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							O sistema do dólar e a realidade económica dos EUA no pós
							guerra
						
								
									por F. William Engdahl
									[*]
								
							 
							É comumente aceite que os Estados Unidos, apesar dos recentes problemas,
							são ainda a principal locomotiva na promoção do
							crescimento da economia mundial, e o pilar do sistema global. Mas o que se
							passaria se descobríssemos que, em vez de ser o pilar, os Estados Unidos
							eram, na realidade, o coração de um sistema económico
							disfuncional, que está propagando a instabilidade, o desemprego, e uma
							recessão económica global?
							[1] Este artigo é anterior ao afastamento de Greenspan do banco central
								dos EUA. Conferencia proferida em Feldkirch, na Áustria, em
								Setembro de 2003
 Nenhuma outra nação no mundo consegue sequer aproximar-se da
							superioridade dos EUA em termos de bombas inteligentes, tecnologia militar ou
							simplesmente em capacidade bélica. A posição dos EUA no
							mundo desde 1945, e especialmente desde 1971, apoiou-se em dois pilares: na sua
							superioridade militar sobre todos os outros países, e no papel do
							dólar como moeda de reserva mundial. No entanto o dólar
							representa hoje o calcanhar de Aquiles da hegemonia americana.
 
 Em meu entender, o mundo entrou, desde o colapso da bolha do mercado de
							valores EUA em 2001, numa fase nova e altamente perigosa. Estou a referir-me
							aos fundamentos insustentáveis que têm suportado o sistema do
							dólar. Mas o que é o sistema do dólar?
 
 Como funciona o sistema do dólar
 
 Depois de 1945, os EUA emergiram da segunda guerra mundial como o país
							com as maiores reservas de ouro do mundo, com a maior capacidade industrial, e
							com um excesso de dólares apoiado por ouro. Durante a guerra-fria nos
							anos 50 e 60, os EUA podiam ser generosos com os aliados, como a Alemanha e o
							Japão, podiam permitir que as economias da Ásia e da Europa
							Ocidental florescessem para contenção do comunismo. Com a
							abertura dos EUA às importações do Japão e da
							Alemanha Ocidental, foi possível alcançar a estabilidade. Mas o
							mais importante é que se construiu uma estreita zona de comércio
							que trabalhava sempre, primeiro, em benefício dos EUA.
 
 Este funcionamento do sistema manteve-se até finais dos anos 60, quando
							a dispendiosa guerra de Vietname drenou as reservas de ouro dos EUA. Em 1968
							essa drenagem atingiu níveis de tal maneira críticos, que os
							bancos centrais estrangeiros que possuíam dólares, temendo que o
							défice americano convertesse os seus dólares em nada, preferiram
							antes o ouro que os suportava.
 
 Em Agosto de 1971, Nixon rompeu finalmente o acordo de Bretton Woods, e
							recusou resgatar dólares por ouro, dado que não tinha ouro
							suficiente para entregar. Isto levou ao início da fase mais importante
							da história económica mundial. Depois de 1971 o dólar
							deixou então de estar indexado a uma onça de ouro, isto é,
							a algo que fosse mensurável, mas sim às impressoras da Tesouro e
							da Reserva Federal dos EUA.
 
 O dólar passou a ser então uma moeda política. Temos
							"confiança" nos EUA como o defensor do mundo livre? Num
							primeiro momento Washington não se apercebeu da arma que tinha criado
							depois de ter rompido com o ouro. Simplesmente reagiu por necessidade, pois as
							suas reservas de ouro estavam perigosamente baixas. Fez valer o seu papel como
							pilar na NATO e na segurança de mundo livre, para pedir aos seus aliados
							que continuassem a aceitar os seus dólares como faziam antes.
 
 As moedas flutuaram para cima e para baixo contra o dólar. Os mercados
							financeiros foram lentamente liberalizados. Foram levantados os controlos. Foi
							permitida a banca em paraísos fiscais com fundos de investimento e
							produtos financeiros derivados sem regulação. Todas estas
							mudanças tiveram a sua origem em Washington em coordenação
							com os bancos de Nova Iorque.
 
 O paradoxo da dívida do dólar
 
 O que ficou logo claro para os círculos da Tesouro e Reserva Federal dos
							EUA depois de 1971, foi que passavam a ter a possibilidade de exercer mais
							influência global por via da dívida, dívida do Tesouro,
							coisa que nunca foi possível fazer através dos excedentes
							comerciais. A dívida de uma pessoa é o crédito de outra. E
							como todos os produtos chave, de entre todos eles o petróleo, são
							comercializados globalmente em dólares, a procura de dólares
							continuaria, apesar de os EUA virem a criar mais dólares que a sua
							própria economia pudesse justificar.
 
 Desta maneira, os seus sócios comerciais acumularam tantos
							dólares que temeram criar uma crise do dólar. Pelo
							contrário, foram acumulando sistematicamente até ao presente,
							acabando assim por enfraquecer as suas economias pelo seu apoio ao sistema do
							dólar, temendo não já aquela crise, mas sim um colapso
							global. O primeiro choque aconteceu em 1973 com o aumento do preço do
							petróleo em 400%. As economias da Alemanha, do Japão e de todo o
							mundo foram devastados e o desemprego aumentou. No entanto o dólar
							ganhou.
 
 Temos testemunhado desde 1971, tanto na Europa como no resto do mundo, que o
							sistema do dólar é a verdadeira fonte de inflação
							global. Entre 1945 e 1965, a provisão total de dólares cresceu
							apenas uns 55%. Esses foram os anos dourados de crescimento estável e
							baixa inflação. Depois do rompimento de Nixon com ouro, entre
							1970 e 2001, os dólares expandiram-se acima de 2.000%!
 
 O dólar é ainda a única moeda de reserva global. Isto
							significa que os outros bancos centrais têm necessidade de possuir
							dólares como reserva para conseguir resistir às crises
							monetárias, para apoiar o seu comércio externo e para financiar
							as importações de petróleo, entre muitas outras coisas.
							Hoje, cerca de 67% de todas as reservas dos bancos centrais são
							dólares. O ouro representa apenas uma pequena parcela, e os euros
							aproximadamente 15%. Até à criação do euro
							não havia nenhum rival teórico do dólar como moeda de
							reserva.
 
 Mas o que é pouco conhecido é a ligação que existe
							entre o défice comercial dos EUA e o sistema do dólar. Os Estados
							Unidos seguiram uma política deliberada de défices comerciais e
							défices orçamentais durante a maior parte das últimas duas
							décadas, denominada de "negligência benigna", na
							realidade com o objectivo de fazer depender o resto do mundo do sistema
							monetário norte-americano. Pois enquanto todo o mundo aceita os
							dólares como dinheiro com valor, os EUA ficam com a vantagem de ter a
							exclusividade de imprimirem todos os dólares. O truque consiste em
							conseguir que o mundo aceite esta situação. A história dos
							últimos 30 anos explica como é que esta estrutura se foi montando
							com a ajuda da OMC, do FMI, do Banco Mundial e de George Soros para nomear
							apenas alguns.
 
 Na realidade verificou-se a evolução de um mecanismo mais
							efectivo do que o conseguido com a utilização do
							padrão-ouro pelo império britânico na Índia e nas
							restantes colónias. Enquanto os EUA mantiverem a sua hegemonia militar
							exclusiva, o mundo continuará a aceitar os inflacionados dólares
							dos EUA como pagamento para os seus bens. Os países em desenvolvimento
							como a Argentina, o Congo ou a Zâmbia, são forçados a
							adquirir dólares para defender as suas moedas e conseguir assim a
							aprovação do FMI na obtenção de empréstimos.
							As nações industriais são forçadas a ganhar
							dólares para defender as suas próprias moedas correntes. O
							objectivo principal das decisões económicas, financeiras e
							políticas dos EUA, não foi outro senão de manter o papel
							único do dólar na economia mundial. Não é por acaso
							que o maior centro financeiro do mundo é Nova Iorque. É o
							núcleo do sistema global do dólar.
 
 O sistema funciona da seguinte maneira: Uma companhia alemã, digamos a
							BMW, consegue dólares com as suas vendas de carros nos EUA. Deposita os
							dólares no Bundesbank ou no Banco Central Europeu em troca de marcos ou
							euros que possa usar no seu mercado local.
 
 É desta forma que o banco central alemão constrói as suas
							reservas monetárias em dólares. Desde as crises
							petrolíferas dos anos setenta, que a necessidade de ter dólares
							para importar petróleo passou a ser uma política de
							segurança nacional para a maioria dos países, a Alemanha
							incluída. A exportação a troco de dólares passou a
							ser um objectivo nacional. Mas a partir da data em que o Bundesbank deixou de
							trocar os seus dólares por ouro, colocou-se a questão do que
							fazer com a montanha de dólares conseguida com o seu comércio.
							Então decidiram que no mínimo deviam comprar títulos do
							Tesouro dos EUA, um investimento seguro e fiável, para ganhar o
							correspondente à taxa de juro. Assim, na medida em que os EUA aumentavam
							um défice orçamental, tinham mais títulos para serem
							comprados.
 
 Hoje em dia, a maioria dos bancos centrais estrangeiros têm
							títulos do Tesouro dos EUA ou activos similares deste país, como
							parte das suas "reservas monetárias". Estima-se que possuam
							entre 1.000 mil milhões e 1.500 mil milhões de dólares em
							dívida do governo dos EUA. É precisamente aqui que se encontra a
							perversidade deste sistema. Com efeito, a economia dos EUA está viciada
							no empréstimo estrangeiro, tal qual como um viciado em drogas. Na
							realidade só com o financiamento do consumo é possível
							poder gozar um nível de vida muito mais elevado do que poderia ter a
							partir das suas próprias poupanças. Os EUA vivem à custa
							do dinheiro que lhes é emprestado pelo resto do mundo, mas sempre
							através do sistema do dólar. Assim desta forma, os trabalhadores
							alemães fabricam carros da BMW e, se o seu banco central usar os
							dólares para comprar títulos dos EUA, entregam esses carros aos
							americanos a troco de nada.
 
 Actualmente o défice comercial americano cresceu até uns
							inacreditáveis 500 mil milhões de dólares, mas apesar
							disso o dólar não entra em colapso. Porquê? Só em
							Maio e Junho últimos, o Banco da China e Banco do Japão compraram
							conjuntamente 100 mil milhões em títulos do Tesouro dos EUA e
							doutros tipos de dívida do governo! E isto aconteceu apesar de o valor
							destes títulos estar em queda. Simplesmente tiveram esta
							opção para salvar as suas exportações manipulando o
							yen contra o dólar para prevenir a sua revalorização.
 
 Devido ao facto de o sistema mundial de pagamentos, e mais importante ainda, do
							mercado de capitais mundial  acções, títulos e
							derivados  ser em dólares, o dólar acaba por subjugar as
							restantes moedas. O Banco Central Europeu poderia oferecer uma alternativa, mas
							não tem qualquer possibilidade de conseguir isso. Simplesmente reage a
							um mundo dominado pelo dólar. Os bancos alemães destroem a
							economia alemã no seu ímpeto para imitar bancos dos EUA. O
							sistema do dólar está a destruir a base industrial alemã.
							A política económica nacional alemã, juntamente com o
							Bundesbank antes, e agora a política do Banco Central Europeu,
							está orientada em grande parte para o reduzido sector de
							exportação no sentido de maximizar os superávites
							comerciais em dólares, e por outro lado, a grande banca está
							orientada para atrair tantos dólares quanto seja possível.
 
 A China assume hoje em dia um papel fundamental
 
 A China é o país que possui, na actualidade, o maior
							superávite de dólares. A globalização é, na
							realidade, a palavra chave para o domínio do dólar. O yuan
							Chinês está indexado ao dólar. Os EUA estão a ser
							invadidos com produtos chineses baratos, correntemente ali fabricados por
							multinacionais americanas. Hoje, a China detém o maior excedente
							comercial com os EUA, mais de 100 mil milhões de dólares por ano.
							O Japão é o segundo, com 70 mil milhões. O Canadá
							com 48 mil milhões, o México com 37 mil milhões e, a
							Alemanha com 36 mil milhões ocupa a quinta posição dos
							países com os quais os EUA sustentam o seu défice. Todos eles
							somam quase 300 mil milhões do défice colossal de 480 mil
							milhões em 2002. Isto sugere uma interpretação para as
							prioridades da política externa americana.
 
 O que é mais perverso neste sistema é o facto de Washington ter
							tido êxito em conseguir que os países com excedentes comerciais
							invistam as suas próprias poupanças nos EUA, transformando-se em
							credores deste país ao comprar títulos do Tesouro. Países
							asiáticos como a Indonésia, exportam capital para os EUA, em vez
							de ser ao contrário.
 
 O Tesouro dos EUA e Greenspan 
							[1]
							, estão convencidos de que os seus sócios comerciais sempre se
							sentirão forçados a comprar mais dívida americana, para
							evitar o colapso do sistema monetário global, tal como sucedeu
							recentemente em 1998, com a suspensão de pagamentos da Rússia, e
							com a crise dos fundos de investimento LTCM (Long-Term Capital Management).
 
 Os funcionários do Tesouro aprenderam a ser mestres na arte de aplicar
							"uma de cal e outra de areia". O secretário do Tesouro, Snow,
							serviu-se de um golpe táctico, quando permitiu que o dólar
							colapsasse depois do início da guerra do Iraque, advertindo a Alemanha
							do risco de se aproximar muito da França com o euro. Algumas semanas
							depois, o dólar caiu abruptamente e a indústria exportadora
							alemã ressentiu-se fortemente. Snow fez marcha atrás na sua
							decisão, e o dólar estabilizou. Agora o dólar aparece de
							novo, como a moeda estrangeira mais fluente nesse país.
 
 Mas a dívida deve ser paga? Poderá pagar-se sempre? Os bancos
							centrais continuam a comprar nova dívida para pagamento da dívida
							anterior. A dívida dos EUA representa assim os activos do resto do
							mundo, activos que são a base dos seus sistemas de crédito.
 
 A segunda base de sustentação do dólar, tem a ver com a
							dívida dos países pobres. Aqui, a influência dos EUA
							é estratégica, uma vez que possui o controlo das
							instituições multilaterais financeiras como o Banco Mundial, o
							FMI e a OMC. Países como o Brasil, Argentina ou Indonésia,
							vêm-se obrigados a desvalorizar as suas moedas face ao dólar, a
							privatizar as indústrias chave estatais e a cortar os subsídios,
							com o único objectivo de pagar as suas dívidas, na maioria dos
							casos, a bancos privados americanos. E quando estes países resistem a
							vender os seus melhores activos são apelidados publicamente de
							corruptos. O crescimento dos paraísos fiscais nas ilhas do Caribe, para
							além de constituir parte do circuito de branqueamento dos dinheiros da
							droga, é também uma consequência directa das
							decisões que se tomaram em Washington nos 70, e posteriormente, para
							desregulamentar os mercados financeiros e os bancos. Enquanto for o
							dólar a moeda global, quem ganha são os EUA ou, no mínimo,
							os seus grandes bancos.
 
 Este é o tipo de imperialismo do dólar, muito mais refinado do
							que alguma vez foi possível imaginar nos tempos do império
							britânico. Esta é uma parte não mencionada nos debates
							acerca do "império" americano. Em lugar de investir nas
							colónias, como fez a Inglaterra, os EUA tiram benefício do
							comércio, uma vez que o dinheiro dos estados clientes, retorna à
							economia americana. O problema é que Washington permitiu este perverso
							sistema, deixando-o fora de qualquer controlo, até ao ponto de
							ameaçar arrastar o mundo inteiro para o colapso. O mundo poderia ser
							hoje muito menos instável se os EUA tivessem tido políticas de
							longo prazo, investindo no crescimento económico e na
							auto-suficiência de países como a Argentina e o Congo, em vez de
							os sangrar com a devolução das suas dívidas
							impagáveis em dólares.
 
 A bomba da dívida interna dos EUA
 
 A pergunta a fazer é se o sistema do dólar está a
							alcançar os seus limites? Nos últimos 30 anos, este sistema
							organizou-se à base de uma crescente dívida em dólares.
							Que poderia acontecer se o resto do mundo decidisse não entregar as suas
							poupanças ao Tesouro dos EUA, para o financiamento do seu défice
							ou das suas guerras? Que poderia acontecer se a China, o Japão ou a
							Rússia, decidissem diversificar o seu risco, comprando dívida em
							euros? Esse dia chegará mais cedo do que se possa pensar.
 
 Para além da colossal dívida para com o resto do mundo, o peso da
							dívida interna dos EUA atingiu níveis alarmantes nas três
							últimas décadas, especialmente na última.
 
 A dívida dos EUA, tanto pública como privada, mais do que
							duplicou desde 1995. Neste momento, oficialmente, é da ordem de 34.000
							mil milhões de dólares, quando em 1995, era de 16.000 mil
							milhões e em 1985 era de "somente" de 7.000 mil
							milhões. Mas o mais alarmante é que a dívida cresceu mais
							rápido que o crescimento dos rendimentos para a poder pagar, ou do PIB.
 
 A situação provocada pela dívida dos EUA estalou a partir
							da crise asiática de 1997. O motivo central desta explosão tem
							origem no consumo privado, e a razão fundamental é o crescimento
							da dívida hipotecária ajudada pelas duas agências
							semi-governamentais conhecidas por Fannie Mae e Freddie Mac. Após o ano
							de 2001 e do colapso da exuberância do mercado de acções, a
							Reserva Federal baixou a taxa de juro 13 vezes até atingir o
							mínimo histórico dos últimos 45 anos.
 
 As famílias americanas endividaram-se com novos créditos
							hipotecários nos primeiros seis meses deste ano, com um crescimento
							anual de 700 mil milhões, tendo duplicado assim o crescimento da
							dívida em relação ao ano de 2000. Como consequência,
							a totalidade do crédito hipotecário dos EUA situa-se muito perto
							dos 5.000 mil milhões. Uma dívida duas vezes maior do que em
							1996, e que cresceu com um ritmo superior aos rendimentos pessoais "per
							capita". Esta dívida é superior ao PIB da maioria das
							nações.
 
 O objectivo foi o de inflacionar a especulação no mercado
							imobiliário, para que a economia não parasse. Esta
							política teve como resultado terem sido alcançados níveis
							assombrosos de dívida, dado que foi facilitada pelas taxas de juros
							historicamente baixas. Mas quando os juros voltarem a subir, milhões de
							americanos vão deparar-se com uma situação
							insustentável, sobretudo se o desemprego crescer. Fannie Mae e Freddie
							Mac asseguram ambos 3.000 mil milhões de dólares em
							créditos hipotecários dos EUA. O sistema bancário
							americano detém a maioria das hipotecas. Quando a bolha
							imobiliária rebentar, encontrar-nos-emos com uma nova crise
							bancária, programada também de antemão, com os bancos JP
							Morgan/Chase, Wells Fargo e o Bank of América, como os maus da fita.
 
 Desde o colapso do mercado de valores há três anos atrás,
							que a economia americana tem sido conduzida com a única
							intenção de evitar uma recessão severa, através do
							volume recorde do crédito ao consumo. "Shop until you drop"
							(consome até desfaleceres) é uma expressão popular
							americana. A Reserva Federal pressionou a baixa dos juros até a uma taxa
							de 1%, a mais baixa nos últimos 45 anos. O objectivo foi o de manter
							baixo o custo da dívida, para que as famílias continuassem a
							pedir crédito para gastar. Na actualidade, 76% do PIB da economia
							americana deve-se à despesa das famílias com o consumo. E a maior
							parte deste consumo está ligada a uma explosão recorde na compra
							de habitação.
 
 No entanto, a taxa de crescimento da nova dívida familiar está a
							alcançar níveis alarmantes, ao mesmo tempo que o conjunto da
							economia de produção contínua a extinguir-se ou a
							declinar. Hoje em dia as fábricas americanas só trabalham a 74%
							da sua capacidade, um nível muito próximo dos seus níveis
							históricos mais baixos. Com tanta capacidade de produção
							sem ser utilizada, não há muitos empresários que pretendam
							investir em novas indústrias ou empregos. Por isso vão para a
							China.
 
 Mas Greenspan continua a apostar na moeda estrangeira para apoiar o consumo
							numa bolha de crédito com juros baixos. Quando esta moeda estrangeira
							deixar de apoiar a economia americana, fluindo hoje para os EUA à
							razão de 2.500 milhões de dólares por dia, a Reserva
							Federal será obrigada a subir os juros para tornar mais atractivos os
							investimentos em dólares. Mas juros mais elevados, poderiam provocar uma
							crise no consumo baseado no crédito, na dívida hipotecária
							de longo prazo, nas dívidas dos cartões de crédito, bem
							como nos empréstimos para a compra de automóveis. Juros mais
							elevados, poderiam mergulhar a economia americana numa depressão, e tudo
							isto poderia acontecer apesar da pouca vontade que demonstra George Bush em ser
							reeleito.
 
 Existe um limite para a capacidade de endividamento das famílias
							americanas para manter a economia a funcionar.
 
 Não se verifica nenhuma recuperação da economia dos EUA. O
							que está a acontecer é, apenas, a explosão de um consumo
							endividado, baseado num aumento desmedido da compra e do preço da
							habitação.
 
 A dívida imobiliária da responsabilidade das famílias
							alcançou um novo máximo em Junho com 8.700 mil milhões de
							dólares, o dobro do que era em 1994. As famílias já
							estão acostumadas a suportar pagamentos cada vez maiores para coisas
							tão básicas como a habitação e o automóvel.
							O pagamento de empréstimos para automóveis é em
							média realizado para prazos de 60,7 meses, o crédito concedido
							para a compra desses automóveis aumentou para 27.920 dólares, e
							uma casa nova custa em média 243.000 dólares.
 
 Com um desemprego em alta e uma economia real que não está em
							crescimento, chegará um momento em que a realidade se manifeste de uma
							forma violenta, quando mercado hipotecário atingir o seu limite.
							Chegados a este ponto, o perigo está em os consumidores terem de deixar
							de comprar, e a economia nessa altura, não será capaz de criar
							novos postos de trabalho, nem promover uma recuperação real. Os
							postos de trabalho terão fugido para a China.
 
 Devemos estar já nesse ponto, ou então muito próximo dele.
							Nas últimas seis semanas, as taxas de juros aumentaram bruscamente, pois
							os proprietários de títulos do Tesouro começaram a vender
							em larga escala, temendo que a rentabilidade do mercado imobiliário
							pudesse ter chegado ao fim, tentando assim retirar algum proveito antes do
							colapso dos valores dos títulos. O Banco Central Europeu tem advertido
							os bancos membros para que não comprem mais Freddie Mac ou dívida
							das agências governamentais norte-americanas.
 
 O problema é que este processo de criação da
							dívida, interna e estrangeira, necessária para manter a economia
							americana em funcionamento, acumulou uma dinâmica de risco que
							está a destruir a base que resta da indústria produtiva e
							tecnológica. Henry Kissinger advertiu, numa conferência da
							Computer Associates, em Junho, que os EUA estavam a promover a
							destruição da sua própria classe média e das suas
							indústrias estratégicas, mediante a deslocalização
							para a China, Índia e outras zonas com custos mais reduzidos. Hoje,
							apenas 11% do conjunto da força de trabalho americana está no
							sector industrial, enquanto que em 1970 era de 30%. A América
							pós-industrial é uma bolha económica em vias de rebentar.
 
 O chefe da Reserva Federal Americana, Greenspan, advertiu também a China
							sobre o aumento das trocas comerciais com os EUA, pressionando para que este
							país reavaliasse o renminbi, tornando assim os seus produtos menos
							competitivos nos mercados americanos. Mas isto é algo sumamente
							perigoso, pois este país asiático possui 340 mil milhões
							em títulos do Tesouro americano e em outros activos da reserva. Os EUA
							necessitam das poupanças chinesas em dólares para financiar os
							seus défices crescentes.
 
 Os EUA estão presos na sua própria teia: os postos de trabalho
							americanos, os postos de trabalho com elevada componente tecnológica,
							assim como os da indústria produtiva, estão a deslocar-se
							continuamente das empresas americanas para a China, Índia ou para outras
							áreas mais baratas. Se Washington pressiona a China e outros
							países, com a intenção de que cortem as suas
							exportações, arrisca-se a matar a galinha dos ovos de ouro dos
							dólares. Quem comprará a crescente dívida em
							dólares do governo? Os negociantes privados de títulos,
							estão a tentar vender desesperadamente os seus títulos
							americanos. A Alemanha e o Japão, só podem comprar uma
							determinada quantidade de dívida em dólares.
 
 A guerra americana do Iraque, mais do que um sinal de força, é um
							claro sinal de debilidade. É, todavia, uma debilidade económica,
							não militar.
 
 O petróleo, a alimentação e o dinheiro como armas
								estratégicas
 
 A razão fundamental para a guerra do Iraque é de carácter
							estratégico, muito para além das agendas de Richard Perle e de
							outros falcões. A hegemonia americana é um sistema distorcido do
							dólar, que depende cada vez mais do nível de apoio que o mundo
							possa dar para sustentar os actuais níveis de dívida dos EUA. Tal
							qual como o velho aprendiz de feiticeiro. No entanto já foi ultrapassado
							o ponto em que isto se pode conseguir de um modo fácil. Este é o
							verdadeiro significado do crescente unilateralismo americano e da
							actuação militar, como base da sua política externa. A
							Europa não pode ser considerada como uma parte da dívida do
							Terceiro Mundo, como o foi nos anos 80. Tanto o Japão como a China devem
							ser tidos cada vez mais em conta.
 
 Mesmo que o americano comum renuncie às suas prometidas pensões
							de reforma, se o sistema do dólar tiver de permanecer hegemónico,
							deverá encontrar novas e mais fortes fontes de apoio, ainda que isso
							signifique, provavelmente, desestabilização e guerras para o
							resto do mundo.
 
 Será que, devido a este contexto, alguns dos que pensam a longo prazo em
							Washington ou em qualquer outra parte, planificaram uma estratégia para
							estabelecer o controlo militar de todos os recursos estratégicos
							petrolíferos, face a um único rival em potência, que
							é a Eurásia, quer dizer desde Bruxelas a Berlim, passando por
							Moscovo e Pequim? A vulnerabilidade do dólar e os problemas da
							dívida americana, são bem conhecidos nos principais
							círculos políticos.
 
 Como uma vez observou Henry Kissiger:  "Quem controla o abastecimento de
							alimentos, controla as pessoas. Quem controla a energia, controla continentes
							inteiros. Mas quem controla o dinheiro, pode controlar o mundo".
 
 [*]
								 Autor de 
								
									A Century of War: Anglo-American Oil Politics and the New World Order,
								
								Pluto Press Ltd. Actualmente está a terminar um livro sobre Organismos
								Geneticamente Modificados (OGM): 
								
									Seeds of Destruction: The Hidden Political Agenda Venid GMO.
								
								 Sítio do autor: 
								 www.engdahl.oilgeopolitics.net
								.
 
 O original encontra-se em
								 globalresearch.ca/
								. Tradução de MJS.
 
 Este artigo encontra-se em
								 http://resistir.info/
								.
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