"Portugal está a ser assassinado, como muitos países do
terceiro mundo já foram"
por John Perkins
entrevistado por Sara Sanz Pinto
Em tempos consultor na empresa Chas. T. Main, John Perkins andou dez anos a
fazer o que não devia, convencendo países do terceiro mundo a
embarcar em projectos megalómanos, financiados com empréstimos
gigantescos de bancos do primeiro mundo. Um dia, estava nas Caraíbas,
percebeu que estava farto de negócios sujos e mudou de vida. Regressou a
Boston e, para compensar os estragos que tinha feito, decidiu usar os seus
conhecimentos para revelar ao mundo o jogo que se joga nos bastidores
financeiros.
Como se passa de assassino económico a activista?
Em primeiro lugar é preciso passar-se por uma forte mudança de
consciência e entender o papel que se andou a desempenhar. Levei algum
tempo a compreender tudo isto. Fui um assassino económico durante dez
anos e durante esse período achava que estava a agir bem. Foi o que me
ensinaram e o que ainda ensinam nas faculdades de Gestão: planear
grandes empréstimos para os países em desenvolvimento para
estimular as suas economias. Mas o que vi foi que os projectos que
estávamos a desenvolver, centrais hidroeléctricas, parques
industriais, e outras coisas semelhantes, estavam apenas a ajudar um grupo
muito restrito de pessoas ricas nesses países, bem como as nossas
próprias empresas, que estavam a ser pagas para os coordenar. Não
estávamos a ajudar a maioria das pessoas desses países porque
não tinham dinheiro para ter acesso à energia eléctrica,
nem podiam trabalhar em parques industriais, porque estes não
contratavam muitas pessoas. Ao mesmo tempo, essas pessoas estavam a tornar-se
escravos, porque o seu país estava cada mais afundado em dívidas.
E a economia, em vez de investir na educação, na saúde ou
noutras áreas sociais, tinha de pagar a dívida. E a dívida
nunca chega a ser paga na totalidade. No fim, o assassino económico
regressa ao país e diz-lhes "Uma vez que não conseguem pagar
o que nos devem, os vossos recursos, petróleo, ou o que quer que tenham,
vão ser vendidos a um preço muito baixo às nossas
empresas, sem quaisquer restrições sociais ou ambientais".
Ou então, "Vamos construir uma base militar na vossa terra". E
à medida que me fui apercebendo disto a minha consciência
começou a mudar. Assim que tomei a decisão de que tinha de largar
este emprego tudo foi mais fácil. E para diminuir o meu sentimento de
culpa senti que precisava de me tornar um activista para transformar este mundo
num local melhor, mais justo e sustentável através do
conhecimento que adquiri. Nessa altura a minha mulher e eu tivemos um
bebé. A minha filha nasceu em 1982 e costumava pensar como seria o mundo
quando ela fosse adulta, caso continuássemos neste caminho. Hoje
já tenho um neto de quatro anos, que é uma grande
inspiração para mim e me permite compreender a necessidade de
viver num sítio pacífico e sustentável.
Houve algum momento em particular em que tenha dito para si mesmo
"não posso fazer mais isto"?
Sim, houve. Fui de férias num pequeno veleiro e estive nas Ilhas
Virgens e nas Caraíbas. Numa dessas noites atraquei o barco e subi
às ruínas de uma antiga plantação de
cana-de-açúcar. O sítio era lindo, estava completamente
sozinho, rodeado de buganvílias, a olhar para um maravilhoso
pôr-do-sol sobre as Caraíbas e sentia-me muito feliz. Mas de
repente cheguei à conclusão que esta antiga
plantação tinha sido construída sobre os ossos de milhares
de escravos. E depois pensei como todo o hemisfério onde vivo foi
erguido sobre os ossos de milhões de escravos. E tive também de
admitir para mim mesmo que também eu era um esclavagista, porque o mundo
que estava a construir, como assassino económico, consistia,
basicamente, em escravizar pessoas em todo o mundo. E foi nesse preciso momento
que me decidi a nunca mais voltar a fazê-lo. Regressei à sede da
empresa onde trabalhava em Boston e demiti-me.
E qual foi a reacção deles?
De início ninguém acreditou em mim. Mas quando se aperceberam de
que estava determinado tentaram demover-me. Fizeram-me propostas muito
interessantes. Mas fui-me embora à mesma e deixei por completo de me
envolver naquele tipo de negócios.
Diz que os assassinos económicos são profissionais altamente bem
pagos que enganam os países subdesenvolvidos, recorrendo a armas como
subornos, relatórios falsificados, extorsões, sexo e
assassinatos. Pode explicar às pessoas que não leram o seu livro
como tudo isto funciona?
Basicamente, aquilo que fazíamos era escolher um país, por
exemplo a Indonésia, que na década de 70 achávamos que
tinha muito petróleo do bom. Não tínhamos a certeza, mas
pensávamos que sim. E também sabíamos que estávamos
a perder a guerra no Vietname e acreditávamos no efeito dominó,
ou seja, se o Vietname caísse nas mãos dos comunistas, a
Indonésia e outros países iriam a seguir. Também
sabíamos que a Indonésia tinha a maior população
muçulmana do mundo e que estava prestes a aliar-se à União
Soviética, e por isso queríamos trazer o país para o nosso
lado. Fui à Indonésia no meu primeiro serviço e convenci o
governo do país a pedir um enorme empréstimo ao Banco Mundial e a
outros bancos, para construir o seu sistema eléctrico, centrais de
energia e de transmissão e distribuição. Projectos
gigantescos de produção de energia que de forma alguma ajudaram
as pessoas pobres, porque estas não tinham dinheiro para pagar a
electricidade, mas favoreceram muito os donos das empresas e os bancos e
trouxeram a Indonésia para o nosso lado. Ao mesmo tempo, deixaram o
país profundamente endividado, com uma dívida que, para ser
refinanciada pelo Fundo Monetário Internacional, obrigou o governo a
deixar as nossas empresas comprarem as empresas de serviços
básicos de utilidade pública, as empresas de electricidade e de
água, construir bases militares no seu território, entre outras
coisas. Também acordámos algumas condicionantes, que garantiam
que a Indonésia se mantinha do nosso lado, em vez de se virar para a
União Soviética ou para outro país que hoje em dia seria
provavelmente a China.
Trabalhou de muito perto com o Banco Mundial?
Muito, muito perto. Muito do dinheiro que tínhamos vinha do Banco
Mundial ou de uma coligação de bancos que era, geralmente,
liderada pelo Banco Mundial.
Sugere no seu livro que os líderes do Equador e do Panamá foram
assassinados pelos Estados Unidos. No entanto, existem vários
historiadores que defendem que isso não é verdade. O que acha que
aconteceu com Jaime Roldós e Omar Torrijos?
Não existem provas sólidas quer do que aconteceu no Equador, com
Roldós, quer do que se passou no Panamá, com Torrijos.
Porém, existem muitas provas circunstanciais. Por exemplo, Roldós
foi o primeiro a morrer, num desastre de avião em Maio de 1981, e a
área do acidente foi vedada, ninguém podia ir ao local onde o
avião se despenhou, excepto militares norte-americanos ou membros do
governo local por eles designados. Nem a polícia podia lá entrar.
Algumas testemunhas-chave do desastre morreram em acidentes estranhos antes de
serem chamadas a depor. Um dos motores do avião foi enviado para a
Suíça e os exames mostram que parou de funcionar quando estava
ainda no ar e não ao chocar contra a montanha. Isto é, existem
provas circunstanciais tremendas em torno desta morte, e além disso
todos estavam à espera que Jaime Roldós fosse derrubado ou
assassinado porque não estava a jogar o nosso jogo. Logo depois de o seu
avião se ter despenhado, Omar Torrijos juntou a família toda e
disse: "O meu amigo Jaime foi assassinado e eu vou ser o próximo,
mas não se preocupem, alcancei os objectivos que queria alcançar,
negociei com sucesso os tratados do canal com Jimmy Carter e esse canal
pertence agora ao povo do Panamá, tal como deve ser. Por isso, depois de
eu ser assassinado, devem sentir-se bem por tudo aquilo que conquistei." A
verdade é que os EUA, a CIA e pessoas como o Henry Kissinger admitiram
que o nosso país tinha derrubado Salvador Allende, no Chile; Jacobo
Arbenz, na Guatemala; Mohammed Mossadegh, no Irão; participámos
no afastamento de Patrice Lumumba, no Congo; de Ngô Dinh Diem, no
Vietname. Existem inúmeros documentos sobre a história dos EUA
que provam que fizemos estas coisas e continuamos a fazê-las. Sabe-se que
estivemos profundamente envolvidos, em 2009, no derrube no presidente Manuel
Zelaya, nas Honduras, e na tentativa de afastar Rafael Correa, no Equador,
também há não muito tempo. Os EUA admitiram muitas destas
coisas e pensar que eles não estiveram envolvidos nos homicídios
de Roldós e Torrijos... Estes dois homens foram assassinados quase da
mesma forma, num espaço de três meses. Ambos tinham
posições contrárias aos EUA e às suas empresas e
estavam a assumir posições fortes para defender os seus povos
é pouco razoável pensar o contrário.
Algumas pessoas acusam-no de ser um teórico da
conspiração. O que tem a dizer sobre isso?
Bem, não sou, de modo nenhum, um teórico da
conspiração. Não acredito que exista uma pessoa ou um
grupo de pessoas sentadas no topo a tomar todas as decisões. Mas torno
muito claro no meu último livro, "Hoodwinked" (2009), e
também em "Confessions of an Economic Hit Man" (2004)
editado em Portugal pela Pergaminho em 2007 com o título
"Confissões de Um Mercenário Económico: a Face Oculta do Imperialismo Americano"
, que as multinacionais são movidas por um único objectivo
que é maximizar os lucros, independentemente das consequências
sociais e ambientais. Estes últimos são novos objectivos que
não eram ensinados quando estudei Gestão, no final dos anos 60.
Ensinaram-me que havia apenas este objectivo entre muitos outros, por exemplo
tratar bem os funcionários, dar-lhes uma boa assistência na
saúde e na reforma, ter boas relações com os clientes e os
fornecedores, e também ser um bom cidadão, pagar impostos e fazer
mais que isso, ajudar a construir escolas e bibliotecas. Tudo se agravou nos
anos 70, quando Milton Friedman, da escola de economia de Chicago, veio dizer
que a única responsabilidade no mundo dos negócios era maximizar
os lucros, independentemente dos custos sociais e ambientais. E Ronald Reagan,
Margaret Thatcher e muitos outros líderes mundiais convenceram-se disso
desde então. Todas estas empresas são orientadas segundo este
objectivo e quando alguma coisa o ameaça, seja um acordo de
comércio multilateral seja outra coisa qualquer, juntam--se para
garantir que o mesmo é protegido. Isto não é uma
conspiração, uma conspiração é ilegal, isto
que fazem não é. No entanto, é extremamente prejudicial
para a economia mundial.
Também escreveu que o objectivo último dos EUA é construir
um império global. Como vê a recente estratégia
norte-americana contra a China e o Irão?
Actualmente, podemos dizer que o novo império não é tanto
americano como formado por multinacionais. Penso que a ditadura das grandes
empresas e dos seus líderes forma hoje a versão moderna desse
império. Repito, isto não é uma conspiração,
mas todos eles são movidos por esse objectivo de que falámos
anteriormente.
Mas vários especialistas defendem que estamos num cenário de
terceira guerra mundial, com a China, a Rússia e o Irão de um
lado e os EUA, a União Europeia (UE) e Israel do outro. E que toda a
conversa de Washington em torno do programa nuclear iraniano não passa
de uma grande mentira.
Não acredito que todo este conflito seja motivado por armas nucleares.
Na verdade, vários estudos recentes, alguns deles das mais respeitadas
agências de informações norte-americanas, mostram que
não existem armas nucleares no Irão. E acredito que tudo isto
não se deve apenas aos recursos iranianos mas também à
ameaça de Teerão de vender petróleo no mercado
internacional numa moeda que não o dólar, uma ameaça
também feita por Muammar Kadhafi, na Líbia, e Saddam Hussein, no
Iraque. Os norte-americanos não gostam que ameacem o dólar e
não gostam que ameacem o seu sistema bancário, algo que todos
esses líderes fizeram o líder do Irão, o
líder do Iraque, o líder da Líbia. Derrubaram dois deles e
o terceiro ainda lá está. Penso que é disto que se trata.
Não tenho dúvidas de que a Rússia está a gostar de
ver a agitação entre a UE e o Irão, porque Moscovo tem
muito petróleo e, se os fornecedores iranianos deixarem de vender, o
preço do petróleo vai subir, o que será uma grande ajuda
para a Rússia. É difícil acreditar que qualquer destes
países queira mesmo entrar numa terceira guerra mundial. No fundo, o que
querem é estar constantemente a confundir as pessoas, parecendo que
querem entrar em conflito e ajudar a alimentar as máquinas de guerra,
porque isso ajuda uma série de grandes empresas.
Como durante a Guerra-fria?
Sim, como durante a Guerra-fria, porque isso é bom para os
negócios. No fundo, estes países estão todos a servir os
interesses das grandes empresas. Há algumas centenas de anos, a
geopolítica era maioritariamente liderada por organizações
religiosas; depois os governos assumiram esse poder. Agora chegámos
à fase em que a geopolítica é conduzida em primeiro lugar
pelas grandes multinacionais. E elas controlam mesmo os governos de todos os
países importantes, incluindo a Rússia, a China e os EUA. A
economia da China nunca poderia ter crescido da forma que cresceu se não
tivesse estabelecido fortes parcerias com grandes multinacionais. E todos estes
países são muito dependentes destas empresas, dos presidentes
destas empresas, que gostam de baralhar as pessoas, porque constroem muitos
mísseis e todo o tipo de armas de guerra. É uma economia gigante.
A economia norte-americana está mais baseada nas forças armadas
que noutra coisa qualquer. Representa a maior fatia do nosso orçamento
oficial e uma parte maior ainda do nosso orçamento não oficial.
Por isso tanto a guerra como a ameaça de guerra são muito boas
para as grandes multinacionais. Mas não acredito que haja alguém
que nos queira ver de facto entrar em guerra, dada a natureza das armas. Penso
que todas as pessoas sabem que seria extremamente destrutivo.
Como avalia o trabalho de Barack Obama enquanto presidente dos EUA?
Penso que se esforçou muito por agir bem, mas está numa
posição extremamente vulnerável. Assim que alguém
entra na Casa Branca, sejam quais forem as suas ideias políticas, os
seus motivos ou a sua consciência, sabe que é muito
vulnerável e que o presidente dos EUA, ou de outro país
importante, pode ser facilmente afastado. Nalgumas partes do mundo, como a
Líbia ou o Irão, talvez só com balas o seu poder possa ser
derrubado, mas em países como os EUA um líder pode ser afastado
por um rumor ou uma acusação. O presidente do FMI, Dominique
Strauss-Kahn, vê a sua carreira destruída por uma empregada de
quarto de um hotel, que o acusou de violação, foi um aviso muito
forte a Obama e a outros líderes mundiais. Não estou a defender
Strauss-Kahn não faço a mínima ideia de qual
é a verdade por trás do que aconteceu, mas o que sei é que
bastou uma acusação de uma empregada de quarto para destruir a
sua carreira, não só como director do FMI mas também como
potencial presidente francês. Bill Clinton também foi afastado por
um escândalo sexual, mas no tempo de John Kennedy estas coisas não
derrubavam presidentes. Só as balas. Porém, descobrimos com Bill
Clinton que um escândalo sexual e não é preciso ser
uma coisa muito excitante, porque aparentemente ele nem sequer teve sexo com a
Monica Lewinsky, fizeram uma coisa qualquer com um charuto que já
não me lembro foi o suficiente para o descredibilizar. Por isso
Obama está numa posição muito vulnerável e tem de
jogar o jogo e fazer o melhor que pode dentro dessas limitações.
Caso contrário, será destruído.
No fim do ano passado escreveu um artigo onde afirmava que a Grécia
estava a ser atacada por assassinos económicos. Acha que Portugal
está na mesma situação?
Sim, absolutamente, tal como aconteceu com a Islândia, a Irlanda, a
Itália ou a Grécia. Estas técnicas já se revelaram
eficazes no terceiro mundo, em países da América Latina, de
África e zonas da Ásia, e agora estão a ser usadas com
êxito contra países como Portugal. E também estão a
ser usadas fortemente nos EUA contra os cidadãos e é por isso que
temos o movimento Occupy. Mas a boa notícia é que as pessoas em
todo o mundo estão a começar a compreender como tudo isto
funciona. Estamos a ficar mais conscientes. As pessoas na Grécia
reagiram, na Rússia manifestam-se contra Putin, os latino-americanos
mudaram o seu subcontinente na última década ao escolher
presidentes que lutam contra a ditadura das grandes empresas. Dez
países, todos eles liderados por ditadores brutais durante grande parte
da minha vida, têm agora líderes democraticamente eleitos com uma
forte atitude contra a exploração. Por isso encorajo as pessoas
de Portugal a lutar pela sua paz, a participar no seu futuro e a compreender
que estão a ser enganadas. O vosso país está a ser
saqueado por barões ladrões, tal como os EUA e grande parte do
mundo foi roubado. E nós, as pessoas de todo o mundo, temos de nos
revoltar contra os seus interesses. E esta revolução não
exige violência armada, como as revoluções anteriores,
porque não estamos a lutar contra os governos mas contra as empresas. E
precisamos de entender que são muito dependentes de nós,
são vulneráveis, e apenas existem e prosperam porque nós
lhes compramos os seus produtos e serviços. Assim, quando nos
manifestamos contra elas, quando as boicotamos, quando nos recusamos a comprar
os seus produtos e enviamos emails a exigir-lhes que mudem e se tornem mais
responsáveis em termos sociais e ambientais, isso tem um enorme impacto.
E podemos mudar o mundo com estas atitudes e de uma forma relativamente
pacífica.
Mas as próprias empresas deviam ver que a ditadura das multinacionais
é um beco sem saída.
Bem, penso que está absolutamente certa. Há alguns meses estive
a falar numa conferência para 4 mil CEO da indústria das
telecomunicações em Istambul e vou regressar lá, dentro de
um mês, para uma outra conferência de CEO e CFO de grandes empresas
comerciais, e digo-lhes a mesma coisa. Falo muitas vezes com
directores-executivos de empresas e sou muitas vezes chamado a dar palestras em
universidades de gestão ou para empresários e também lhes
digo o mesmo. Aquilo que fizemos com esta economia mundial foi um fracasso.
Não há dúvida. Um exemplo disso: 5% da
população mundial vive nos EUA e, no entanto, consumimos cerca de
30% dos recursos mundiais, enquanto metade do mundo morre à fome ou
está perto disso. Isto é um fracasso. Não é um
modelo que possa ser replicado em Portugal, ou na China ou em qualquer lado.
Seriam precisos mais cinco planetas sem pessoas para o podermos copiar. Estes
países podem até querer reproduzi-lo, mas não
conseguiriam. Por isso é um modelo falhado e você tem
razão, porque vai acabar por se desmoronar. Por isso o desafio é
como mudamos isto e como apelar às grandes empresas para fazerem estas
mudanças. Obrigando-as e convencendo-as a ser mais sustentáveis
em termos sociais e ambientais. Porque estas empresas somos basicamente
nós, a maioria de nós trabalha para elas e todos compramos os
seus produtos e serviços. Temos um enorme poder sobre elas. Por
definição, uma espécie que não é
sustentável extingue-se. Vivemos num sistema falhado e temos de criar um
novo. O problema é que a maior parte dos executivos só pensa a
curto prazo, não estão preocupados com o tipo de planeta que os
seus filhos e os seus netos vão herdar.
Podemos afirmar que esta crise mundial foi provocada por assassinos
económicos e rotular os líderes da troika como serial killers?
Penso que é justo dizer que os assassinos económicos são
os homens de mão, nós, os soldados, e os presidentes das grandes
multinacionais e de organizações como o Banco Mundial, o FMI ou
Wall Street, os generais.
Ainda há dias o
Financial Times
divulgou que os gestores financeiros de Wall Street andavam a tomar
testosterona para se tornarem ainda mais competitivos. Isto faz parte do beco
sem saída de que está a falar?
A sério?! Ainda não tinha ouvido isso, mas não me
surpreende nada. No entanto, aquilo que precisamos hoje em dia é de um
lado feminino, temos de caminhar na direcção oposta e livrar-nos
dessa testosterona. Precisamos de mais líderes mulheres, mulheres reais
não homens vestidos com roupas de mulher, por assim dizer
para trazerem com elas os valores de receptividade e do apoio e encorajarem os
homens a cultivar isso neles próprios. Nós, homens, temos de
estar muito mais ligados ao nosso lado feminino.
Se fôssemos apresentar esta crise económica à
polícia, quem seriam os criminosos a acusar?
Pense em qualquer grande multinacional e à frente dessa multinacional
estará alguém responsável pela ditadura empresarial, seja
a Goldman Sachs, em Wall Street, seja a Shell, a Monsanto ou a Nike. Todos os
líderes dessas empresas estão profundamente envolvidos em tudo
isto e, da mesma forma, estão os líderes do FMI, do Banco Mundial
e de outras grandes instituições bancárias. Detesto estar
a dar nomes, estas pessoas estão sempre a mudar de emprego, por isso
prefiro apontar os cargos. Eles estão sempre em rotação,
por exemplo, o nosso antigo presidente, George W. Bush, veio da
indústria petrolífera. A sua secretária de Estado,
Condoleezza Rice, também veio da indústria petrolífera.
Já Obama tem a sua política financeira concebida por Wall Street,
maioritariamente pela Goldman Sachs. Mudaram-se da empresa para a actual
administração norte-americana. A sua política de
agricultura é feita por pessoas da Monsanto e de outras grandes empresas
do sector. E a parte triste é que assim que o seu tempo expirar em
Washington voltam para essas empresas. Vivemos num sistema incrivelmente
corrupto. Aquilo a que chamamos política das portas giratórias
é só uma outra designação de
corrupção extrema.