As ásperas praias da Ilha dos Hedge Funds
por Jim Kunstler
Na semana passada os mares estiveram um tanto encapelados junto à Ilha
dos Hedge Funds
[1]
, apesar de tudo, quando o Federal Reserve começou a
lançar bóias salva-vidas de cash para os abalados
e sovados Big Fund Boyz. Agora, quanto àquele
"dinheiro"
o qual, na essência, é um pacote de linhas de crédito
oferecido às taxas de juro oficiais artificialmente baixas do Fed
o que realmente vai acontecer com ele? A resposta mais simples
é: desaparece no mesmo oceano de agruras financeiras em que os Boyz
estão a afogar-se.
Os meros US$ 38 mil milhões que o Fed lhes lançou na sexta-feira
à tarde, quando o Dow [Jones] estava a afundar umas poucas centenas de
clicks, serão utilizados pelos bancos e casas de investimento para
cobrir perdas nos títulos sintéticos
(synthetic securities)
que eles próprios
criaram, e têm estado a comerciar, durante este psicótico estouro
final da energia barata do capitalismo. Em suma, o Fed está a comprar
papéis sem valor. O perturbante é que há tantos mais
papéis sem valor fora dali que nem todos os computadores do Federal
Reserve poderiam produzir suficiente dinheiro pintado a fim de cobri-los ao
longo da vida deste universos, ou de vários deles.
Uma problema adicional: há uma oferta praticamente
inexaurível
de hipotecas "mortas" e empréstimos corporativos encalhados
nas ásperas praias da Ilha dos Hedge Funds. Não importa
quão má pareça agora a vigarice das
hipotecas-e-créditos-derivados, é certo que isto só
ficará pior quando as hipotecas mortas e os empréstimos
deteriorados começarem a apodrecer ao sol junto às folhagens
tropicais da Ilha dos Hedge Funds, com os fumos tóxicos de todo aquele
material em decomposição. Este verão é só o
princípio de um ciclo de hipotecas com taxas de juro ajustáveis.
Os números da queda caminham para cima e estão programados para
continuarem a ascender bastante até o Inverno de 2008. Durante quanto
tempo pensa que os Big Fund Boys poderão manter a cabeça à
tona?
O que se está a assistir agora é algo simples: os
actores do sector financeiro tentam desesperadamente evadir-se às
consequências das suas próprias acções. A falsa
riqueza gerada pelos títulos sintéticos que eles próprios
criaram
está agora a ser reconhecida como aquilo que é: uma burla.
A
alucinação está ultrapassada. A negação
colectiva que apoiou aquela alucinação está a
dissolver-se. As perdas estão a tornar-se manifestas. Ainda pior, as
perdas estão a crescer exponencialmente porque os títulos
sintéticos foram utilizados como garantia colateral para a alavancagem
de múltiplas "posições" muito maiores, apostas e
jogos numa arena global de comércio electrónico, tal como num
casino.
Isto é o que acontece quando os investimentos ficam desemparelhados da
actividade real produtiva e tornam-se um fim em si mesmos. Eles foram
terrificamente potenciados pelos computadores programados. Mas nenhuma
quantidade de truques digitais com a "cobertura de
açúcar"
da contabilidade aldrabada pode agora esconder o facto de que
não há "valor" ali. Mais ainda, as perdas
terão de ser expostas em algum lugar. Se tentar suprimi-las numa
área, elas explodirão em outra. Se o Federal Reserve tentar
cobrir as perdas delatadas pelos Big Fund Boyz dando-lhes "cash", ele
só conseguirá destruir o valor do próprio cash, isto
é, o dólar americano.
Actualmente poucas pessoas razoáveis podem realmente imaginar que o Fed
cometeria o erro estúpido da hiper-inflação. Mas a
situação é tão desesperada que a missão do
Fed de fazer o necessário para recuperar bancos afundados pode
ultrapassar a administração prudente de bóias salva-vidas
de cash. Quando isto ocorre, os possuidores estrangeiros de dólares
americanos podem detectar a iminente perda de valor do dólar, e nessa
altura haveria um estouro para os guichés de resgate a fim de se
livrarem deles. Isto deixaria o Federal Reserve (e por extensão a
nação americana) numa posição de absoluta e
implacável insolvência.
Seja como for, os EUA agora sustêm-se à beira de uma
liquidação de activos sem precedentes. Os possuidores de
títulos hipotecados de casas super-avaliadas terão de liquidar
suas posições como "proprietários de lares". Os
detentores de dívidas de cartões de créditos
super-alavancados terão de vender os seus Ford Explorers, barcos,
lembranças desportivas (boa sorte com essa merda) e écrans planos
de TVs. Os dentistas aposentados terão de desfazer-se das suas
acções e títulos. As corporações
terão de liquidar operações subsidiárias,
edifícios e jactos corporativos. Algumas faculdades terão de
fechar. Os Big Fund Boys nada de valor terão deixado nos seus
portfolios que possa ser vendido. Eles simplesmente afundarão. Seus
herdeiros e beneficiários terão então de dispor da casa em
Sagaponak, do apartamento de 10 assoalhadas no Central Park West e da frota de
SUVs da família. Os Big Boyz levarão um bom número de
instituições consigo os bancos semelhantes a clubes e as
"casas" de investimento que os empregavam e cooperaram com as suas
peripécias mentirosas.
A conclusão é que vamos descobrir-nos como um país mais
pobre. Haverá muito poucas pessoas com dinheiro.
Haverá muito poucos compradores das casas, barcos, etc que
forem devolvidos. Mesmo as casas em Sagaponak e os apartamentos em Manhattan
ficarão baratos. O esforço para tentar encontrar uma
saída para a crise financeira fracassará. Mais cedo ou mais
tarde ficará estabelecido o reconhecimento de que todo aquele burburinho
era inventado. Os Estados Unidos burlaram-se a si próprios.
Tornámo-nos um país de palhaços com tal loucura de
cobiça que cometemos suicídio financeiro numa orgia de
auto-engano.
PICO PETROLÍFERO, A OUTRA CRISE
De qualquer forma, é como vejo as coisas esta manhã. Os mercados
de
equity
abrem dentro de meia hora ou pouco mais ou menos. O ambiente ali deve
ser sombrio. As mãos que seguram as chávenas do Starbucks [rede
de cafés] devem estar a tremer nas mesas de trading. Apresso-me a
acrescentar: penso que a perturbação e
destruição
podem perdurar um bocado. E caso alguém esqueça, na retaguarda
assoma uma outra tempestade pelo menos tão potente como a que agora
desaba sobre os mercados financeiros: a reunião permanente com a
crise
energética global também conhecida como "pico
petrolífero"
("peak oil").
Só porque alguns Big Fund Boys liquidaram na semana passada as suas
posições no mercado de futuros do petróleo a fim de
tentarem
cobrir suas perdas alhures isto não significa que o preço do
petróleo esteja prestes a manter-se baixo. Ele pode permanecer na
amplitude dos US$-US$70 por algum tempo, mas pode estar certo de
que retomará o combate outra vez. E se assim fizer quando o
dólar estiver a entrar em crash por outras razões, isto
tornar-se-á um lindo país desordenado num mundo muito perigoso e
implacável.
13/Agosto/2007
[*]
Hedge fund:
um fundo privado de investimento que cobra uma comissão de desempenho e está
aberto apenas a um conjunto limitado de investidores qualificados.
Nos EUA, os hedge funds são acessíveis apenas a investidores acreditados.
Devido a estas restrições, eles habitualmente estão isentos de qualquer
fiscalização directa por parte de entidades reguladoras.
Os hedge funds têm a fama de operarem em segredo e sabe-se menos acerca dos
seus métodos e actividades do que acerca dos fundos "de retalho".
O original encontra-se em
jameshowardkunstler.typepad.com/clusterfuck_nation/2007/08/margin-call.html
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Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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