O legado de bombardeamentos deixado por Obama
por Nicolas J. S. Davies
[*]
O Presidente Obama brincou connosco ao dizer que ainda não sabia por que
havia ganho o prémio Nobel da paz em 2009, porém o seu recorde de
empreender guerras não foi nenhuma piada para os milhares de pessoas que
ficaram sob as bombas lançadas pelos EUA.
Com o presidente Obama a deixar o cargo, grande parte do seu registo de
política externa permanece protegido por uma falsa
representação que tem sido a marca da sua Presidência. A
persistência da imagem de Obama como um relutante fazedor de guerras e
vencedor do Prémio Nobel da Paz permitiu a Donald Trump e aos nomeados
para o seu gabinete afirmarem que Obama havia enfraquecido as forças
militares e sido menos agressivo no uso do poder militar dos EUA.
Nada poderia estar mais longe da verdade, estas asserções
destinam-se claramente apenas a justificar gastos militares ainda mais
extravagantes, ameaças e usos da força mais agressivos do que os
perpetrados no âmbito da política de guerra do Sr. Obama,
realizada de forma
"disfarçada, tranquila e sem meios de comunicação a incomodarem"
.
A realidade é que
Obama aumentou os gastos militares dos EUA
acima de quaisquer outros após a Segunda Guerra Mundial, ultrapassando
o recorde
estabelecido pelo presidente George W. Bush. Com o orçamento militar
assinado por Obama para 2017, foi estabelecido um gasto médio de 653,6
mil milhões de dólares por ano, mais 18,7 mil milhões que
a média de Bush (valores em dólares de 2016).
Em termos históricos, após o ajuste da inflação, os
gastos militares de Obama foram 56% maiores do que os de Clinton, 16% maiores
que os de Reagan e 42% maiores que a média dos EUA durante a Guerra
fria, quando tal era justificado por uma competição militar com
um concorrente do mesmo nível, a União Soviética. Por
outro lado,
a Rússia gasta agora um décimo
do que estão a gastar as forças militares dos EUA em
produção de armas e guerras.
O que todo esse dinheiro pagou foi o oposto do que a maioria dos apoiantes de
Obama pensava estar a votar em 2008. Por detrás da imagem icónica
de uma celebridade-em-chefe refinada e com fortes raízes na cultura
urbana moderna, reside um contraste calculado entre a imagem e a realidade que
tem violentado o país com
experimentos neoliberais
e
"democracia manipulada"
levados mais longe do que nunca e preparando-nos para uma
antes impensável Presidência "pós-verdade" de
Donald Trump.
O modelo Obama
A doutrina de Obama de guerras por procuração e encobertas foi
modelada sobre o Programa Phoenix no Vietname na década de 1960 e 1970 e
guerras por procuração de Reagan na América Central na
década de 1980. Isso envolveu uma enorme expansão das
forças de operações especiais dos EUA,
agora implantadas em 138 países
, em comparação com "apenas" 60 quando Obama tomou
posse.
Como disseram altas patentes militares ao
Washington Post em Junho de 2010
, foi permitido à administração Obama,
"coisas que o governo anterior não fez", "eles falam
publicamente muito menos, mas estão a agir mais. Estão dispostos
a ficar agressivos muito mais rapidamente".
Sempre que possível, as forças dos EUA têm recrutado e
treinado forças alheias para combaterem e morrerem nas suas guerras por
procuração, fossem esquadrões da morte xiítas do
governo iraquiano, dissidentes da Al Qaeda na Líbia e a Síria
(apoiando os projectos de "mudança de regime" nesses
países) ou mercenários servindo as monarquias árabes e a
aparentemente interminável carne para canhão da guerra no
Afeganistão.
Obama aumentou dez vezes os ataques com drones
reduzindo ainda mais as baixas
dos EUA em relação ao número de estrangeiros mortos. Isso
fomentou uma ilusão de paz e normalidade para os americanos ainda que o
número de mortos causado pelas guerras dos EUA pós-9/11
certamente tenha
ultrapassado os dois milhões
.
Os alvos dessas guerras secretas e por procuração dos EUA
não são só contra guerrilheiros ou
"terroristas", mas também sobre
"meios de apoio civil"
à guerrilha com comida e fornecimentos, infraestruturas e
toda a organização governamental e da sociedade civil em
áreas que resistam ao seu domínio.
Como um oficial dos EUA no Iraque explicou à
Newsweek em 2005
, "a população sunita não está a pagar
nenhum preço pelo apoio que dá aos terroristas. Do seu ponto de
vista, é livre de custos. Nós temos que mudar esta
equação".
Em décadas anteriores, as vítimas de operações
similares na América Central incluíram o avô de uma jovem
que eu conheci em Cotzal na Guatemala foi decapitado por um
esquadrão de morte do exército por dar comida para o
Exército Guerrilheiro dos Pobres. A Igreja Católica considerou
agora o
padre Stanley Rother
do Oklahoma, morto por um esquadrão da morte do exército
guatemalteco em Santiago Atitlan em 1981, como mártir e candidato
à santidade.
O sangrento Iraque
No Iraque, os destinos de tais operações incluíram
centenas de universitários
e outros profissionais e líderes da comunidade. Recentemente, ataques
aéreos dos EUA mataram três
professores universitários e suas famílias em suas casas na
Universidade de Mossul. As vítimas incluíram o Dr. Mohamad Tybee
Al-Layla (doutorado em Física no Texas), o altamente respeitado
ex-reitor da Faculdade de Engenharia.
Em 2004, após o assassinato do Dr. Abdul-Latif Ali Al-Mayah em Bagdad,
um oficial superior da polícia explicou
quem o matou e por quê
, ao jornalista britânico Stephen Grey: "O Dr. Abdul-Latif foi-se
tornando mais popular porque falava com as pessoas na rua. Você
não precisa olhar mais longe do que para o Conselho Governativo. Eles
são políticos apoiados pelos americanos que chegaram ao Iraque do
exílio com uma lista dos seus inimigos. Já vi essas listas. Eles
estão a matar as pessoas, uma a uma".
As sanguinárias guerras por procuração de Obama no Iraque
e na Síria têm ficado cada vez mais fora de controlo, as
forças de operações especiais dos EUA no terreno e
esquadrões da morte treinados pelos EUA têm sido cada vez mais
apoiados pelas forças aéreas dos EUA e aliados. Há quatro
anos, quando Obama inaugurou o seu segundo mandato, escrevi que os EUA e seus
aliados haviam lançado
20 mil bombas e mísseis no seu primeiro mandato
. No seu segundo mandato, foi lançado quatro vezes esse
número, elevando o total durante a Presidência de Obama para mais
de 100 mil bombas e mísseis, atingindo sete países, superando os
70 mil lançados em cinco países por George W. Bush.
Obama herdou uma campanha aérea maciça já em curso no
Afeganistão, onde os EUA e seus aliados lançaram
mais de 4 mil bombas e mísseis por ano
durante seis anos entre 2007 e 2012. No total,
as forças aéreas norte-americanas lançaram
26 mil bombas e mísseis no Afeganistão
sob Obama, em comparação com
37 mil sob Bush, um total de 63 mil bombas e mísseis em 15 anos.
Mas a nova campanha de bombardeamentos norte-americanos no Iraque e na
Síria, desde 2014 é muito mais pesada, com
65 730 ataques de bombas e mísseis em dois anos e meio
. O Iraque foi agora golpeado com 74 mil bombas e mísseis, até
mais que o Afeganistão: 29 200 no assalto
"Choque e pavor" ("Shock & Awe") de 2003
; mais 3 900
antes da invasão
e a ocupação dos EUA; e outros 41 mil no "Choque e pavor
II" desde 2014, incluindo o actual cerco e bombardeio de Mossul.
O total de Obama de 100 mil ataques aéreos inclui 24 700 bombas e
mísseis lançados na Síria, 7 700 pela NATO e seus aliados
das monarquias árabes, bombardeamentos na Líbia em 2011, mais 496
ataques na Líbia em 2016 e
pelo menos 547 ataques de drones no Paquistão, Iémen e Somália
.
Uma política falhada
Donald Trump e as suas escolhas para secretários de Estado e de Defesa,
Rex Tillerson e Jim Mattis, respectivamente, dizem concretamente que a
política de guerra de Obama falhou. Mas eles estão errados ao
insistirem em que a resposta é gastar ainda mais em armas e
usá-las de forma ainda mais agressiva.
O fracasso de Obama foi o resultado da sua fé cega no poder militar dos
EUA e da sua transigência com generais e almirantes, com a CIA e
conselheiros adeptos da guerra como a secretária de Estado Hillary
Clinton e a embaixadora na ONU Samantha Power. Mas a guerra nunca foi uma
resposta
legítima
ou
eficaz
ao terrorismo.
O uso indevido de força militar tem apenas propagado a violência e
o caos em todo o mundo muçulmano e deu origem a uma mistura explosiva de
desintegração política governada por milícias e
senhores da guerra, uma vertiginosa proliferação de grupos
armados com diferentes interesses e lealdades e, finalmente, mais
represálias para o Ocidente.
A Arábia Saudita, Paquistão, Turquia, Israel, Qatar e outros
"aliados" estão apenas demasiado ansiosos para explorar e
redireccionar a agressão dos EUA contra seus próprios inimigos:
Irão, Síria, Líbia e diferentes grupos étnicos,
minorias e movimentos políticos no que foi, durante séculos, uma
região do mundo diversificada e tolerante.
Os EUA tornaram-se um gigante cego tropeçando através de uma
densa floresta de sombras e perigos invisíveis, aplicando golpes com a
sua devastadora máquina de guerra, instigados pelos interesses
próprios de seus aliados e das
forças encobertas
da própria burocracia dos seus serviços secretos que agitaram
problemas, encenaram golpes de Estado e desencadearam guerras, país
após país, durante setenta anos.
O único beneficiário consistente em toda essa morte,
destruição e caos é o "complexo
militar-industrial" contra o qual o presidente Eisenhower nos avisou no
seu
discurso de despedida em 1961
.
Em 2012, pesquisei e escrevi sobre como o
CEO da General Dynamics, Lester Crown
, e sua família de Chicago apoiou e financiou a carreira política
de Barack Obama. Como fabricantes de submarinos da classe
Virginia,
destróieres
Arleigh Burke
e
Zumwalt
e navios de combate costeiro (todos estes programas aproveitados, revistos ou
expandidos por Obama), bem como outros
tipos de munições
, o patrocínio da família Crown a Barack Obama provou ser um
investimento lucrativo, desde a violência e caos no mundo
muçulmano à nova guerra fria com a Rússia e ao
"caso" do mar da China Meridional.
Agora Donald Trump nomeou um membro do Conselho de Administração
da General Dynamics, o general James Mattis, o "Mad Dog", como
secretário da Defesa, apesar de sua
responsabilidade por suas regras de combate ilegais e continuados crimes de guerra no Iraque
, em óbvio conflito de interesses com os milhões que ganhou na
General Dynamics e as leis que de forma clara exigem o controlo civil das
forças armadas.
A pergunta que se coloca é então: Quando aprenderemos a expressar
a diferença entre belicistas corruptos como Obama e Mattis e
líderes progressistas que nos permitam viver em paz com nossos vizinhos
em todo o mundo, mesmo à custa dos lucros da General Dynamics'?
[*]
Autor de
Blood On Our Hands: the American Invasion and Destruction of Iraq
. É também autor de capítulos sobre "Obama em
guerra" in
Grading the 44th President: a Report Card on Barack Obama's First Term as a Progressive Leader
.
O original encontra-se em
www.informationclearinghouse.info/46261.htm
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|