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							A militarização da neurociência
						
								
									por Hugh Gusterson
								
							 
							Já vimos esta estória antes: o Pentágono interessa-se por
							uma área de conhecimento da ciência em rápido
							desenvolvimento e o mundo muda para sempre. E não para melhor.
							Interfaces cérebro-máquina ("próteses
							neuronais") que permitirão aos pilotos e soldados controlar armas
							tecnologicamente avançadas apenas com o pensamento.
 Durante a Segunda Guerra Mundial, o campo científico foi a física
							atómica. Receando que os nazis estivessem a trabalhar na bomba
							atómica, o governo dos EUA montou o seu próprio projecto
							relâmpago para lá chegar primeiro. O Projecto Manhatan era
							tão secreto que o Congresso não sabia o que estava a financiar e
							o vice-presidente Harry S. Truman não teve conhecimento dele até
							a morte de Roosevelt o ter tornado presidente. Nesta situação de
							extremo secretismo, não havia quase nenhum debate ético ou
							político sobre a Bomba antes de esta ser lançada em duas cidades
							por uma máquina burocrática em piloto automático.
 
 Apesar das objecções de J. Robert Oppenheimer, alguns cientistas
							do Projecto Manhatan organizaram uma discussão sobre as
							implicações do "invento" para a
							civilização, pouco antes da bomba ser testada. Outra mão
							cheia distribuiu o 
							 Relatório Franck
							, contra o lançamento da bomba
							nas cidades sem uma demonstração prévia e uma
							advertência dos perigos duma corrida ao armamento atómico. Nenhuma
							das iniciativas teve efeito visível. Acabámos num mundo em que os
							EUA tinham duas cidades incineradas na sua consciência e a sua
							perseguição de domínio nuclear criou um mundo de
							matança nuclear e destruição mutuamente assegurada.
 
 Hoje temos a oportunidade de fazer melhor. A ciência em questão
							agora não é a física, mas a neurociência, e a
							questão é se podemos controlar a sua militarização.
 
 
  Segundo o fascinante e assustador novo livro de Jonathan Moreno, 
							 Mind Wars: Brain Research and National Defense  , a Agência para Projectos de
							Investigação em Defesa Avançada tem financiado
							investigação nas seguintes áreas: 
 
 "Robôs vivos" cujo movimento pode ser controlado
							através de implantes cerebrais. Esta tecnologia já foi testada
							com sucesso em "ratos-robô" e poderá levar a animais
							controlados remotamente para detecção de minas ou até a
							soldados controlados remotamente.
 "Capacetes de retorno cognitivo" que permitem a
							monitorização remota do estado mental dos soldados.
 Tecnologias de imagens por ressonância magnética
							("impressões digitais cerebrais") para usar em
							interrogatórios ou em detecção 
							
								(screening)
							
							 de terroristas nos aeroportos. Bastante distante das questões sobre as
							suas taxas de erro, tais tecnologias levantariam a questão da
							possível violação da Quinta Emenda, contra a
							auto-incriminação.
 Armas de vibração ou outros neuro-perturbadores que provocam a
							confusão nos processos de pensamento dos soldados inimigos.
 "Neuro-armas" que usam agentes biológicos para excitar a
							libertação de neurotoxinas (a Convenção das Armas
							Biológicas e de Toxinas bane a acumulação destas armas
							para propósitos ofensivos, mas não para
							investigação "defensiva" dos seus mecanismos de
							acção).
 Novas drogas que possibilitem aos soldados deixar de dormir durante dias, a
							apagar as memórias traumáticas, a suprimir o medo ou a reprimir
							as inibições psicológicas contra o homicídio.
 
							O livro de Moreno é importante, uma vez que tem havido pouca
							discussão sobre as implicações éticas de tal
							investigação e a ciência está num ponto
							suficientemente precoce para que possa ainda ser redireccionada em resposta
							à discussão pública.
							O original encontra-se no 
								 Bulletin of Atomic Scientists
								. Tradução de ACN.
 Se for deixada em piloto automático, contudo, não é
							difícil ver onde tudo isto nos vai levar. Durante a Guerra-fria, medos
							infundados de uma diferença de capacidade entre as potências, ao
							nível da posse de mísseis e de técnicas controlo da mente,
							excitaram um sobre-desevolvimento de armas nucleares e a
							realização não-ética de experiências
							involuntárias em sujeitos humanos com LSD. Do mesmo modo, podemos
							antecipar futuros medos das diferenças de desenvolvimento das
							"neuro-armas" e esses medos justificarão uma corrida
							precipitada à investigação (que provavelmente
							envolverão experiências humanas não-éticas) que
							apenas estimulará os nossos inimigos a fazer o mesmo.
 
 Os líderes militares e científicos que pagam as
							"neuro-armas" argumentarão que os EUA são o
							único país nobre a quem poderão ser confiadas tais
							tecnologias, enquanto outros países (excepto alguns aliados) não
							terão esse direito. Vão também argumentar que estas
							tecnologias salvarão vidas e que o engenho dos EUA irá permitir
							dominar outros países na corrida às "neuro-armas".
							Quando for tarde demais para voltar atrás, irão declarar surpresa
							pelo facto de outros países se terem actualizado tão depressa e
							por uma iniciativa que deveria assegurar o domínio americano, ter ao
							invés levado a um mundo onde toda a gente esteja ameaçada pelos
							soldados químicos e o "robô-terrorismo" saído do 
							
								Blade Runner.
 
 Enquanto isso, cientistas individuais dirão a si próprios que se
							eles não fizerem esta investigação outros a farão.
							O financiamento da investigação será suficientemente
							dominado por aqueles que concedem as autorizações militares, o
							que provocará que alguns cientistas tenham de escolher entre aceitar o
							financiamento militar ou desistir da sua escolha de campo de
							investigação. E o muito real uso dual destas novas tecnologias (o
							mesmo implante cerebral pode criar um soldado robô ou reabilitar um
							doente que sofra de Parkinson) irá permitir aos cientistas dizerem a si
							próprios que estão "realmente" a trabalhar em
							tecnologias da saúde para melhorar o destino humano e que o
							financiamento só por acaso vem do Pentágono.
 
 Mas terá de ser mesmo assim? Apesar dos problemas óbvios de
							controlo de um campo de investigação que é muito menos
							capital-intensivo e susceptível a regimes de verificação
							internacional do que a investigação de armas nucleares, é
							possível que uma prolongada conversação internacional
							entre neurocientistas, especialistas em ética e em segurança
							possam prevenir o futuro distópico acima esboçado.
 
 Infelizmente, no entanto, Moreno (p.163) cita Michael Moodie, um antigo
							director do Instituto de Controlo de Armas Químicas e Biológicas,
							quando este diz "As atitudes dos que trabalham nas ciências da vida
							contrastam fortemente com as da comunidade nuclear. Físicos, desde o
							início da era nuclear, incluindo Albert Einstein, compreenderam os
							perigos da energia atómica e a necessidade de participar activamente na
							gestão destes riscos. Os sectores das ciências da vida
							estão a atrasar-se a este respeito. Muitos menosprezam a reflexão
							sobre o risco potencial do seu trabalho".
 
 Já é tempo de começar a conversar!
 
 Este artigo encontra-se em
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