J. Edgar
e o terrorismo do filme
J. Edgar, o novo filme de Clint Eastwood, é um verdadeiro filme de
terror, é um acto de violência, um acto de terrorismo. A cuidadosa
construção do filme sobre J. Edgar Hoover, fundador do FBI, como
um herói com defeitos sim mas justificáveis, em vez dum canalha a
desempenhar as tarefas de uma instituição canalha atingiu as
salas de cinema com a precisão rigorosa de um drone predador
telecomandado e com igual intenção política.
Enquanto antigos antagonismos provocam novas e ameaçadoras
reacções, enquanto surgem novas gerações que, por
sua vez, fazem perguntas sérias sobre o planeta, a igualdade, a
justiça e a auto-determinação, sejam ocupantes ou
descolonizadores, Hoover regressa da morte para lembrar aos liberais, aos
ricos, ao Branco que o seu lugar no topo da pirâmide social é
legítimo e deve ser protegido a qualquer custo. E seja o que for que
disserem, eles adoram-no.
E é por isso que grande parte da discussão em torno do filme
está concentrada na vida sexual de Hoover, digna de um prémio de
representação. Uma ignorância intencional permite que se
admire uma tal monstruosidade política. Desde o início, Hoover
é representado positivamente como um organizador bem necessário e
severo da imposição da lei, um protegido dos ataques do advogado
General Palmer, contra os violentos terroristas radicais da época.
E, em conformidade com o modo e a função dos meios de
comunicação convencionais, esses dissidentes não merecem
qualquer contexto, descrição ou reflexão honesta. Os
bolcheviques, os anarquistas e os activistas dos movimentos laborais quase
não são referidos e apenas quando necessário para
legitimar o desejo de Hoover de catalogar e vigiar todos os cidadãos
para depois deportar, aprisionar fraudulentamente ou assassinar aqueles que
considera ameaças para a segurança nacional.
E, obviamente, apenas a violência deles é uma violência
real. Claro que a violência da exploração capitalista e das
guerras imperialistas não são postas em questão.
Não. Só as acções dos inimigos são
questionáveis. O que acaba por ficar sem ser posto em causa é a
tentativa correcta, mesmo que imperfeitamente executada, do estado e de Hoover
para pôr em ordem o trabalho da polícia e uma sociedade destinada
por direito divino a ser acima de tudo Branca e capitalista.
Assim, o filme faz apenas uma breve e menor referência aos radicais
Brancos. Os activistas negros nem sequer aparecem. E porque haviam de aparecer?
Os Brancos radicais, como Emma Goldman, apenas aparecem rapidamente no
ecrã para justificar a hostilidade actual para com os imigrantes e as
chamadas campanhas anti-terrorismo. A deportação de Goldman e a
referência de passagem aos anarquistas assassinados Sacco e Vanzetti, que
nunca são referidos pelo nome mas apenas como os "dois
italianos", apenas servem para conferir legitimidade a Hoover no passado e
aos assassínios premeditados, detenções e políticas
de imigração do presente.
Deportar aqueles que não é possível matar. Feito isso, nem
sequer há necessidade de referir, por exemplo, Hubert Henry Harrison ou
Marcus Garvey, ambos alvos precoces de Hoover, a quem ele chamava "chulos
racistas" e "conhecidos agitadores pretos".
E, por causa duma necessidade inexplicável deste filme em se ater aos
aspectos mundanos da carreira de Hoover, o filme dá-se ao luxo de pura e
simplesmente esgotar o seu tempo. Assim, gasta infindáveis minutos com o
rapto do bebé de Lindbergh sem qualquer referência
às crenças de Charles Lindbergh sobre a eugenia e o nazismo
juntamente com uma visão íntima sobre a vida pessoal de
Hoover com a sua mãe e com o companheiro dele, o que garante ficarmos
sem nada saber sobre o Partido dos Panteras Negras, ou sobre a vigilância
e deportação de pessoas como Claudia Jones e C.L.R. James, ou
sobre a culpabilidade nos assassínios de, digamos, Malcom X e Fred
Hampton (para só falar destes). O Dr. King só aparece como
antecedente pornográfico, a sua política e assassínio
parecem ser irrelevantes. E a palavra
"contra-informação" é referida no filme apenas
uma vez mas não como o Programa de Contra Informação de
Hoover e obviamente sem qualquer análise do impacto continuado desse
programa. Portanto, claro que não podia existir qualquer
referência ao envolvimento directo de Hoover nas tramóias
incriminando negros radicais por crimes que não praticaram mas pelos
quais alguns continuam encarcerados, ainda hoje, em 2011.
Muito em especial numa altura de poder policial militarista ampliado e de
profundo encanto de um presidente imperialista, este filme representa um ataque
violento contra a história com o objectivo de aterrorizar as
audiências de hoje reforçando um medo irracional do estado ou uma
justificação igualmente irracional para aquilo que o estado faz
para sua própria preservação. Não se trata de um
simples drama histórico, é um aviso flagrante para a actualidade.
Os imigrantes e os radicais têm que ser vigiados, deportados, mortos ou
aprisionados e tudo isso por uma boa razão, ou seja, os Estados Unidos.
06/Dezembro/2011
[*]
Autor de
Mix What I Like! A Mixtape Manifesto
e é professor associado de estudos de comunicação na
Morgan State University.
O original encontra-se em
http://www.blackagendareport.com/content/j-edgar-and-terrorism-film
. Tradução de Margarida Ferreira.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|