões pressionavam por mais
resultados dos seus empregados, de modo que a produtividade continuou a
elevar-se. Por não pagar nada mais adicionalmente aos trabalhadores, o
patronato manteve todos os ganhos de produtividade para si próprio, para
os seus accionistas, os seus administradores de topo e os seus subordinados
qualificados. De modo que este grupo, os 10 por cento de topo dos americanos,
continuou a acumular mais do rendimento anual do país para si
próprio como mostra o gráfico acima.
Poucos entre os 90 por cento mais baixos entenderam como as
condições sociais alteradas combinadas com o sistema
económico provocaram a queda da sua fatia de rendimento. Ao invés
disso, muitos culparam-se a si próprios ou amigos e família ou
encontraram ainda outros bodes expiatórios. Os trabalhadores que se
culpavam a si próprios sofriam então de danos na sua auto-estima
com todas as suas trágicas consequências. Aqueles que voltaram a
sua frustração contra amigos e famílias sofreram de
relacionamentos íntimos e pessoais tensos, com os seus penosos
resultados. E os que servem de bodes expiatórios por sua vez ainda
culpam outros (imigrantes, políticos e, após 2007, os banqueiros
e a Wall Street) não só super-reagindo em relação a
eles como, o que é mais importante, perdendo uma oportunidade de ver e
resolver os problemas do sistema económico ao invés de
ineficazmente brincar com uma ou outras das suas partes.
O que funcionou mal ao longo dos últimos 30 anos foi o sistema
económico; ele gerou um padrão de desenvolvimento
económico desagregador, deprimente e perigoso. Foi o sistema de
produção onde patrões e empregados infindavelmente
procuram vantagens uns às expensas dos outros que cessou de
elevar os salários dos trabalhadores. Foi a parte financeiro do sistema
que pressionou por empréstimos insustentáveis e
especulações arriscadas como parte da competição
infindável entre bancos, hedge funds, companhias de seguros, etc. Foi a
parte política do sistema que olhou para outro lado (ao invés de
regulamentar) ou aprovou leis para agradar aqueles que cada vez mais esbanjavam
dinheiro nas melhores condições que o dinheiro do governo pudesse
comprar. Foi também o facto de que a massa de trabalhadores bem como
investidores estava hipnotizada pela lógica do sistema e saudava as suas
pressões infindáveis para consumir, tomar emprestado, emprestar e
lucrar.
Afinal de contas, os principais ideólogos nos EUA
políticos, personalidades dos media e académicos de modo
geral aderiram ao sistema com entusiasmo. Todos eles abafaram as vozes dos
críticos que viam problemas sistémicos. Denunciaram ou ignoraram
aqueles que advogavam uma mudança de sistema económico como parte
da solução necessária.
Os ataques a bodes expiatórios impedem de encarar e tratar do sistema
que molda aquilo que estes bodes expiatórios fazem. Remover este ou
aquele bode expiatório deixando o sistema em vigor não é
solução. Exemplo: punir ou mesmo excluir imigrantes dos EUA
provavelmente não elevará os salários internos. Uma vez
que o sistema leva o patronato estado-unidense a lucrar com baixos
salários, eles provavelmente reagirão transferindo mais empregos
para países com salários mais baixos. Punir banqueiros dos EUA
apenas comutará a localização dos contratos com riscos
financeiros para outras instituições dentro ou foram dos EUA.
Regulamentações a constrangerem os que as empresas privadas podem
fazer para ter lucro apenas farão com que elas mais uma vez manipulem
e/ou corrompam políticos para evitá-las, alterá-las ou
remove as regulamentações. O sistema funciona deste modo e
normalmente obriga as suas partes a fazerem assim. Isto é o que
significa "sistema". Mas uma crise sistémica como a de hoje
é "anormal", é uma janela para uma possível
mudança de sistema que seria terrível desperdiçar.
[*]
Professor de Economia na Universidade de Massachusetts
Amherst. Autor de
muitos livros e artigos
, incluíndo (c/ Stephen Resnick)
Class Theory and History: Capitalism and Communism in the USSR
(Routledge, 2002) e (c/ Stephen Resnick)
New Departures in Marxian Theory
(Routledge, 2006). O seu novo livro acerca da crise actual é
Capitalism Hits the Fan
.
O original encontra-se em
http://mrzine.monthlyreview.org/2010/wolff070210.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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