O ecstasy do Império
Quão próxima da morte está a América?
por Paul Craig Roberts
[*]
Está a acabar o tempo para os Estados Unidos colocarem os seus
défices orçamental e comercial sob controle. Apesar da
urgência da situação, o ano de 2010 tem sido
desperdiçado em alardes acerca de uma recuperação
não existente. Ainda recentemente, em 2 de Agosto, o secretário
do Tesouro Timothy F. Geithner assinou uma coluna no
New York Times
intitulada "Bem vindo à recuperação".
Como John Williams (
shadowstats.com
) deixou claro em muitas ocasiões, foi criada uma aparência de
recuperação pela super-contagem do emprego e a sub-contagem da
inflação. Advertências de Williams, de Gerald Celente e de
mim próprio não foram ouvidas, mas as nossas advertências
recentemente tiveram ecos entre Laurence Kotlikoff e David Stockman, da
Universidade de Boston, que criticaram o Partido Republicano por se tornar
grande gastador como os democratas.
É encorajador ver um bocado de percepção de que, desta
vez, Washington não pode tirar a economia para fora da recessão.
Os défices já são demasiado grandes para o dólar
sobreviver como divisa de reserva e o gasto deficitário não pode
por outra vez os americanos a trabalharem em empregos que foram deslocalizados
para o exterior.
Contudo, as soluções apresentadas por aqueles que agora
começam a reconhecer que há um problema são
desencorajadoras. Kotlifoff pensa que a solução são cortes
maciços na Segurança Social e no Medicare ou aumentos
maciços de impostos ou hiper-inflação para destruir as
dívidas maciças.
Talvez falte imaginação aos economistas, ou talvez
não queiram ficar isolados da Wall Street e dos subsídios
corporativos, mas a Segurança Social e o Medicare são
insuficientes aos níveis actuais, especialmente considerando a
erosão das pensões privadas pelas bolhas do dot.com, dos
derivativos e do imobiliário. Cortes na Segurança Social e no
Medicare, pelo qual as pessoas pagaram 15% dos seus rendimentos durante toda a
sua vida, resultariam em fome e mortes por doenças curáveis.
Aumentos de impostos fariam ainda menos sentido. É amplamente
reconhecido que a maioria das famílias não pode sobreviver com um
só emprego. Mas marido e esposa trabalham e muitas vezes um dos dois tem
dois empregos a fim de conseguirem sustentar-se. Elevar impostos torna mais
difícil sustentarem-se portanto mais arrestos, mais selos
alimentares, mais desabrigados. Que espécie de economista ou pessoa
humana pensa que isto é uma solução?
Ah, mas nós tributaremos os ricos. A idiotice habitual. Os ricos
já têm bastante stock de dinheiro. Eles simplesmente
cessarão de ganhar mais.
Vamos ser realistas. Eis o que é provável que o governo
faça. Uma vez que os idiotas de Washington percebam que o dólar
está em risco e que não podem mais financiar as suas guerras
contraindo empréstimos no estrangeiro, o governo ou
lançará um imposto sobre pensões privadas com a
argumentação de que as pensões acumularam impostos
adiados, ou o governo exigirá aos administradores de fundos de
pensões que comprem dívida do Tesouro com as nossas
pensões. Isto dará ao governo um pouco mais de tempo enquanto as
contas de pensão são carregadas com papéis sem valor.
O último défice orçamental de Bush (2008) estava entre os
US$400 e US$500 mil milhões, o que equivale à dimensão dos
excedentes comerciais chinês, japonês e da OPEP com os EUA.
Tradicionalmente, estes excedentes comerciais têm sido reciclados para os
EUA e financiam o défice do orçamento federal. Em 2009 e 2010 o
défice federal saltou para US$1.400 mil milhões, um aumento total
um milhão de milhões
(trillion)
de dólares. Não há excedentes comerciais suficientes para
financiar um défice desta magnitude. De onde vem o dinheiro?
A resposta vem de indivíduos a fugirem do mercado de
acções para os "seguros"
Títulos do Tesouro e també do salvamento dos banksters
[1]
, não tanto com o dinheiro do TARP como a permuta do Federal Reserve de
reservas bancárias por papel financeiro questionável tais como
derivativos subprime. Os bancos utilizaram o seu excesso de reservas para
comprar dívida do Tesouro.
Estas manobras de financiamento são truques que se fazem uma só
vez. Uma vez que as pessoas fugiram das acções, aquele movimento
para os Títulos do Tesouro está acabado. A oposição
ao salvamento dos banksters provavelmente impediu um outro. Assim, de onde
virá o dinheiro da próxima vez?
O Tesouro foi capaz de descarregar um bocado de dívida graças
à "crise grega", a qual os banksters de Nova York e os hedge
funds multiplicaram na "euro crise". A imprensa financeira serviu
como um braço financeiro do US Treasury ao criar pânico acerca da
dívida europeia e do euro. Bancos centrais e indivíduos que se
haviam refugiado do dólar com os euros foram levados ao pânico com
os seus euros e correram outra vez para os dólares com a compra de
dívida do US Treasury.
Este movimento dos euros para os dólares enfraquecer a divisa de reserva
alternativa ao dólar, para o declínio do dólar e financiou
o maciço défice do orçamento dos EUA um pouco mais.
Possivelmente o jogo pode ser reencenado com a dívida espanhola, a
dívida irlandesa e a de qualquer outro infeliz país varrido para
isso pela imprudente expansão da União Europeia.
Mas quando não houver mais quaisquer países que possam ser
desestabilizados pelos banksters de investimento da Wall Street e dos hedge
funds, o que então financia o défice do orçamento dos EUA?
O único financiador remanescente é o Federal Reserve. Quando
títulos do Tesouro trazidos a leilão não se vendem, o
Federal Reserve deve comprá-los. O Federal Reserve compra os
títulos criando novas exigências de depósitos, ou
conferindo contas, para o Tesouro. Como o Tesouro gasta o dinheiro apurado das
vendas de nova dívida, a oferta monetária dos EUA expande-se no
montante da compra do Federal Reserve de dívida do Tesouro.
Será que bens e serviços se expandem na mesma
proporção? As importações aumentarão quando
empregos estado-unidenses foram deslocalizados e dados a estrangeiros, piorando
portanto o défice comercial. Quando o Federal Reserve compra as novas
emissões de dívida do Tesouro, a oferta monetária
aumentará mais do que a oferta de bens e serviços produzidos
internamente. Os preços provavelmente ascenderão.
Quão alto eles ascenderão? Quanto mais dinheiro for criado a fim
de que o governo possa pagar as suas contas, mais provavelmente o resultado
será a hiper-inflação.
A economia não se recuperou. No fim do ano será óbvio que
a economia em colapso significa um défice orçamental para
financiar maior do que os US$1,4 milhões de milhões. Será
de US$2 milhões de milhões? Será mais alto?
Seja qual for a dimensão, o resto do mundo verá que o
dólar está a ser impresso em tais quantidades que não pode
servir como divisa de reserva. Naquele ponto o despejo maciço de
dólares virá quando bancos centrais estrangeiros tentarem
descarregar uma divisa sem valor.
O colapso do dólar empurrará para cima os preços das
importações e dos bens deslocalizados dos quais os americanos
estão dependentes. Os compradores do Wal-Mart pensarão que
entraram por engano no Neiman Marcus.
[2]
Os preços internos também explodirão quando uma oferta
monetária crescente expulsa a oferta de bens e serviços ainda
feita na América por americanos.
O dólar como divisa de reserva não pode sobreviver à
conflagração. Quando o dólar se for os EUA não
poderão financiar o seu défice comercial. Portanto, as
importações cairão drasticamente, acrescentando-se assim
à inflação interna e, como os EUA são dependente de
energia importada, haverá rupturas nos transportes que provocarão
rupturas no trabalho e nas entregas aos armazéns.
O pânico estará na ordem do dia.
Será que as propriedades agrícolas serão atacadas?
Será que os aprisionados em cidades recorrerão a tumultos e
saqueio?
Será este o provável futuro que o "nosso" governo e as
"nossas patrióticas" corporações criaram para
nós?
Para tomar uma frase emprestada de Lenine: "O que fazer?"
Eis o que pode ser feito. As guerras, as quais não beneficiam
ninguém excepto o complexo militar-segurança e a expansão
territorial de Israel, podem ser imediatamente finalizadas. Isto reduziria o
défice do orçamento dos EUA em centenas de milhares de
milhões de dólares por ano. Mais centenas de milhares de
milhões de dólares podiam ser poupados cortando o resto do
orçamento militar, o qual na sua actual dimensão excede os
orçamentos somados de todas as potências militares sérias
sobre a terra.
O gasto militar dos EUA reflecte o insustentável, inatingível e
enlouquecido objectivo neoconservador do Império estado-unidense e da
hegemonia mundial. Quem louco em Washington pensa que a China vai financiar a
hegemonia dos EUA sobre a China?
O único meio de os EUA terem outra vez uma economia é trazerem de
volta os empregos deslocalizados. A perda destes empregos empobreceu americanos
enquanto produzia ganhos super-avantajados para a Wall Street, accionistas e
executivos corporativos. Estes empregos podem ser trazidos para a casa a que
pertencem tributando corporações de acordo com o lugar onde
é acrescentado valor ao seu produto. Se o valor aos seus bens e
serviços fosse acrescentado na China, as corporações
teriam uma taxa fiscal elevada. Se o valor aos seus bens e serviços
fosse acrescentado nos EUA, as corporações teriam uma taxa fiscal
baixa.
Esta mudança na tributação corporativa compensaria o
trabalho barato estrangeiro que tem sugado empregos para fora da América
e reconstruiria as escadas da mobilidade ascendente que fizeram da
América a sociedade da oportunidade.
Se as guerras não forem travadas imediatamente e os empregos trazidos de
volta para a América, os EUA estão relegados ao caixote de lixo
da história.
Obviamente, as corporações e a Wall Street utilizariam o seu
poder financeiro e as contribuições de campanha para bloquear
qualquer legislação que reduzisse rendimentos e bónus a
curto prazo ao trazer empregos de volta para americanos. Os americanos
não têm maiores inimigos do que a Wall Street, as
corporações e os seus prostitutos no Congresso e na Casa Branca.
Os neocons aliados com Israel, os quais controlam ambos os partidos e grande
parte dos media, viciados no ecstasy
[3]
do Império.
Os Estados Unidos e o bem-estar dos seus 300 milhões de habitantes
não podem ser restaurados a menos que os neocons, a Wall Street, as
corporações e os seus escravos servis no Congresso e na Casa
Branca possam ser derrotados.
Sem uma revolução, os americanos serão história.
16/Agosto/2010
[1] Banksters: A palavra vem de banqueiros+gangsters
[2] Wal-Mart e Neiman Marcus: cadeias de lojas para pobres e menos pobres,
respectivamente.
[3] Esctasy: Estupefaciente, methylenedioxymethamphetamine (MDMA). Foi
utilizado pela primeira vez em tratamentos psicoterapeuticos experimentais. Em
1985 foi tornado ilegal nos EUA.
Ver também:
O ano da dissolução da América
[*]
Foi editor do
Wall Street Journal
e secretário assistente do Tesouro dos
EUA. O seu último livro pode ser encomendado através deste
link:
How the Economy Was Lost
.
PaulCraigRoberts@yahoo.com
O original encontra-se em
http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=20650
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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