Blackwater: O exército sombra de Bush
Em 10 de Setembro de 2001, antes de a maioria dos americanos ter ouvido falar
da Al Qaeda ou sequer imaginado a possibilidade de uma "guerra contra o
terrorismo", Donald Rumsfeld subiu à tribuna no Pentágono
para pronunciar o seu mais importante discurso como secretario da Defesa sob o
mandato do presidente George W. Bush. De pé, perante os executivos que
ele próprio nomeara para altos cargos de supervisão dos
suculentos negócios dos contratos militares muitos deles
procedentes de empresas como a Enron, a General Dynamics e a Aerospace
Corporation Rumsfeld proclamou uma declaração de guerra.
"A questão que nos ocupa hoje é um adversário que
coloca uma ameaça, uma séria ameaça, à
segurança dos EUA", disse Rumsfeld. "Esse adversário
fragiliza a defesa dos EUA e põe em perigo a vida dos militares homens e
mulheres deste país". Disse à sua nova equipa,
"pensarão certamente que me refiro a um dos últimos
decrépitos ditadores mundiais...[mas] o adversário encontra-se
muito mais perto de casa, trata-se da burocracia do Pentágono".
Rumsfeld pediu uma mudança drástica na
administração do Pentágono, suplantando a velha burocracia
do Departamento de Defesa com um novo modelo baseado no sector privado. Ao
anunciar esta grande reforma, Rumsfeld comentou à sua audiência
que "não tenho a intenção de atacar o
Pentágono, apenas o quero libertar. Temos de o salvar de si mesmo".
Na manhã seguinte o Pentágono seria literalmente atacado ao
embater um Boeing 757 o voo 77 da American Airlines contra a sua
fachada ocidental. Rumsfeld ajudou as equipas de resgate a retirar os corpos
dos escombros, num gesto pleno de notoriedade. Mas não demorou muito
para que Rumsfeld aproveitasse a oportunidade apresentada pelo 11/Set,
inconcebível até aquele momento, para pôr em marcha a sua
guerra pessoal. A nova política do Pentágono iria enfatizar as
missões encobertas, o armamento refinado e uma maior confiança
nas empresas privadas de segurança. Ficou conhecida como a Doutrina
Rumsfeld. "Devemos promover uma atitude mais empresarial, que leve as
pessoas a serem mais proactivas, em lugar de reactivas, a comportarem-se menos
como burocratas e mais como capitalistas empreendedores", escreveu
Rumsfeld no verão de 2002, num artigo para a revista
Foreign Affairs
intitulado "Transformar os militares"
(Transforming the Military).
Apesar de Rumsfeld ter sido posteriormente afastado da
administração com a intenção de acalmar os
críticos da guerra no Iraque, a sua revolução militar
havia chegado para ficar. Na despedida de Rumsfeld em Novembro de 2006, Bush
reconheceu que ele levou a cabo "a maior transformação da
postura global das forças armadas americanas desde o final da Segunda
Guerra Mundial". De facto, a nova marca da casa de Rumsfeld, "sem
deixar rasto", originou um dos mais significativos desenvolvimentos da
actual forma de fazer a guerra o uso generalizado de empresas privadas
de segurança em qualquer vertente da guerra, inclusivamente na sua
participação em combates.
É frequente não se fazer uma análise profunda do grau de
subcontratação e privatização, verdadeiramente sem
precedentes, das guerras pós 11/Set. Desde o instante em que se iniciou
a preparação das tropas norte-americanas para a invasão do
Iraque, o Pentágono transformou as empresas privadas de segurança
numa parte integrante das suas operações. Inclusivamente, quando
o governo passava a ideia de que estava a tentar a via diplomática, a
Halliburton estava a preparar-se para uma operação de larga
escala. Quando os tanques dos EUA entravam em Bagdade, em Março de 2003,
levavam com eles o maior exército privado jamais movimentado numa guerra
moderna. Quando em finais de 2006 Rumsfeld deixa o seu cargo, havia no Iraque
aproximadamente uns 100 mil contratados privados uma
proporção de quase um para um com os soldados americanos.
Para grande satisfação da indústria de guerra, Rumsfeld,
antes de se demitir, tomou a extraordinária decisão de
classificar os contratados privados como uma parte oficial e integrante da
maquina de guerra norte-americana. Na
Revista Quadrienal (Quadrennial Review)
de 2006, do Pentágono, Rumsfeld fez o esboço daquilo a que
chamou "mapa para a mudança" no Departamento de Defesa, que,
disse ele, começou a ser implementado em 2001. Definia a
"Força Total do Departamento" como sendo "os seus
componentes militares activos e na reserva, os seus funcionários e os
seus contratados, que no conjunto constituem a sua capacidade de combate. Os
membros da dita Força Total servem em milhares de lugares no mundo,
levando a cabo uma vasta série de tarefas a cumprir em missões
críticas". Esta designação formal representou o
principal triunfo obtido pelas empresas privadas bélicas
conferindo-lhes assim uma legitimidade nunca antes desfrutada.
As empresas privadas de segurança proporcionaram cobertura
política à administração de Bush, permitindo ao
governo deslocar forças privadas para uma zona de guerra fora de alcance
do escrutínio público, com as mortes, os feridos e os crimes das
ditas forças, envolvidas no mais absoluto segredo. A
administração dos EUA e o anterior Congresso, controlado pelos
republicanos, protegeram as empresas privadas de segurança de ter de
prestar contas, de serem supervisionadas e de qualquer outro impedimento legal.
Apesar da presença de mais de 100 mil contratados privados no Iraque,
apenas um deles foi acusado de crimes ou violações. "Temos
cerca de 200 mil tropas no Iraque mas metade delas não são
contabilizadas, e o perigo disto está em que se exige zero de
responsabilidade", comenta o democrata Dennis Kucinich, um dos principais
críticos no Congresso com a contratação da guerra.
Apesar de no passado recente ter existido um monopólio republicano no
governo, o que constituiu a era de ouro para a indústria de guerra,
parece que os seus dias chegaram ao fim. Passado apenas um mês do
início do novo mandato do Congresso, destacados representantes
democratas estavam já a anunciar investigações sobre os
contratados de guerra fugidos. O congressista John Murtha, presidente do
Appropriations Committee's Subcommittee on Defence
(Subcomissão da Defesa para o Orçamento), ao voltar de uma viagem
ao Iraque, em finais de Janeiro, disse que "vamos levar a cabo extensas
audiências para esclarecer o que ocorre exactamente com os contratados.
Não têm uma missão clara e estão em
roda-livre
". Dois dias depois, durante as audiências preliminares do general
George Casey, como chefe de pessoal do exército, o senador Jim Webb
declarou "temos um exercito de aluguer no estrangeiro". Webb
perguntou a Casey, "não seria melhor para este país se essas
tarefas, em termos de custo e especialmente para as tarefas quase-militares
relacionadas com o combate, fossem levadas a cabo por soldados no activo?"
Casey defendeu o sistema de subcontratação mas disse que os
contratados armados "são aqueles que devemos controlar muito de
perto". O senador Joe Biden, presidente do
Foreign Relations Committee
(Comissão para os Assuntos Exteriores), também anunciou que
realizará audiências sobre as empresas privadas de
segurança. Paralelamente a estas investigações, há
varias propostas de lei a ganhar força e apoios no Congresso, e
destinadas à supervisão dessas empresas.
Por detrás de todas estas deliberações está a opaca
empresa de mercenários Blackwater USA. Totalmente desconhecida para a
maioria dos americanos e em grande parte fora do alcance do radar do Congresso,
a Blackwater consolidou uma posição de efectivo poder e
protecção no interior da máquina de guerra
norte-americana. O êxito desta empresa representa o trabalho de toda uma
vida dos responsáveis conservadores que fazem constituíam o
núcleo da equipe de guerra da administração Bush, para
quem a privatização radical era há muito uma acarinhada
missão ideológica. A Blackwater citou insistentemente a
afirmação de Rumsfeld de que os contratados são parte da
"Força Total" como prova de que é uma parte
legítima da "capacidade de combate" da nação. Ao
invocar as palavras de Rumsfeld, a empresa declarou de facto as sua
forças acima da lei gozando da mesma imunidade que os militares
têm perante as leis civis, mas não limitados pelo sistema das
cortes marciais a que os militares têm de se submeter. Enquanto as
primeiras pesquisas sobre a Blackwater centravam-se no complexo labirinto das
subcontratações secretas, debaixo das quais esta empresa opera no
Iraque, uma investigação mais profunda à companhia revela
uma assustadora imagem de um exército privado com ligações
políticas convertido na guarda pretoriana da administração
Bush.
A ascensão da Blackwater
A Blackwater foi fundada em 1996 pelo cristão conservador e
multimilionário ex-SEAL (Forças de elite da marinha
norte-americana) Erik Prince descendente de uma família rica de
Michigan cujas generosas doações políticas ajudaram ao
auge da direita religiosa e à revolução republicana de
1994. No momento de sua fundação, a empresa consistia
essencialmente na fortuna privada de Prince e numa vasta propriedade de 5.000
acres [2.000 hectares] situada perto do
Great Dismal Swamp
en Moyock, Carolina do Norte. A sua visão foi "satisfazer
antecipadamente a procura do governo por subcontratação de
armamento e formação militar". Nos anos seguintes, Prince, a
sua família e os seus aliados políticos encheram de dinheiro os
cofres das campanhas republicanas, apoiando a tomada de controlo do Congresso e
a ascensão de George W. Bush à presidência.
Embora a Blackwater obtivesse alguns contratos durante a era Clinton, que era
favorável à privatização destes serviços,
foi no entanto com a "guerra contra o terrorismo" que chegou o
momento de glória da empresa. Quase do dia para a noite, depois do
11/Set, a empresa transformou-se no actor chave da guerra global. "Estou
no negócio de formação militar desde há quatro anos
e só agora comecei a ter uma pequena noção de quão
seriamente as pessoas encaram os assuntos de segurança", disse
Prince ao apresentador do noticiário da FOX, Bill O'Reilly pouco depois
do 11/Set. "Agora o telefone não pára de tocar".
De todas estas chamadas, uma era da CIA que acabou por contratar a Blackwater
para trabalhar no Afeganistão nas operações iniciais
norte-americanas nesse país. Nos anos seguintes a empresa converteu-se
num dos grandes beneficiários da "guerra contra o terrorismo",
ganhando quase mil milhões de dólares em contratos, que se
conheçam, com o governo, muitos deles sem concurso público. Em
apenas uma década, Prince ampliou as instalações de Moyock
para 7.000 acres [2833 há], fazendo dessas instalações a
maior base militar privada do mundo. A Blackwater tem neste momento 2.300
pessoas repartidas por nove países, e mais 20 mil prontos para entrar em
acção. Possui uma frota de mais de vinte aeronaves, incluindo
helicópteros de combate, e uma divisão de inteligência
própria, e está a construir aeronaves de reconhecimento e
sistemas de sinalização de alvos.
Em 2005, e depois do furacão Katrina, a suas forças deslocaram-se
para Nova Orleães cobrando ao governo federal 950 dólares por
homem e por dia chegando a atingir mais de 240 mil dólares por
dia. No seu auge, a empresa chegou a ter cerca de 600 contratados
distribuídos desde o Texas até ao Mississipi. Desde o Katrina que
a Blackwater tem desenvolvido uma atitude agressiva na obtenção
de contratos internos, abrindo uma nova divisão de
operações nacionais. A Blackwater está a promover os seus
produtos e serviços junto ao Departamento de Segurança Interna
(Department of Homeland Security
), e os seus representantes reuniram-se já com o governador da
Califórnia, Arnold Schwarzenegger. A empresa solicitou a
obtenção de licenças para operar em todos os estados
costeiros norte-americanos, e está também a ampliar a sua
presença no interior dos EUA com a abertura de novas
instalações em Illinois e na Califórnia.
A Blackwater obteve o seu maior contrato do Departamento de Estado, que
consistiu no fornecimento da segurança dos diplomatas e das
instalações norte-americanas no Iraque. Esse contrato teve
início em 2003, com um acordo
fora de concurso
de 21 milhões de dólares, para protecção do
procônsul no Iraque, Paul Bremer. A Blackwater também forneceu a
segurança dos embaixadores seguintes no Iraque, John Negroponte e Zalmay
Khalilzad, assim como de outros diplomatas e funcionários do país
ocupante. As suas forças protegeram mais de 90 delegações
do Congresso no Iraque, incluindo a da sua actual presidente, Nancy Pelosi. De
acordo com os últimos registros governamentais, a Blackwater facturou,
desde Junho de 2004, 750 milhões de dólares só em
contratos com o Departamento de Estado. Actualmente encontra-se envolvida numa
intensa campanha de
lobbying
para que seja enviada a Darfur como força de paz privada. Em Outubro
último, o presidente Bush levantou algumas sanções ao sul
cristão do Sudão, preparando assim o terreno para uma potencial
missão de paz a desenvolver nessa zona pelas forças militares da
Blackwater. Em Janeiro o representante do governo regional do sul do
Sudão, em Washington, disse esperar que em breve a Blackwater iniciasse
a formação das forças de segurança sulistas daquele
país.
A Blackwater contratou desde o 11/Set, como executivos seniores, alguns altos
funcionários possuidores de bons contactos na
administração Bush. Entre eles encontra-se J. Cofer Black, antigo
chefe do contraterrorismo da CIA e o homem que levou a cabo a caça a
Osama Bin Laden depois do 11/Set, e ainda Joseph Schmitz, antigo Inspector
Geral do Pentágono, responsável pelos acordos com as empresas
privadas de segurança, entre eles a Blackwater, durante a maior parte da
"guerra contra o terrorismo" algo de que foi acusado de o
não ter feito eficazmente. Já no final da gestão de
Schmitz no Pentágono, o poderoso senador republicano Charles Grassley
lançou uma investigação do Congresso para averiguar se
Schmitz tinha "abafado ou redirecionado duas investigações
criminais em curso" sobre altos cargos da administração
Bush. Vendo-se debaixo de fogo cruzado de ambos os partidos, Schmitz demitiu-se
e entrou na Blackwater.
Apesar de ter desempenhado um papel central, a Blackwater esteve, de uma forma
geral, a operar na sombra até 31 de Março de 2004, precisamente
quando quatro dos seus soldados privados, em acção no Iraque,
foram emboscados e mortos na cidade de Faluja. Os cadáveres foram
queimados por uma multidão que os arrastou pelas ruas, pendurando dois
deles numa ponte sobre o Eufrates. Este foi o momento que, sob muitos aspectos,
alterou o rumo da guerra no Iraque. Alguns dias após estes
acontecimentos, as tropas norte-americanas assaltaram Faluja, matando centenas
de pessoas e deslocando milhares, exacerbando assim a feroz resistência
iraquiana que assombra as forças de ocupação até
aos dias de hoje. Para muitos americanos esta foi a primeira vez que ouviram
falar dos soldados privados. "As pessoas começam a perceber que se
tratava de um fenómeno alargado", comentou o congressista David
Price, um democrata de Carolina do Norte, que disse ter começado a
seguir o rasto das contratadas privadas depois dos acontecimentos de Faluja.
"Provavelmente sou como a maioria dos membros do Congresso que apenas
começaram a ter consciência e interesse por este assunto"
após este incidente.
O que não é do conhecimento geral é que, depois dos
acontecimentos de Faluja, os executivos da Blackwater puseram mãos
à obra em Washington, no sentido de capitalizar o recente reconhecimento
da sua empresa. Um dia após a emboscada, esses executivos contrataram a
Alexander Strategy Group, uma empresa de
lobbying
dirigida por altos funcionários do então líder da maioria
republicana Tom DeLay, antes do desmembrar desta empresa no auge do
escândalo de Jack Abramoff. Uma semana após a emboscada, Erik
Prince sentava-se com pelo menos quatro membros do Comité do Senado para
os Serviços Armados
(Senate Armed Services Committe),
entre os quais se encontrava o presidente desta comissão, John
Warner. O senador Rick Santorum preparou o encontro em que, para além de
Warner, participavam também outros dois importantes senadores
republicanos o presidente da Comissão Orçamental
(Appropriations Committee)
Ted Stevens, do Alasca, e George Allen de Virgínia. Esta
reunião surgiu após uma série de anteriores contactos
frente a frente que Prince promoveu com poderosos representantes republicanos
que tinham estado na supervisão dos contratos militares, entre os quais
DeLay; Porter Gross, presidente da Comissão da Inteligência da
Câmara
(House Intelligence Committee)
e futuro director da CIA; Duncan Hunter, presidente da Comissão da
Câmara para os Serviços Armados
(House Armed Services Committee);
e Bill Young, presidente da Comissão Orçamental da Câmara
(House Appropriations Committee).
O que se discutiu nessas reuniões permanece secreto, mas a Blackwater
estava claramente a posicionar-se a fim de obter o máximo da sua nova
fama. De facto, dois meses depois destes contactos, a Blackwater obteve do
governo um dos maiores contratos de segurança internacional, avaliado em
mais de 300 milhões de dólares.
Além disso, a empresa estava igualmente muito interessada em ter um
papel determinante na configuração das regras que iriam regular
os mercenários contratados pelos EUA. "Devido aos acontecimentos
públicos de 31 de Março, a necessidade da Blackwater de ter
alguma visibilidade e de transmitir uma mensagem consistente aqui em
Washington, aumentou", comentou o novo enviado da Blackwater, Chris
Bertelli. "Existem agora vários regulamentos federais que se
aplicam às suas actividades, embora sejam de natureza muito geral. Falta
criar um modelo padrão para este sector, e é precisamente nisto
que na realidade queremos participar". No mês de Maio seguinte, a
Blackwater liderava já um grande esforço de pressão
política da indústria militar privada para conseguir travar as
iniciativas do Congresso e do Pentágono que visavam colocar as suas
forças sob a lei marcial do sistema judicial militar.
Mas enquanto a Blackwater gozava do seu novo estatuto de herói na
"guerra contra o terrorismo", tanto na administração de
Bush como no Congresso controlado pelos republicanos, as famílias dos
quatro homens mortos em Faluja afirmavam que estavam a ser impedidas pela
Blackwater de tentar esclarecer as circunstancias em que morreram os seus
familiares. Depois do que descreveram como sendo meses de esforços para
receber uma resposta directa da empresa, em Janeiro de 2005, as famílias
apresentaram uma denuncia por "morte injustificada" contra a
Blackwater, acusando a empresa de não fornecer aos seus homens aquilo
que diziam ser "condições de segurança
contratuais". Do conjunto das acusações afirmava-se que
naquele dia a empresa enviou-os numa missão a Faluja com menos dois
homens, com pior armamento do que deviam ter, e em
jeeps
Pajero ao invés de veículos blindados. Este caso poderá
ter amplas repercussões pelo que está a ser seguido de perto pelo
sector das empresas contratadas de guerra uma antiga subsidiária
de Halliburton, a KBR, apresentou inclusivamente um "
amicus brief
" (uma alegação a favor de uma das partes) apoiando a
Blackwater. Se a acusação tiver êxito, poderá abrir
caminho a um cenário equivalente ao das denúncias sobre a
indústria tabaqueira, em que as empresas contratadas de guerra
ficarão sujeitas a acusações judiciais dos seus
trabalhadores feridos ou mortos em zonas de guerra.
À medida que o caso se foi desenvolvendo judicialmente, a Blackwater
contratou advogados da elite republicana para a sua defesa, entre os quais
Fred Fielding que recentemente foi nomeado por Bush como conselheiro da Casa
Branca (substituindo Harriet Miers), e Kenneth Starr, antigo auditor geral da
Whitewater que investigou o presidente Clinton e actual advogado dessa empresa.
A Blackwater não recusou formalmente as denúncias
específicas da acusação, mas o que se depreende da
posição expressa pela defesa é o recurso a um conjunto de
argumentos legais, estruturados no sentido de reforçar aquilo que
sustenta a Blackwater e que é, essencialmente, estar acima da lei. A
Blackwater afirma que se os tribunais norte-americanos permitirem que a empresa
seja acusada por "morte injustificada", isso poderia pôr em
perigo a capacidade de combate da nação: "nada poderia ser
mais nocivo para o conceito de Força Total, subjacente à doutrina
militar dos EUA, do que expor os seus componentes privados aos sistemas de
sancionamento de responsabilidades de cinquenta estados diferentes, a serem
aplicados em campos de batalha no estrangeiro", argumentava a empresa nos
seus documentos legais. Em Fevereiro a Blackwater sofreu uma importante derrota
quando o Tribunal Supremo recusou a sua apelação para julgar o
caso Faluja, deixando livre o caminho para um processo estatal onde
será mais difícil encobrir aos jurados os danos da sua actividade.
O Congresso começou a mostrar interesse por este caso potencialmente
desestabilizador. A 7 de Fevereiro o deputado Henry Waxman presidiu às
audiências da Comissão de Supervisão das Reformas do Governo
(Oversight and Government Reform Committee).
Se bem que as audiências estivessem previstas para tratar da
dependência dos EUA de empresas privadas de segurança, acabaram
por se centrar quase exclusivamente na Blackwater e no incidente de Faluja.
Pela primeira vez, a Blackwater viu-se obrigada a enfrentar as famílias
dos homens mortos em Faluja. "As contratadas privadas como a Blackwater
trabalham fora do alcance da cadeia hierárquica militar e podem fazer
literalmente o que lhes apetecer sem que lhes seja atribuída qualquer
responsabilidade ou que tenham de prestar contas ao governo
norte-americano", disse à comissão Katy Helvenston,
mãe de Scott, um dos contratados da Blackwater assassinados. "Deste
modo, a Blackwater pode continuar a obter do governo centenas de milhões
de dólares pagos pelos contribuintes sem se sentir obrigada a responder
sequer a uma única pergunta sobre os operadores de
segurança".
Refugiando-se no processo em curso, o conselheiro geral da Blackwater, Andrew
Howell, declinou responder à maioria das acusações
imputadas à sua empresa pelas famílias, e pediu várias
vezes que a comissão desenvolvesse os trabalhos à porta fechada.
"Todos os homens da missão de 31 de Março tinha armamento e
munições suficientes", disse Howell perante a
comissão, acrescentando que os seus homens usavam veículos
"apropriados". Isto foi vigorosamente questionado pelas
famílias dos quatro homens, que argumentaram por sua vez que a
Blackwater não lhes facultou veículos blindados para economizar
um milhão e meio de dólares. "A partir do momento em que os
homens assinaram contrato com a Blackwater e foram enviados para o Médio
Oriente, a Blackwater tratou-os como se fossem bens descartáveis",
disse Helvenston aos deputados da comissão durante o seu emocionado
testemunho em representação das quatro famílias.
O que colocou este caso sob a mira de Waxman foi a teia dos subcontratos
que estão na base da missão de Faluja. Desde Novembro de 2004 que
Waxman esteve a averiguar para quem estavam realmente a trabalhar os homens da
Blackwater no dia da emboscada. "Durante quase dezoito meses, o
Departamento de Defesa não respondeu à minha
solicitação de informação", comentou Waxman.
"Quando no passado mês de Julho finalmente respondeu, nem sequer me
proporcionou os dados que pedi. Na verdade, negou que as empresas privadas de
segurança desenvolvessem qualquer trabalho no âmbito do programa
de contratações do Pentágono. Agora sabemos que não
é verdade". A luta de Waxman para seguir o rasto do dinheiro deste
contracto em concreto, que implica poderosas contratadas como a KBR, ilustra
bem o secretismo que envolve a própria natureza da indústria das
contratadas de guerra.
O que não oferece dúvidas no incidente de Faluja é que a
Blackwater estava a trabalhar para uma empresa kuwaitiana chamada Regency, sob
um contrato com a maior empresa de serviços de alimentação
do mundo, Eurest Support Services. No Iraque a ESS é uma subcontratada
da KBR e de outra enorme empresa contratada de guerra, a Fluor, sob o programa
de contratos da LOGCAP do Pentágono. Um contrato que suportava a
missão da Blackwater em Faluja revelava que essa missão era um
subcontrato que tinha como contratada original a KBR. No verão passado a
KBR negou isso. Depois a ESS escreveu a Waxman para dizer que a missão
estava suportada pelo contrato da Fluor com a ESS. A Fluor negou, e o
Pentágono disse a Waxman que não sabia a que empresa, afinal de
contas, pertencia a missão. Waxman afirmava que a Blackwater e as outras
subcontratadas estavam "a acrescentar margens significativas" aos
seus subcontratos pelos mesmos serviços de segurança e que
portanto, segundo ele, eram cobradas aos contribuintes norte-americanos.
"É surpreendente como é tão turvo o mundo das
contratadas e subcontratadas, não permitindo que cheguemos ao fundo
deste assunto, e muito menos que possamos calcular os milhões de
dólares perdidos pelos contribuintes em cada fase do processo de
subcontratação", comentou Waxman.
Apesar de parecer, durante quase toda a audiência de 7 de Fevereiro, que
a origem do contrato continuava por esclarecer, no final da audiência a
situação veio a mudar quando o Pentágono revelou que a
empresa contratada original era de facto a KBR. Violando as directrizes
militares, que são contrárias à prática dos
contratantes da LOGCAP que usam as forças de segurança privadas
em lugar de tropas norte-americanas, a KBR tinha afinal subcontratado aquela
missão à ESS com a protecção da Blackwater; esses
custos foram supostamente suportados pelos contribuintes pela quantia de 19,6
milhões de dólares. A Blackwater disse que facturou à ESS
2,3 milhões de dólares pelos seus serviços, o que
significa que uma margem de mais de 17 milhões de dólares foi no
final acrescida nos valores apresentados ao governo. Três semanas depois
da audiência, a KBR disse aos seus accionistas que poderia ser obrigada a
devolver até 400 milhões de dólares ao governo como
consequência de uma investigação em curso no
exército.
Waxman esperou mais de dois anos para obter a resposta a uma pergunta simples:
os contribuintes estavam a pagar os serviços de quem? Mas, como se pode
concluir do incidente de Faluja, a questão não envolvia apenas
dinheiro. Envolvia também vidas humanas.
Um homicídio na noite de Natal
Ainda que muita da publicidade conseguida pela Blackwater se deva ao incidente
de Faluja, outro incidente mais recente está a atrair de novo as
atenções gerais. Na noite de Natal e no interior da altamente
fortificada Zona Verde em Bagdade, um contratado americano da Blackwater,
supostamente, disparou e matou um guarda-costas iraquiano que se encontrava em
serviço de protecção a um alto funcionário
iraquiano. Após o tiroteio e durante várias semanas, circularam
na Internet relatórios não confirmados sugerindo que o
álcool estava na origem do incidente e que a vítima fora baleada
dez vezes no peito. A história logo se complicou com o desaparecimento
do contratado do Iraque antes que pudesse ser processado. As
investigações dos meios de comunicação não
chegaram a qualquer conclusão a embaixada norte-americana
negou-se a confirmar se se tratava de um contratado da Blackwater, e a empresa
recusou fazer qualquer comentário.
O incidente chegou então à audiência de 7 de Fevereiro do
Congresso. Quando a sessão estava prestes a terminar, o congressista
Kucinich irrompeu de novo na sala com o que disse ser a sua última
pergunta. Introduziu uma notícia sobre este incidente na acta e
perguntou ao advogado da Blackwater, Howell, se a empresa tinha retirado o
contratado do Iraque depois do suposto tiroteio. "Esse senhor, no dia em
que se deu o incidente, não estava em serviço", disse
Howell, naquilo que foi a primeira confirmação oficial do
incidente por parte da Blackwater. "A Blackwater transportou-o de regresso
aos EUA".
"Ele vai ser extraditado para o Iraque por homicídio? E se
não, porquê?" perguntou Kucinich.
"Sr congressista, eu não faço cumprir a lei. Tudo o que
posso dizer é que está a decorrer um investigação.
Estamos a dar toda a cooperação e todo o apoio a essa
investigação" respondeu Howell.
Então Kucinich disse: "Quero apenas manifestar que existem
dúvidas que poderiam de facto trazer os responsáveis da
Blackwater aqui por terem fretado um voo que permitiu a alguém que
cometeu um homicídio fugir à justiça ".
A guerra em Capitol Hill
O Congresso está a estudar várias propostas de lei no sentido de
aumentar a supervisão e a transparência das forças privadas
que se posicionaram como actores principais nas guerras do período
pós 11/Set. Em meados de Fevereiro os senadores Byron Dorgan, Patrick
Leahy e John Kerry, propuseram legislação destinada a atacar
energicamente os contratos adjudicados sem concurso prévio ou por
"amizades", prevendo penas até vinte anos de prisão e
multas até um milhão de dólares, com o objectivo de
perseguir a actividade que classificam de "lucrar com a guerra".
Estas acções fazem parte daquilo a que os democratas descrevem
como uma estratégia multi-facetada. "Creio que existe agora massa
crítica entre aqueles que no Congresso estão a estudar este
tema", afirmou o congressista Price, representante do estado
originário da Blackwater. Em Janeiro, Price propôs
legislação que ampliava a Lei sobre a Jurisdição
Militar Extraterritorial
(Militar Extraterritorial Jurisdiction Act
de 2000), conhecida como MEJA, no sentido de nela incluir todos os contratados
em zona de guerra, e não apenas aqueles que trabalham com, ou para, as
forças armadas. A maior parte do trabalho da Blackwater no Iraque, por
exemplo, é devido a contratos do Departamento de Estado. Price
considerou que o suposto tiroteio da noite de Natal poderia ser um dos casos
teste da sua legislação. "Vou seguir de perto este assunto e
solicitarei uma investigação completa", disse.
Mas existe pelo menos uma razão para se ser cauteloso nesta abordagem:
é que o gabinete de Price consultou o lobby militar privado enquanto se
preparava a nova legislação, a qual tem o apoio do dito sector.
Talvez seja por isso que a MEJA, em grande parte, não tenha sido
implementada. "Inclusivamente nas situações em que as leis
civis americanas poderiam potencialmente ser aplicadas aos crimes dos
contratados, ela não as aplica", observa P.W. Singer, um dos
principais investigadores sobre as contratadas. Se os promotores
públicos americanos já não possuem recursos suficientes
para os seus próprios distritos, como se pode esperar que conduzam
complexas investigações no Iraque? Quem protegerá esses
promotores e investigadores? Como irão entrevistar as vítimas
iraquianas? Como irão poder controlar 100 mil indivíduos
espalhados numa ampla e perigosa zona de guerra? "É realmente uma
boa pergunta", concorda Price. "Não digo que vá ser uma
tarefa simples". O que Price sustenta é que a sua
legislação tem a intenção de "colocar todo o
conjunto de negócios das empresas privadas de segurança sob um
novo equilíbrio de responsabilidades".
No passado Outono e mudando totalmente de rumo para grande desespero e
consternação do sector empresas privadas de segurança
o senador republicano Lindsey Graham, um advogado e antigo juiz da
Força Aérea na reserva, alterou discretamente o texto da
Defense Authorization
de 2007, que Bush veio a assinar como lei, colocando todos os contratados sob
o Código Uniforme de Justiça Militar
(Uniform Code of Military Justice,
UCJM) conhecido vulgarmente como o sistema de justiça marcial. Graham
implementou a mudança sem debate público e sem que quase
ninguém no Congresso estivesse ao corrente deste assunto, de tal modo
que as empresas privadas de segurança questionaram imediatamente a sua
constitucionalidade. De facto, este poderia ser um daqueles raros
episódios em que mercenários e defensores dos direitos civis
estão do mesmo lado da barricada. Muitos dos contratados não
são combatentes armados, trabalhando no sector alimentar, na lavandaria
e noutros serviços de apoio. Apesar de se poder argumentar que os
contratados armados, como os que trabalham para a Blackwater, deveriam estar
sob o UCJM, as mudanças introduzidas por Graham poderiam levar a que um
lavador de pratos do Nepal que trabalha para a KBR pudesse ser processado da
mesma forma que um soldado americano. E a agravante é que, para
além disto tudo, os militares já têm problemas bastantes
com a gestão das suas forças, pelo que dificilmente se
poderá esperar que venham a controlar também um corpo de pessoal
privado de 100 mil novos integrantes. Além disso, muitos são os
contratados no Iraque que estão ali sob os auspícios do
Departamento de Estado e de outras agências civis, isto é,
instituições não militares.
Com a intenção de clarificar estes assuntos, o senador Barack
Obama apresentou em Fevereiro uma nova e ampla legislação, onde
se exigem regras claras para que os contratados armados possam entrar em
combate, alargando o âmbito do MEJA e permitindo ao Departamento de
Defesa "prender e deter" os contratados suspeitos de algum crime com
o objectivo de os colocar à disposição das autoridades
civis para dar seguimento ao processo de acusação. Também
requer ao Departamento de Justiça a elaboração de um
relatório completo das investigações em curso sobre os
abusos dos contratados, do número de queixas recebidas sobre os
contratados e dos casos criminais abertos. Em declarações a
The Nation,
Obama disse que empresas privadas de segurança estão "a
operar sob directrizes de autoridade pouco claras, com custos fora do controlo,
e virtualmente, sem supervisão do Congresso. Este buraco negro de
responsabilidades aumenta o perigo para as nossas tropas e para os civis
americanos que trabalham como contratados". Disse que a sua
legislação "restabeleceria o controlo destas empresas"
e "poria os contratados sob o primado da lei".
O congressista democrata Jan Schakowsky, membro da Comissão de
Inteligência da Câmara, foi um dos pioneiros a criticar o sistema
de contratações na guerra. A sua Lei para a
Clarificação dos Contratos no Iraque e Afeganistão
(Iraq and Afghanistan Contractor Sunshine Act
), apresentada em Fevereiro e que reforça a legislação de
Obama, reduz-se no que Schakowsky considera ser uma tarefa exaustiva de procura
de evidencias na opaca burocracia dos contratos. Entre outras
disposições, exige ao governo que identifique e faça
publico: o número de contratados e subcontratados (a todos os
níveis) que estão a trabalhar no Iraque e Afeganistão; as
leis norte-americanas, internacionais e dos países onde eles operem, que
tenham sido violadas pelos contratados; as acções disciplinares
que tenham sido movidas contra os contratados; e o número total de
contratados mortos ou feridos. Schakowsky afirma que durante os últimos
anos tentou insistentemente obter essa informação e foi
repetidamente dificultado ou ignorado. "Estamos a falar de milhares e
milhares de milhões de dólares algumas estimativas indicam
que quarenta por cento dos gastos com a ocupação vai parar
às mãos das contratadas e, apesar de disso, não pudemos
obter qualquer informação sobre baixas, sobre mortes" disse
Schakowsky. "Foi virtualmente impossível aclarar este aspecto da
guerra, de modo que quando abordamos temas sobre a guerra, tais como a sua
extensão, os seus custos, os seus riscos, não temos tido em linha
de conta a questão das empresas privadas de segurança. Não
sabemos quase nada de toda esta
força na sombra
que tem estado a operar no Iraque. Penso que o povo americano está
muito distante do que realmente se passa nesta guerra".
Embora não exista um número exacto para a totalidade de baixas
entre os contratados, foram no entanto confirmados pelo Departamento de
Trabalho 770 mortos e 7.761 feridos no Iraque até 31 de Dezembro de
2006. Porém, este valor contabiliza tão só os contratados
cujas famílias solicitaram indemnizações a coberto do
seguro da Lei Base da Defesa
(Defence Base Act),
pois analistas independentes sustentam que o valor pode ser muito superior.
Só a Blackwater perdeu no mínimo vinte e sete homens no Iraque. E
para além deste aspecto existe o custo financeiro: quase quatro mil
milhões de dólares dos contribuintes foram gastos em
forças de segurança privadas no Iraque, segundo Waxman. Ainda
assim, mesmo com todas estas forças adicionais, os militares
encontram-se em dificuldades para satisfazer as pretensões de uma Casa
Branca empenhada no aventureirismo militar.
Uma semana depois de Rumsfeld deixar o Pentágono, e porque as
forças norte-americanas haviam sido levadas ao limite pela "guerra
ao terrori", o anterior secretario de Estado Colin Powell, foi levado a
afirmar que "as forças armadas no activo estão prestes a
desmoronarem-se". Em lugar de repensar a sua política externa, a
administração dos EUA opta por uma fuga para a frente com planos
de uma nova "onda" de tropas no Iraque, assim como de um plano para
reforço das forças armadas com a utilização de um
Corpo Civil de Reserva apresentado em Janeiro por Bush no seu discurso do
estado da nação. "Este corpo funcionaria de forma
idêntica à nossa reserva militar. Reduziria a carga das
forças armadas ao permitir contratar civis com conhecimentos adequados
para servir em missões no estrangeiro sempre que os EUA necessitem
desses civis", disse Bush. Parecia que o presidente estava apenas a dar um
novo e complicado nome para o que já tinha sido feito com a sua
"revolução" nos assuntos militares e com a
dependência sem precedentes dos EUA de empresas privadas de
segurança. E no entanto, enquanto a proposta de Bush para a
ampliação de tropas provocou um feroz combate político no
Congresso e entre o público em geral, a crescente dependência da
administração dos EUA de empresas privadas de segurança,
ficou praticamente sem ser debatida e foi muito pouco difundida.
"O uso crescente de contratados, forças privadas ou, como alguns
diriam, de
mercenários,
torna as guerras mais fáceis de iniciar e de combater apenas
é necessário dinheiro, e dispensa a cidadania", disse
Michael Ratner, presidente do Centro para os Direitos Constitucionais
(Center for Constitutional Rights)
que processou empresas privadas de segurança por supostos abusos no
Iraque. "Quando se pede a um povo que vá para a guerra, surge
sempre uma certa resistência, e que é indispensável para
impedir guerras de auto-engrandecimento, guerras estúpidas e, no caso
dos EUA, guerras pela hegemonia imperialista. As forças privadas
são quase uma necessidade para uns EUA desejosos de evitar o
declínio do seu império".
Enquanto se fala de um Corpo Civil de Reserva e a Blackwater promove a ideia de
uma "brigada de contratados" privada que trabalharia com o
exército, os críticos da guerra no Congresso estão a
voltar a sua atenção para o que consideram uma não
debatida escalada contínua do uso de forças privadas. "Uma
nova
onda
implica um aumento para o qual haverá limites" disse Schakowsky.
"Ter um terço ou um quarto do total das forças presentes no
terreno, sem que isso tenha sido alvo de debate, é algo muito perigoso
para a nossa democracia, porque a guerra é a coisa mais crítica
que estamos a fazer".
O que está a acontecer é que as mortes dos contratados não
estão a ser consideradas no total de mortes de norte-americanos, nem os
seus crimes e violações são documentados, ficando por isso
impunes, e ainda por cima estão a esconder os verdadeiros custos da
guerra. "Quando são utilizados contratados aos quais não se
aplica a lei, a Convenção de Genebra, as noções
comuns de moralidade, tudo isso é atirado pela janela fora" disse
Kucinich. "O que isto significa é que esses contratados privados
são na realidade um dos braços executores da
administração dos EUA e das suas políticas".
Kucinich afirma que pretende investigar até que ponto as forças
privadas estão envolvidas naquilo que é chamado de
"Black bag", "false flag",
ou operações encobertas no Iraque. "Mas qual é a
diferença entre as operações encobertas e as chamadas
operações abertas sobre as quais não se tem qualquer
informação? Nenhuma". Kucinich também insiste em que
os problemas com as contratadas não são apenas de
transparência e supervisão. "Trata-se da
privatização da guerra", disse. A
administração dos EUA está "a ligar os lucros dos
empreiteiros privados da segurança com a feitura da guerra. Assim,
estamos a dar incentivos para os empreiteiros fazerem lobby junto à
administração e o Congresso a fim de criar mais oportunidades de
lucros, e tais oportunidades significam mais guerra. É por isto que o
papel das empresas privadas de segurança deveria ser drasticamente
limitado pelo Congresso".
[*]
Jornalista independente, colaborador de
Democracy Now !
.
Cobriu o Iraque e a Jugoslávia. O presente texto é um excerto do
seu livro "Blackwater: A ascensão do exercito mercenário
mais poderoso do mundo"
(Blackwater: The Rise of the World's Most Powerful Mercenary Army)
.
O original encontra-se em
http://www.alternet.org/story/49307/
. Tradução de MJS.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
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